Foto: Alê Oliveira

Dois advogados e um publicitário estão unidos em torno de um negócio cujo propósito é levar às agências de todas as disciplinas da comunicação do marketing e anunciantes que podem  e devem monetizar o valor das suas marcas. As empresas pela possibilidade de agregarem à sua precificação os investimentos em branding e imagem corporativa. E às agências pelo trabalho de construção de marca que realizam para seus clientes, muitas vezes diluído pelas comissões de mídia. O publicitário é o executivo Enio Vergeiro, presidente da APP (Associação dos Profissionais de Propaganda), e os juristas são: o especialista em direito autoral e imagem, Sérgio D’Antino, e o PHD em marketing digital Charles Machado. A joint venture pretende arregimentar CEOs das agências e executivos de marketing para orientar na implantação dessa nova cultura. O compliance (boas práticas comerciais) é outro produto que está no elenco dos sócios. Segundo Vergeiro, todas as áreas do mercado de comunicação vão precisar de consultoria jurídica, técnica e de mercado para refletir e se adequar à transparência que o compliance exige. O Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) lançou um livro para balizar a compreensão desse cenário que ganhou força após a aprovação da Lei 12.846/2013, que combate a corrupção, em vigor desde o primeiro trimestre de 2015. A publicidade precisa dar atenção ao preto no branco. Alguns dos principais imbróglios do país colocam a atividade no epicentro de denúncias como o mensalão e mais recentemente a Caixa Econômica Federal.

Qual é o elo de união, dessa operação, entre o escritório D’Antino Advogados Associados e a Lume de Enio Vergeiro?

D’Antino: “Além da amizade, credibilidade e confiança mútua, há uma oportunidade essencial e um mix de expertises que podem contribuir para o cenário. Trabalho com imagem e direito autoral, o Charles é um estudioso da era digital e o Ênio conhece todas as sutilezas do mercado de mídia. Esse escritório tem especialização em direitos e imagem de artistas, mas quer diversificar seu portfólio com a oferta de matrizes que o mercado publicitário brasileiro desconhece e que já são corriqueiras em outros países. Ninguém sabe exatamente quanto vale uma marca e que ela tem um peso no balanço das empresas. É o chamado valor intangível. Quanto vale a marca Bombril? Quanto vale a WMcCann, resultado da junção da W/Brasil do Washington Olivetto com a McCann? Nossa missão é qualificar o intangível. Simples assim”.

Machado: “A mensuração valorativa do uso de imagem de pessoas e ativos intangíveis fazem parte da história do D’Antino. Quanto vale a cessão dos direitos de uma obra intelectual, outro ativo intangível? O consumidor não toca em uma marca. Ela é um signo reproduzido no meio físico. Quando se extrai sua significação, é possível identificar o que ela atinge. Há uma inversão entre o que é e não tangível. Com o passar dos anos, as empresas passaram a ter mais valor pelos elementos intangíveis atrelados ao branding do que antes”.

O Brasil sabe lidar com esse cenário?

Machado: “Sim, mas de forma prematura. Ainda não fazemos nos processos de fusão a mensuração de gestão de marca. A quantificação do alongamento da marca é outro dado que o Brasil ignora. Há várias maneiras de se atribuir valor a um negócio. A primeira, caso a empresa seja de capital aberto, passa pelo quantitativo das ações considerando o valor de mercado, mas que pode agregar um bônus. É o que a AB Inbev formalizou na sua proposta à SAB Miller: pagar um valor maior relacionado à marca. A Totvs fez o mesmo quando pagou pela Bmatech mais de 30% do valor ‘pursátil’ da empresa, ou seja, o acionista recebeu um prêmio pelo desenvolvimento da marca e da reputação dos serviços”.

Poderia citar exemplos internacionais?

