Ela entrou no universo da publicidade ainda jovem e totalmente por acaso. Mas se deu bem. Miriam Shirley, com mais de 20 anos de experiência no mercado nacional e internacional, assumiu recentemente a copresidência da Publicis Brasil. A seguir, ela fala sobre os primeiros meses nessa grande liderança, os planos para 2018 e um pouco de si.

 

Miriam Shirley estava prestes a gozar momentos de férias quando atendeu à reportagem da Propaganda. A copresidente da Publicis Brasil, na verdade, ficaria fora da agência por apenas cinco dias úteis, mas, antes de embarcar para os Estados Unidos na companhia de dois sobrinhos adultos, ela se mostrava ansiosa para deixar “tudo” ajeitado durante sua ausência. “Sou assim, fico na pressão para não escapar nada.” Sua fama é essa mesmo: profissional boa de briga, no melhor sentido das palavras.

 

Desde o fim de outubro último, Miriam divide a presidência da Publicis com Eduardo Lorenzi – ambos eram vice-presidentes em suas especialidades, ela na área de mídia e ele, na de planejamento. A dupla substitui Hugo Rodrigues, que esteve por 18 anos na empresa, sendo os últimos três como CEO, e assumiu o comando da WMcCann na mesma ocasião. “Tínhamos esse plano desde que cheguei aqui, há três anos. Mas antecipamos em um ano a decisão, o que foi legal porque, muitas vezes, em uma contratação, prometem um monte de coisas e depois nada é realizado. No meu caso, tudo ocorreu antes.”

 

A parceria com Lorenzi, segundo Miriam, é “normal”. Ambos têm mais de 400 funcionários para liderar, mas, segundo ela, a dinâmica de trabalho flui naturalmente. “Quando Hugo saiu, já havia uma tranquilidade com os clientes, a equipe e o grupo lá fora. Claro que ainda não estávamos na linha de frente, mas já tomando decisões importantes. A gente fala que o líder sempre dá o caminho de uma agência, e está certo.”

 

As diferenças entre ela e Lorenzi só reforçariam a complementaridade entre os dois. Sem economizar elogios ao companheiro de trabalho, Miriam explica: “Edu é brilhante, muito inteligente, um lorde, tem muita paciência. Eu sou aquela pessoa ligada no 220. A gente se complementa até nisso. Sobre os direcionamentos, o que queremos para a agência, estamos bem alinhados e as direções são muito claras para todos os funcionários. Temos uma troca grande. Mas, se não tivermos tempo suficiente para discutir algo, é o que eu decidir e vice-versa. Existe uma sintonia grande entre nós.”

 

Outra vantagem, diz ela, é que em uma parceria como essa é possível dar atenção a núcleos, projetos e clientes mais proximamente. “É uma situação prudente. O melhor é que somos uma liderança exercida por uma mulher e um homem. Entre os nossos funcionários, temos mais de 50% de mulheres e, entre as lideranças, as mulheres somam 60%.” A Publicis Brasil concentra mais de 400 funcionários, todos em regime de CLT.  “Somos signatários da ONU Mulheres para o empoderamento feminino e temos vários projetos para identificar os entraves dentro da indústria para a ascensão da mulher em qualquer área.”

 

Paulistana, Miriam, ainda jovem, viveu uma temporada na casa do pai, em Minas Gerais, onde cursou letras. No entanto, não concluiu a faculdade porque decidiu voltar para São Paulo. Tinha 20 e poucos anos e não sabia exatamente o que queria fazer. Mas sustentava o plano de retornar aos estudos, além de uma vontade imensa de começar a trabalhar e, consequentemente, se sustentar. “Nunca pensei em ser publicitária. Meu sonho era ser médica, depois aeromoça para viajar pelo mundo, depois atriz. Quando voltei para São Paulo, precisava tomar um rumo na vida e uma amiga me levou para uma agência. Como sempre fui muito curiosa, fui aprendendo essa profissão na prática”, conta.

 

Assim, meio por acaso, se passaram mais de 20 anos de experiência nacional e internacional. Uma trajetória incrível e rara no mundo de hoje, que exige cada vez mais títulos acadêmicos para se chegar ao topo. Em São Paulo, ela conta ter entrado em uma faculdade de comunicação, também não concluída, porque o ritmo de trabalho já era intenso. Muito antes de aportar seus conhecimentos na Publicis Brasil, Miriam passou pela Leo Burnett Brasil, onde logo foi transferida pela agência para Chicago, nos Estados Unidos. Depois permaneceu seis anos na Starcom Worldwide, em que ocupou a diretoria-geral e a vice-presidência sênior na Cidade do México. De volta ao território brasileiro, esteve oito anos na diretoria-geral de mídia da Ogilvy.

 

Impossível terminar um curso universitário com tanta mudança de endereço, mas com sucesso. Pode-se afirmar que Miriam é autodidata? “Não gosto de chamar assim, prefiro dizer que sou apaixonada pelo que faço. Vivo estudando, seja em grupos do WhatsApp, do Google, do Facebook. Sempre quero aprender, não paro. Por isso gosto de me definir como uma apaixonada por este trabalho.” Movida por esse combustível, Miriam caminhou tanto. A graduação, feita a distância na Fundação Getúlio Vargas, foi concluída há três ou quatro anos. O tempo, nesse caso, é irrelevante.

