É normal, quando alguém resolve passar as férias em um lugar distante como o Japão, que busque informações em blogs e publicações. E, como em qualquer viagem, as dicas são sempre muito objetivas: lembre-se de visitar o templo de mil anos, lembre-se de não fazer contato visual com os macacos, lembre-se de levar o adaptador de tomada, lembre-se de jamais cruzar os palitos, lembre-se disso, lembre-se daquilo, e por aí vai.

A verdade é que ninguém nunca fez um guia de coisas para esquecer.

Descobri, vivendo na pele, que o exercício do desprendimento numa viagem ao outro lado do mundo é tão ou mais útil do que listas e lembretes. Então resolvi fazer uma lista de coisas para esquecer destinada a quem resolver conhecer o Japão nas próximas férias. Aproveite ou esqueça. Você decide.

1 – Esqueça o inglês. Você fala inglês? Ótimo. Guarde isso para quando for aos States ou para sua próxima reunião em que os anglicismos são muito mais abundantes e tão inúteis quanto no Japão. A verdade é que em Harajuku fala-se tanto inglês quanto em Aracaju. O inglês falado em Tokyo é tudo menos inglês. Muitos restaurantes não têm cardápio bilíngue, mas quase todos têm fotos. Se você é bom de mímica, abuse. Se não, aponte.

2 – Esqueça o português. Embora pareça, o japonês não tem nada a ver com o português. Isso é importante saber antes de tentar interpretar o conteúdo das placas de rua. Nomes como Kagome, Suvaco, Sugaro, Ku são recorrentes em lojas e restaurantes. Fora alguns outros que você não acreditaria. A experiência da descoberta é fascinante.

3 – Esqueça qualquer lista de endereços. As ruas não têm nomes legíveis, sequer pronunciáveis. Você nunca vai achar uma rua pelo nome.

4 – Esqueça o GPS do seu celular. O Japão acontece dentro de prédios, no meio de shoppings e nas estações de trem.  A bolinha azul do Google fica louquinha. Faz você subir escadas e entrar em locais em que não gostaria de ter entrado. Seja o Waze de si mesmo.

5 – Esqueça o shoyu. A única coisa que todo sushiman japonês domina em inglês é a frase “No soy sauce”. Os vidrinhos até estão nos balcões, mas, por serem tão discriminados por qualquer chef, é provável que estejam vencidos há milênios. O que nos leva ao próximo tópico.

6 – Esqueça a idade das coisas. Tudo no Japão tem mais de mil anos. Da cabeça do Buda ao pilar do templo mais próximo. Todos caíram com terremotos e foram reconstruídos há mais de 500 anos. Você é uma ameba na contagem de tempo japonesa.

7 – Esqueça o bom gosto. Alguém inventou que o Japão é a terra do cosplay. É mentira. Eles se vestem assim mesmo. Gente de quimono e tamanco é mais comum do que feirante em São Paulo com camiseta de candidato. Os uniformes de escola parecem saídos do filme “O Chamado”. Os paletós são justos e as calças acabam nas canelas. Algumas saias são tão ínfimas que constrangeriam a Geisy Arruda. E mesmo assim os japoneses conseguem ser lindos e elegantes. Faz parte do mistério desse povo.

8 – Esqueça o pudor.  Os japoneses não têm problemas com emanações corpóreas, e o ato de ir ao banheiro é dicotômico. Ou você opta pelo japanese style, com o buraco cavado no chão que faz você exercitar seus músculos de agachamento, ou opta pelos banheiros normais, onde todas as tampas de privada são tecnológicas. Elas tocam música quando você senta e quando termina rola um lava-jato de fazer inveja ao Alberto Youssef.

9 – Esqueça o café da manhã. O desjejum japonês é de contorcer as entranhas. Uma banda de peixe grelhado, omelete doce de ovos, arroz, missoshiro forram o estômago privilegiado do japonês antes dele pensar em almoço. Café da manhã oriental ou western: aí é com você. Eu acho que para encarar essa tem que ter procedência oriental garantida.

10 – Esqueça a rinite. Se você não é capaz de conviver com o incenso, não vá ao Japão. Japonês não corre o risco do santo cobrar pela vela acesa. Eles acendem oincenso que é uma espécie de chama que nunca apaga. Quanto mais o vento sopra, mais ele queima e mais fumaça invade nossas narinas.

11 – Esqueça a música japonesa. No Japão você escuta bossa nova ou jazz. O resto é playback de karaoke. Em menos de 20 dias, ouvi “O Barquinho” mais vezes que o Menescal e o Bôscoli ouviram em suas vidas somadas.

12 – Esqueça o celular. A menos que você queira ser acordado por uma operadora brasileira de telemarketing que não sabe que você está num fuso horário 12 horas diferente do dela.

13 – Esqueça o cigarro. Você não vai ter onde fumar. Se o vício realmente falar mais alto, entre no restaurante mais próximo, peça uma mesa e fume por lá mesmo, que é o único lugar onde ninguém vai te recriminar. Azar de quem fuma e de quem não fuma.

14 – Esqueça os talheres. Não é mito. O garfo e a faca ainda não foram lançados com sucesso no Japão.

15 – Esqueça o Brasil. Não tem um porquê. Mas já que você vai estar numa terra onde tudo funciona, por que perder tempo com algo que não tem mais jeito?

 

Serginho Franco

Diretor de Criação da WMcCann

(fotos tiradas por ele mesmo durante viagem ao Japão)