Machado: “Entre as dez maiores empresas globais, a metade delas trata de ativos intangíveis. Falo da Apple, Microsoft, Google, Facebook e Intel. Ninguém vai encontrar uma foto de uma fábrica da Nike porque ela é uma gestora de ativos intangíveis formados por carteira, pesquisa, desenvolvimento e branding. Isso significa que o que a Nike faz para construir sua marca é um ativo que tem muito valor. Aliás, a marca é apenas um dos artigos intangíveis. O licenciamento de marca trata de um ativo intangível liberado para a exploração de terceiros. A Philips, por exemplo, pode ceder sua marca para um fabricante de ventiladores. A utilização e a memória afetiva dessa marca permitem que o fabricante proponha um preço maior pelo produto que vem com a chancela de algo conhecido e testado. Não existe franquia do fracasso, por isso quem licencia uma marca paga os royalties com todos os valores agregados. Ninguém conhece a Ford pela qualidade do metal utilizado nas suas linhas de produção, mas pelo conteúdo estético. A Toyota construiu a reputação do just in time que é um valor intangível que não pode ser fotografado”.

Como as agências podem se capacitar para esse tipo de oferta que é estudada há mais de 50 anos por D’Antino?

Vergeiro: “As agências desenvolvem uma campanha com todo o ferramental disponível de frequência e cobertura, resultado de um investimento interno, financeiro e de pessoas capacitadas. Ao final de um período de quatro anos de trabalho, especialmente nas questões institucionais e de marca, o branding mudou e, consequentemente, o valor é diferente do início da operação. A agência tem que saber demonstrar como contribuiu para o desenvolvimento de uma marca. Outro ponto é porque entende que esse serviço deve ser indicado, afinal é um valor que não está sendo colocado por não ser um investimento que não está contemplado na escala de valor”.

As agências não são remuneradas por esse serviço?

Vergeiro: “Não recebem, não são reconhecidas na maioria das vezes e, também, não sabem cobrar. Queremos interferir nessa conversa”.

Machado: “O trabalho das agências no curto prazo só é reconhecido através de marketing promocional que pode ser aferido pelas métricas de mercado. Mas em flights menores não se sabe dar valor à contribuição ao valor da marca. A Disney foi construída na Europa através da penhora da sua marca porque os bancos entenderam e financiaram o projeto. Quanto vale a marca Mappin? Ou a Mesbla? Nada, porque as empresas não se preocuparam, lá atrás, em proteger esse ativo. A Vaspex não foi comercializada, mas quanto ela vale? O valor não existe apenas no sucesso, mas também em tempos de crise. As marcas precisam de uma proteção nos balanços para que interessados possam fazer suas ofertas com alguma base. A Atari não existe mais, mas é uma marca com um conhecimento enorme e isso tem valor. A Sulfabril entrou em processo falimentar em 1999 e foi vendida recentemente por R$ 23 milhões e sua rival, a Hering, chegou a valer R$ 8 bilhões”.

Vergeiro: “A maior frota de táxis do mundo, o Uber, que já entrou na cadeia de valor dos US$ 50 bilhões, não tem um único carro. O Google, o maior veículo de exibição publicitária do mundo, não é dono de nenhum jornal. O AirBnb não tem um quarto, mas é a maior rede hoteleira do mundo e vale uma fortuna. Antes, quando alguém montava um negócio, queria exibi-lo com fotos das suas instalações e seus executivos. Hoje isso não existe mais”.

Por quê?

Machado: “É o fenômeno omni channel que materializa o comércio da nova geração. Mas a marca precisa ter tratamento adequado e as agências sabem disso. O ganho de sinergia é um parâmetro para estabelecer valor”.

A remuneração das agências baseada no modelo brasileiro de publicidade não abre esse leque de variáveis?

Machado: “O marketing digital trouxe novos caminhos de mensuração para quem cuida da parte criativa ter seu reconhecimento na escala financeira, um deles é o faturamento por rodagem que é equivalente a tiragem dos jornais e revistas, mas que não era uma certeza de leitura, porque não se contabilizava os encalhes e a quantidade de pessoas que efetivamente foram impactadas. No digital sabemos quando o IP entrou na página. O click é outra possibilidade de visualização e de remuneração. O digital avança, porque se mensura cada impacto que aquela peça publicitária provocou. A terceira forma é a remuneração por produto vendido que varia de 3% a 7%”.

