Uma história é sempre um deleite. Então, eu decidi que cursaria jornalismo para contar histórias do cotidiano, só que nunca escrevi sequer um único artigo como jornalista. Assim que me formei me encantei pela literatura e virei contadora de histórias numa escola em Curitiba. Ocorre que a vida se movimenta para lugares inesperados e acabamos em São Paulo, Lucca, com 4 meses, Beto e eu. Era lá que aconteciam as melhores oportunidades para os publicitários e eu estava casada com um rapazinho cheio de determinação e talento, não havia como escapar. Bom, de contadora de histórias eu fui parar na universidade como professora de leitura e escrita. Foram 14 anos intensos, fiz grandes amigos, me abri para um mundo repleto de novidades. Foi em São Paulo que me descobri cronista e ilustradora dos meus textos.

 

Só que, como eu já disse, a vida ondula. E mais uma vez a publicidade me impulsionou para um outro mundo, para uma nova cultura, para uma língua que não era a minha. Mudamo-nos para Londres, Lucca, com 14 anos, Beto e eu. Era tudo mágico naquela cidade, mas a minha expressão se perdeu e eu precisava transcender de alguma forma. Era impossível para mim escrever alguma literatura em inglês. Daquela que ilustrava as próprias crônicas por diversão, passei a ilustrar as histórias que lia e minha contação de histórias se materializou em gravuras, uma língua mais universal. Eu passava o dia recortando e bordando no estilete formas femininas. Até que um dia entrei numa galeria qualquer em Londres e comecei um curso de xilogravura. De picotar papel passei a cavar a madeira. Londres me ensinou o gosto pelas goivas. Entalhar a madeira para imprimir em papel me remetia à Literatura de Cordel, o que me trazia às minhas origens. Sem muita consciência eu fui buscando minha essência, num lugar que não era bem o meu, minha essência como brasileira, minha essência como mulher. Eu não sabia bem o porquê, mas as minhas personagens eram essencialmente mulheres, ali impressas preto no branco. Esses foram dois anos e meio de introspecção e arte.

 

E agora estamos Lucca, com 17 anos, Beto e eu aqui na Califórnia. A tal da publicidade me faz mexer, me traz para descobertas. Nessa terra de tanta luz, o preto e branco dos cordéis deram lugar ao colorido. As gravuras, antes inspiradas pela literatura, cederam espaço para a cartas do Tarô Mitológico. Têm sido nove meses de um olhar mais desprendido.

 

E eis que a publicidade, de repente, me dá mais uma chance e me conecta com a Thais Marin e o ApArt. Essas coisas que acontecem no acaso. Um dia a Thais me convida para compor uma exposição com outras 14 mulheres que retratariam os S femininos, nossa sensualidade, nossa sexualidade, nossa sensibilidade, nosso senso, nossa “strength”. Era tudo o que eu queria para o meus arcanos maiores, mulheres e seus S. E no dia 5 de abril lá estava eu e seis das minhas cartas todas cor-de-rosa, em Nova York, na The S Exhibition, cercadas por artes tão representativas do feminino, um feminino expresso em pincéis, lentes, palavras, esculturas, performances.

 

É por tantas idas e vindas que eu costumo traduzir a minha arte como sendo:

 

Gravuras que contam histórias.

 

Que falam sobre as minhas impressões sobre o mundo.

 

Recorto pequenos pedaços do que vivi e encho de cores.

 

 

 

Poemas, músicas, prosa.

 

Expressões que me contam em traços e dialogam com quem fui ou quem sou ou quem serei.

 

Que traduzem o meu jeito de olhar para a minha essência.

 

*Lu Otto
é contadora de histórias através de letras e formas que vão se moldando por onde quer que vá. Atualmente vive na Califórnia com o filho, Lucca, e o marido, Roberto Fernandez, Executive Creative Director da Anomaly LA. É uma das artistas com obras na S Exhibition da ApArt Private Gallery NY, que estreou em abril