Tempos difíceis não permitem erros, o que aumenta a relevância da pesquisa. Na visão de Flavio Ferrari, que tem larga experiência na área, o setor passa por grandes transformações, e as decisões de marketing nunca dependeram tanto do entendimento dos desejos e necessidades do consumidor e de monitoramento no “contexto fluido” atual. No entanto, nunca se produziu tanta informação, e se utilizou tão pouco. Engenheiro interessado sempre por psicologia – leia-se pessoas -, Ferrari conta, entre outras coisas, neste interessante bate-papo sobre a sua trajetória profissional, que a dicotomia tecnologia-pessoas o acompanhou por toda a vida, levando-o a novas práticas e caminhos, através de experiências únicas de autoconhecimento e expansão da consciência.

 

Você comandou os três maiores institutos de pesquisa no Brasil. Esta é uma área que parece ter “acordado” mais lentamente para as mudanças e possibilidades da tecnologia e demandas dos anunciantes do que outras. Você concorda com isso?

A evolução foi bastante diferente em cada área de pesquisa. A pesquisa de mídia, globalmente, foi pioneira na adoção de tecnologias para seus sistemas de medição de audiência, monitoramento de campanhas e avaliação de impacto, e no Brasil não foi diferente. Quando comecei a trabalhar como responsável pela pesquisa de mídia de uma grande agência (a Proeme, do Ênio Mainardi), no início da década de 1980, a audiência de televisão já estava sendo medida de forma eletrônica em São Paulo e no Rio de Janeiro e, ainda no fim daquela década, os ‘set meters’ foram habilitados para transmissão de dados via radiofrequência (wireless) para as estações de coleta. O Brasil foi o primeiro país do mundo a publicar audiência de televisão em tempo real, em 1988, com tecnologia 100% local. Nesta mesma década, já se faziam estudos de eye tracking para avaliar a atenção do consumidor à propaganda, e computadores eram utilizados para simular o alcance de planos de mídia (ainda em mainframes). A escuta de redes sociais (social listening) começou a ser feita, inicialmente através de ‘bots’ (ou ´spiders´, como chamávamos à época), ainda nos primórdios do Orkut, há quase 15 anos. Eu já estava no Ibope naquele momento, e pude participar e acompanhar o desenvolvimento dessas e de outras soluções como o reconhecimento automático de comerciais exibidos, digitalização de imagens e textos de anúncios, inteligência artificial aplicada à interpretação de áudio ou o início da medição da navegação na internet, em setembro de 2000. A aplicação em larga escala dessas tecnologias, entretanto, sempre obedeceu à lógica de negócios.  O custo de medir deve manter uma proporção razoável com o valor do que está sendo medido. A tecnologia para medição diferida da audiência (time-shifiting), dos programas de televisão gravados e assistidos num horário diferente da transmissão, foi desenvolvida nos anos 1990, mas só foi adotada nos EUA em 2005, no Brasil em 2014 e na Argentina em 2019, em todos os casos, quando o volume de consumo diferido atingiu um patamar que passou a justificar, financeiramente, a medição. Em resumo, a pesquisa de mídia sempre se manteve um passo à frente da adoção massiva de novas tecnologias pela população. As demais áreas de pesquisa de mercado, tradicionalmente mais pautadas pela acuracidade metodológica do que pelos desafios tecnológicos, resistiram à incorporação de novas tecnologias e à exploração das oportunidades oferecidas. Foram muitas as razões para isso e não cabe abordá-las aqui, mas arrisco dizer que as pequenas margens do negócio não facilitavam o investimento necessário. Não tardou para que tivessem de enfrentar a concorrência com startups tecnológicas suportadas por fundos de investimento. O setor ainda enfrenta um momento de acomodação.

 

Qual a sua visão, hoje, deste segmento – dos institutos de pesquisa de maneira geral – no Brasil?

Como estamos em um momento de transição, é difícil fazer uma avaliação generalizada. No que se refere à competência técnica, acredito que tenhamos profissionais extremamente qualificados, com um nível de experiência bem acima da média global. As dimensões continentais e a diversidade econômica e cultural do Brasil constituem um desafio respeitável para qualquer pesquisador. Do ponto de vista empresarial, temos grandes institutos locais e os maiores institutos internacionais operando no país, além de inúmeras empresas de médio e pequeno porte e startups muito competentes. Trabalhei nos três maiores institutos (Kantar/Ibope, Ipsos e Gfk) e venho desenvolvendo projetos com as startups Stilingue e MindMiners, e posso assegurar a qualidade e a seriedade do trabalho dessas organizações. Como sou administrador de um grupo voltado para a contratação de profissionais de pesquisa no Facebook com mais de sete mil participantes (uma amostra representativa), identifiquei uma questão importante que não costuma fazer parte da pauta das discussões, que anda focalizada em tecnologia: o fator humano. A remuneração do profissional de campo de pesquisa, o pesquisador, que segue sendo muito importante para a atividade, vem sendo achatada nos últimos anos e criando um círculo vicioso. Bons profissionais, mais experientes, deixam a área e os novos entrantes nem sempre têm a mesma qualificação, treinamento e remuneração apropriada. Por mais que os institutos mantenham sistemas rígidos de controle, isso pode comprometer a qualidade. Digo que é um círculo vicioso porque os contratantes da pesquisa, principalmente as grandes empresas com suas mesas de compra, vêm priorizando o preço em detrimento da qualidade (que esperam que seja garantida pelo instituto). Esse, a meu ver, é um dos problemas mais graves da atividade de pesquisa.

