Group creative director da 360i NY, Fabio Seidl começou sua carreira no Rio de Janeiro. Aos 24 anos já era diretor de criação do escritório carioca da Fischer. Antes dos 30, se aventurou pelo mercado europeu e foi trabalhar na McCann Lisboa, onde ficou por três anos. Voltou ao Brasil para ser diretor de criação da Africa, de Nizan Guanaes, trabalhou na W/McCann, de Wa-

shington Olivetto e fez parte da equipe da Ogilvy que levou o título de agência do ano em Cannes e chegou ao top3 por outros dois anos. Em 2014 aceitou o convite para ser VP e diretor de criação executivo da Leo Burnett em Chicago. Dois anos depois, está na 360i NY, agência de inovação da Dentsu, uma das mais premiadas agências do mercado norte-americano dos últimos anos.

 

Como está o mercado publicitário
norte-americano hoje?

O mercado dos Estados Unidos vive um momento histórico de transição. No ano passado, pela primeira vez, a mídia mais comprada pelas agências e marcas, e a mais consumida pelo público, foi a digital. Isso tem provocado uma aceleração na modernização das agências mais tradicionais e uma ascensão natural de agências que já nasceram neste ambiente. O dia a dia é um pouco menos “nervoso” do que estamos acostumados no Brasil. Os planejamentos são mais a longo prazo, os processos são mais lentos, há advogados por todo lado e ninguém se mata de trabalhar aos finais de semana e até de madrugada. Por outro lado, a ambição é diferente, a capacidade de improvisar e se virar com poucos recursos não faz parte da cultura e como há muitas agências, o talento se dilui por diferentes empresas.

 

O que os americanos acham da propaganda
brasileira, ou o país é um ilustre desconhecido aí?

O Brasil é conhecido e respeitado pelo que faz na publicidade. Não fosse assim, não seríamos tantos brasileiros trabalhando por aqui. Acho que nunca fomos tantos. Somos percebidos pela nossa capacidade de fazer muito com pouco e pelo cuidado que temos com nosso trabalho.

Quais os pontos de convergência entre
Brasil e EUA?

O que o Brasil e os EUA têm em comum é o nível de exigência dos grandes clientes e a vontade de se fazer as ideias ficarem grandes e mais relevantes. 

 

E de divergência?

O principal: muitas agências ainda trabalham com sistemas de criativos dedicados a uma ou duas contas, que é algo que o brasileiro não está acostumado. Na média, o criativo brasileiro respira muito mais a publicidade — sobretudo a internacional — do que o criativo americano. Talvez porque a cultura americana seja muito menos influenciada pelas outras, talvez porque o criativo brasileiro seja apaixonado por publicidade como em geral é apaixonado por futebol.

 

Por que você decidiu sair do Brasil e encarar o maior mercado publicitário do mundo (além, é claro, da questão financeira)?

Eu já havia trabalhado fora, fiquei três anos em Portugal e foi uma experiência excelente. Agora, foi só a oportunidade de fazer as coisas que eu adoro fazer de outro jeito, numa outra liga e principalmente, aprender. A razão financeira foi o que menos pesou porque quando eu saí do Brasil, os salários no país eram melhores do que nos EUA e o dólar valia metade do que vale hoje.

 

Você já sentiu algum tipo de dificuldade no
trabalho causada por barreiras culturais?

Acontece, mas não é com muita frequência. Curiosamente, em Portugal acontecia mais. Quando eu estava lá aconteceu um episódio engraçado que mostra bem isso. Eu estava me esforçando muito para escrever como um português. Lia bastante, prestava atenção no jeito que as pessoas falavam. Mas meus chefes lá sempre achavam que estava muito “brasileiro”. Até que um dia eu fiquei de saco cheio e pedi para o redator mais experiente da agência escrever uma ideia para mim. Só contei o que era e ele fez o roteiro, os diálogos, conceituamos juntos, mas tudo foi escrito por ele. Aí levei para os diretores de criação e não falei nada. E os caras: “Ê pá, Fabio, manda lá o Taveira revisar esse texto, que isso tá muito brasileiro, pá!” E eu: “Pois é, esse texto não é meu, é do Taveira.” Os caras chamaram o Taveira. “Ó, Taveira, pá! Vê se para de andar com o Fabio porque já estás a escrever feito um brasileiro, pá!” Mas aqui em Nova Iorque, como tem muita gente do mundo inteiro nas agências, se entende melhor o fato de você não ser nativo na língua ou não ter crescido com a cultura popular daqui. No final, a visão de fora que a gente traz também tem muito valor no mercado daqui.