 

“Minha carreira toda foi assim. Minhas chefes sempre saíam, ou para ganhar nenê ou por qualquer outro motivo, e eu precisava me virar para fazer o trabalho delas. Acho que é por isso que fui me desenvolvendo dessa maneira. Além de apaixonada pelo trabalho, sou apaixonada pelas pessoas. Tudo na minha vida ocorreu em torno de acreditar nas pessoas e em mim, na minha capacidade de progredir.”

 

Mas como é essa mulher que se tornou forte executiva de uma agência sólida? “Sou uma pessoa aberta e transparente e, posso dizer, muito humilde. Sou uma líder como se fosse líder de apenas um projeto. Acredito que é preciso ter disponibilidade no coração, paixão mesmo, para as coisas ocorrerem de maneira mais fácil, porque, com esse sentimento, é possível entender o outro, enxergar a melhor solução para um caso, seja pessoal ou profissional. Essa sensibilidade, essa é a palavra, vem da mulher, desse olhar feminino de observar, que me faz estar tranquila e feliz nesta minha nova posição.”

 Transição

Nesses quase seis meses na coliderança da Publicis, Miriam conta que a casa ainda passa por um processo de transição porque outros integrantes do time também estão ocupando novas posições. “A hora é de passar o bastão e duas consultorias foram contratadas para nos ajudar a ter um desenvolvimento sustentável. Uma revê processos, alguns ajustes até em termos tecnológicos para sermos mais produtivos. A outra é coach. Estamos investindo nos diretores, nos líderes, nos gerentes. É um trabalho bem focado em desenvolvimento profissional para que as lideranças possam se apoderar de suas posições, o que traz produtividade”, ela acredita.

 

Com sede em Paris, o Publicis Groupe é um conglomerado de publicidade mundial. No Brasil, a empresa foi fundada há pouco mais de 20 anos, em 1996, e se tornou uma referência de excelência – de acordo com Kantar Ibope Media, a Publicis Brasil ocupa a terceira posição no ranking das 50 maiores agências nacionais, considerando-se os valores em investimento publicitário dos anunciantes atendidos pelas empresas, atrás apenas da Y&R e My Agencia. “Quando entrei aqui, estávamos em décimo primeiro lugar no ranking. Mais importante que isso é termos uma tendência sempre de crescimento, não necessariamente que quem está acima da gente tenha essa mesma tendência.”

Miriam garante que, nesse ainda curto período, mas promissor em termos de longevidade, à frente da Publicis, tem muita coisa boa que foi e continua sendo feito com margem ampla para crescimento. “O ponto alto deste momento é que trabalhamos de forma bem integrada, o que facilita muito quando se tem novos clientes ou um novo projeto. Vamos anunciar uma nova conta no fim de fevereiro e estamos muito animados.” A agência atualmente conta com 18 potentes clientes, entre eles Bradesco, Chevrolet, Heineken, C&C e Casa do Zezinho (esta pro bono).

 

Para ela, os clientes “são tudo”, ressaltando a qualidade dos funcionários que mantêm a máquina em funcionamento. “No nosso meio, as pessoas são o maior ativo. Por isso é preciso identificar cada uma delas, quais seus melhores momentos, os melhores lugares para cada um. É esse balanço que estamos buscando. Como temos excelência de resultado para os nossos clientes, precisamos trazer essa paixão para os colaboradores.” Para garantir a eficiência, Miriam não aposta todas as fichas na mídia digital e afirma seguir o raciocínio que faz para ela mesma como consumidora. “Penso quais são os pontos de contato relevantes para mim. By the way, é o digital. By the way, é uma novela; by the way, é uma rádio. Uma mídia não exclui a outra. É preciso colocar o cliente no centro. Sinceramente, não tenho essa crença de que é só o digital ou só o offline. É o consumidor e precisamos pensar em como dar uma experiência significativa a esse consumidor que está em meio a um milhão de marcas”, ensina. Além disso, o consumidor, ela diz, está muito mais racional e crítico.

 

Sobre a crise pela qual o Brasil passa e as incertezas que 2018 trazem para os mercados, a executiva afirma que o momento pede precaução. “Este ano é eleitoral, não sabemos o que vai ocorrer. Antes, vai ser realizada a Copa do Mundo, na Rússia… Temos de andar com cautela. A gente aprende a lidar com a crise e isso pode ser até legal porque, em uma situação assim, não adianta só cortar custos, e sim reinventar o tempo todo para ser mais produtivo, criando maneiras que, depois, podem virar ferramentas. No contexto da Publicis, fizemos algumas alterações em 2017 prevendo as incertezas deste ano, em termos de investimento, eficiência de pessoas, de projetos. Mas estamos otimistas e alegres.”

 

Sobre os projetos para este ano, Miriam reforça a importância das consultorias que ajudam os novos presidentes a olhar para dentro da empresa. “Crescemos muito e precisamos manter esse crescimento de forma sustentável.” Sobre o lado externo, ela avisa que a ideia é manter a qualidade, sempre muito atenta e antenada em como ajudar seus clientes a conseguir resultados.