O sucess fee?

Machado: “Sim. O sucesso de um empreendimento muitas vezes vem da comunicação. Algumas agências já são remuneradas por esse modelo”.

Vergeiro: “Quem começou a fazer isso no Brasil, com base no modelo americano, foi a Dell que demorou muito tempo para ser compreendida. Esse anunciante se comprometia a veicular um anúncio em uma revista, mas queria remunerar pelo resultado de vendas. É um outro critério que bate de frente com a forma do mercado, mas que exige confiança do veículo no seu taco e sua eficácia para o business do cliente. A Dell não ouvia o argumento de que outros anunciantes compravam espaços da forma clássica. Ela queria saber que a peça através de entradas no website ou pelo e-mail. Não podemos dizer que o modelo brasileiro é ruim, mas a era digital está trazendo uma nova compreensão de comercialização. Prefiro entender que são complementares e o Cenp está atento”.

Qual é o produto que está à venda nessa parceria e quem é o cliente alvo?

Vergeiro: “Esse é um serviço que é orçado e depende do tamanho da demanda. Não é um produto ‘prêt-à-porter’ que está em uma prateleira. Vendemos a valoração de ativos intangíveis para as agências e seus clientes. Vivemos um momento de crise, mas temos as franquias, fusões e aquisições, normas internacionais, IPOs. Falta mensurar esses valores que, na verdade, não são fáceis pois são intangíveis, mas que nos propomos, através de métricas e conhecimento, a formalizá-los em forma de ativos”.

 Machado: “O legal é que gera receitas novas tanto para a agência como para seu cliente. A agência vai poder comercializar o nosso produto e ser parceira de negócios. O que queremos ofertar é a possibilidade de agregar uma nova receita. A HRT, uma empresa da área de petróleo, quando fez seu IPO, teve valor acima do intangível porque não tem foto do petróleo, apenas os documentos dos leilões e das reservas. O Brasil não tem registro de patentes, que considero falha jurídica, de muitas coisas como o direito olfativo. Tente imaginar a França, o maior produtor de perfumes do mundo, sem a proteção que é personificar e identificar cada produto pelos aspectos olfativos? A valoração de uma marca, como O Boticário, por exemplo, vem da atribuição de um ativo que pode ser uma patente”.

O formato é um ativo intangível?

Machado: “Ninguém sabe qual vai ser a próxima bunda do Big Brother, mas sabemos qual é o formato que a holandesa Endemol criou e essa ideia é registrada”.

D’Antino: “A propriedade intelectual tem uma série de sutilezas, a maior parte delas ignoradas no Brasil e em muitos países. A Nasa fechou em um cubículo no deserto homens e mulheres para simular a vida em outro planeta e como seria o relacionamento delas, tudo registrado por câmeras. A Endemol viu isso e logo imaginou o reality show. E registrou a ideia. Para a Globo usar o formato, tem que pagar os direitos. Se a Nasa soubesse disso, os roylties seriam dela”.

Vergeiro: “Na realidade, o Big Brother foi precursor dos reality shows”.

D’Antino: “O SBT criou nessa época a ‘Casa dos Artistas’, seguindo o moldo do Big Brother. O resultado foi que o Silvio Santos teve que tirar o programa do ar por plágio. Uma ideia precisa ser registrada e produzida. Outro ponto para se dar atenção é que o registro global protege mais. Um registro meramente local pode causar problemas caso alguém em outro país resolva usar o formato”.

Uma agência de publicidade poderia fazer um IPO com base no trabalho de construção das marcas que ajudou a construir e da sua reputação como prestadora desse tipo de serviço?