 

Você deixou o alto comando da tradicional Leo Burnett em Chicago para a 360i. O que te seduziu para fazer essa troca?

A 360i é uma marca nova da Dentsu e que em seis anos de vida já conquistou um Grand Prix e vários leões em Cannes. Nos últimos quatro anos seguidos foi a única que se manteve no topo da lista das agências do ano da Advertising Age. Ela nasceu grande mesmo para os padrões americanos. Hoje, são mais de 600 pessoas em NY sem contar os escritórios de Los Angeles, Atlanta, Chicago, Londres, Toronto.

A experiência na Leo Burnett foi excelente, tive a oportunidade de trabalhar com pessoas sensacionais, mas percebi na 360i a oportunidade de desenvolver um lado da ideia que nasce no meio digital, inspirada por um ambiente integrado, aprendi muito e estou conseguindo desenvolver outro tipo de trabalho por aqui. 

 

Você comentou que os trabalhos nos EUA demoram mais para acontecer. Como é esse processo nos projetos que você já vem desenvolvendo nesse início na nova agência?

É verdade que alguns processos demoram muito. Mas em alguns casos, quando você tem algum tipo de inovação ou de tecnologia que precisa sair na frente, tem que ser rápido. Nesse pouco tempo de agência conseguimos fazer dois projetos em que foram bem diferentes. 

Desenvolvemos uma ideia chamada Photo Coach, para Canon, em que outdoors digitais reagiam a diversas condições em tempo real para dar dicas de como tirar fotos melhores nos principais pontos de Nova Iorque. Se variava a luz, o trânsito, se havia um evento, se fosse chover, qualquer coisa que acontecesse virava uma dica nova. Para essa experiência acontecer juntamos um time de quase 30 pessoas com habilidades completamente distintas. Tinham coisas que a gente pensou em fazer, mas ninguém fazia ideia de como realizar. E fomos descobrindo junto. A ideia cresceu durante a produção. E precisava ser rápida.

Outro projeto bem atípico foram os Adaptoys que criamos para a Reeve Foundation, do ex-Superman Christopher Reeve. Inventamos brinquedos acessíveis para pessoas que vivem com paralisia. É algo que estava esquecido, que não era possível antes. Quando percebemos como a tecnologia assistiva estava evoluindo, precisávamos sair na frente, fizemos esta campanha e a mídia e a sociedade responderam imediatamente, divulgando e doando recursos para a
fundação.

Recentemente ganhamos a conta da vodca Absolut e eles também têm muita agilidade. Acho que algumas marcas já perceberam que precisam agir na velocidade e a mesma energia com que as pessoas estão vivendo e interagindo com os meios. 

 

Você tem planos de voltar a trabalhar no Brasil, ou o futuro a Deus pertence?

Eu tinha plano de não voltar para o Brasil quando estava em Portugal, de não ir para São Paulo quando estava no Rio, e tinha planos de não sair mais de Chicago. Então, já percebi que o melhor que eu faço é não fazer plano nenhum.

 

Que conselhos você daria a um brasileiro que sonha em trabalhar na Madison Avenue?

O primeiro é que mudar não é fácil. Muita gente não entende, mas não é só mudar de país, você precisa mudar também. Tudo. Sua postura, como você fala, como você apresenta, vende, como você se relaciona com as pessoas e com sua vida pessoal.

Depois, e eu não estava aqui antes, mas é que a Madison Avenue já não é mais a mesma. Ela foi se espalhando por Tribeca, Brooklyn, Soho, Flatiron, Uptown. As agências grandes começaram a precisar pensar como agências pequenas e as agências médias precisam sonhar gigante. Os clientes também mudaram e não tem mais paciência para os MadMen, querem criativos com cabeça de empreendedores. 

Tem outra coisa: por mais coisas incríveis que você tenha feito antes no seu país, aqui você é um ilustre desconhecido, é mais um numa multidão e vai ter que recomeçar. Ou, resumindo isso tudo, como já dizia meu avô, sem humildade não se consegue nem um chiclete na padaria.