D’Antino: “Sim, mas não temos no mercado brasileiro uma única agência com ação cotada em bolsa. Na área de entretenimento a Time For Fun, do Fernando Altério, é a única de capital aberto. O ativo intangível da T4F está no seu balanço anual e isso tem valor e é monetizado. Com a nossa crise atual é suicídio fazer um IPO”.

A T4F diminuiu receitas na crise de 2008 e com a perda do Cirque du Soleil?

D’Antino: “Foi uma perda considerável, afinal era um faturamento anual certo. Aliás, o Cirque du Soleil é um bom exemplo do trabalho de construção de marca. Nasceu no Canadá, tem operações nos Estados Unidos e em diversos países. Com vários elencos que dão suporte ao projeto. Só em Las Vegas o grupo tem cinco espetáculos simultâneos. Um circo sem leão e sem palhaço com ativo intangível bem administrado porque a marca é mais importante do que os artistas. A marca é referência à qualidade do elenco e porque o idealizador investiu no risco”.

Qual é sua experiência com o intangível, afinal o Senhor construiu sua carreira representando artistas?

D’Antino: “Fomos aprendendo ao longo do tempo porque esse é um negócio empírico. Hoje represento o Fábio Porchat do Porta dos Fundos que é um dos maiores cachês do país sem estar na Globo. O valor é definido pelo volume de mídias, tempo de duração da campanha etc. Mas, depende do interesse. Quanto a Ivete Sangallo cobra? Quanto ela vale? Nem ela e nem o seu empresário sabem. É algo empírico. Depende do que estiver em jogo, mas como sua imagem é usada por diversos anunciantes o valor pode ser mais negociado. Sempre digo que é a lei da oferta e da procura”.

E quando o artista muda de emissora ou de gravadora?

D’Antino: “Novamente, o que funciona é a lei da oferta e da procura. Por exemplo, quando o Silvio Santos soube que o Gugu tinha oferta para ganhar R$ 3 milhões na concorrente, me consultou. Ele me disse que não poderia fazer uma contraproposta porque não tinha uma retirada nesse valor. Ele também ponderou o problema que iria ter com sua diretoria e elenco caso aceitasse. Não pensou duas vezes e o liberou. Nesse meio tempo a Eliana estava renegociando seu contrato com a Record e a emissora cometeu o erro de dizer que não saberia se renovaria o compromisso. Ela era minha cliente e eu a orientei a aguardar uma proposta do Silvio, o que de fato aconteceu. O Silvio não pagou R$ 3 milhões, mas tinha um lugar para repor e por isso aceitou as condições da Eliana. É a lei da oferta e da procura”.

E os direitos de imagens que são postados nas redes sociais?

D’Antino: “Os direitos conexos protegem o uso de imagem. O Canal Viva reexibe novelas e programas, mas tem que pagar os direitos de cada nome que estiver na tela. Os músicos e vocalistas que gravaram com o Roberto Carlos recebem o conexo sistematicamente. Como as redes sociais vendem espaços publicitários novos, quando exibe uma imagem o direito tem que ser pago”.

E o compliance?

Vergeiro: “O Cenp já editou um livro que esmiúça o assunto e os pontos mais relevantes para os agentes do mercado, sobretudo os relacionados à autorregulação da publicidade. Essa parceria tripartite quer que agências, veículos de comunicação e os anunciantes realizem negócios em ambiente seguro, transparente e, portanto, em compliance com as leis brasileiras e com as normas-padrão da propaganda. Mas, queremos enfatizar que empresas que atuam em compliance têm suas marcas valorizadas e, em alguns casos, ter essa postura é o passo anterior ao estudo de valoração de marca. Não pode ser depois. Muitas empresas têm problemas, como o já citado caso do Mappin. Caso tivesse sua marca quantificada no balanço e agido em compliance, poderia ter esse ativo protegido. Nós podemos auxiliar nessa compreensão. O compliance é uma espécie de ISO para as marcas, produtos e serviços”.