 

Se a pesquisa de audiência tradicional perde relevância, ou pelo menos da forma que costumava ser vista e abordada, por outro lado os dados nunca foram tão importantes. Que “mosca” este mercado dos grandes institutos ainda pode estar comendo e onde estão as verdadeiras oportunidades no segmento de pesquisa hoje?

A mídia é um setor que passa por profundas transformações. Os institutos medem para o negócio, e é difícil antecipar as necessidades de um negócio em transição. Mais difícil ainda porque os grandes institutos, como qualquer outra empresa moderna, precisam entregar resultados de curto prazo para os acionistas, o que restringe o investimento em inovação e desloca o foco dos executivos para a prestação de contas. Em 2007, apresentei um paper no congresso WWRS indicando a protocooperação entre os institutos como forma de sobrevivência. A ideia era a de que a transformação do ecossistema de mídia seria tão rápida que o melhor caminho para que os institutos atendessem às novas necessidades seria trabalharem em conjunto, por meio da sinergia de suas competências. De lá para cá, participei da criação de alguns projetos como o da Métrica Única para mídia impressa, que reuniu Ipsos, IVC e ComScore; o Mapa OOH, com a participação da Route, MGE, Logit, Telefônica e Ipsos; e a medição Crossmedia, com a Nielsen e a Gfk. Continuo apostando nesse modelo, e criei o Hub SocialData para isso. Em 2018, realizamos nosso primeiro projeto no Hub, acompanhando as eleições brasileiras, unindo as competências da Stilingue e da Altamedia, e desenvolvemos o primeiro case mundial (até onde eu saiba) de criação de um indicador, baseado exclusivamente em social listening, capaz de prever o resultado da eleição. A verdadeira oportunidade está na criatividade para se trabalhar com a combinação dos dados que já estão disponíveis, mesmo que esses dados sejam de um concorrente ou de empresas que não têm a pesquisa como core business. O big data está disponível, mas precisa de especialistas para ser explorado, e essa é uma competência residente nos institutos.

 

E em que áreas os grandes institutos hoje são imbatíveis?

Os grandes institutos têm dois grandes diferencias: expertise e escala. No caso dos internacionais, soma-se um terceiro fator que, frequentemente, supera em importância os dois anteriores, que são os contratos globais.

 

Qual a sua visão da importância da pesquisa, hoje, para as estratégias de marketing? Onde há as maiores demandas, e onde há os maiores gaps?

O fundamento da pesquisa é o suporte à tomada de decisão. Em tese, tempos difíceis não permitem erros, o que aumenta a relevância da pesquisa. Decisões de marketing demandam entendimento dos desejos e necessidades do consumidor e dos caminhos para engajá-lo. No momento polarizado e dinâmico que vivemos,  mudanças de opinião e atitude são constantes. É um contexto fluido, que requer monitoramento constante pelos profissionais de marketing. Essa me parece ser a maior demanda. E o maior gap está na oportunidade de uso das informações disponíveis. Nunca se produziu tanta informação e se utilizou tão pouco.

 

Como você ingressou na área de pesquisa, o que te atraiu e como foi o início da sua carreira?

Sou formado em engenharia. Trabalhava como perito avaliador para companhias de seguro quando a mídia técnica (GRP, Alcance, Frequência, Otimizadores) chegou ao Brasil. Sônia Leme, diretora de mídia da Proeme à época, me contratou para dar aulas de estatística e ajudar na interpretação das novas métricas, por recomendação de meu pai, que era diretor financeiro da agência. O mundo da publicidade me pareceu mais divertido do que o da regulação de sinistros, e acabei aceitando a proposta para ser o supervisor da área de pesquisa da agência. Depois, decidi fazer uma especialização em marketing na FGV para entender melhor esse mundo da comunicação.

 

Você também atuou em duas startups digitais. Como foi se envolvendo neste universo da transformação digital e o que lhe interessou mais?

Quando estava escolhendo o que iria estudar, ainda no colégio, estava em dúvida entre psicologia e engenharia. Sou essencialmente curioso, e entender como as coisas e as pessoas funcionam sempre foi uma grande motivação. Acabei escolhendo engenharia, mas faltava em algumas aulas para acompanhar algumas matérias na psicologia, e me casei com uma psicóloga, com quem pude ler as obras de Freud, Jung, Reich e outros autores. Fiz 10 anos de psicanálise. Essa dicotomia tecnologia-pessoas vem me acompanhando por toda a vida. Fico particularmente entusiasmado quando essas duas coisas estão juntas. A primeira startup da qual participei como mentor, a QualCanal, a convite do Andre Terra e do Anderson Fér, se propunha a medir a repercussão dos programas de televisão nas redes sociais. Encantei-me pelo projeto e acabamos criando o primeiro indicador de viralidade para programas de televisão do mundo (até prova em contrário), o ‘Viral Index’. Isso ocorreu por volta do início de 2013 e a Leo Burnett foi a primeira agência a utilizar o indicador para planejar mídia, na campanha da Fiat (“Vem para a rua”). O indicador era baseado nos dados do Twitter, que fechou um acordo de exclusividade com o Ibope, e tivemos de encerrar a empresa. Nessa empreitada, aprendi bastante com meus sócios sobre o ecossistema das startups. Participo de grupos interessantes como o EraTransmídia, que congrega algumas das mais interessantes personalidades da economia criativa com viés tecnológico, e o Open Innovation BR, que reúne toda a tropa que orbita o universo da inovação no contexto das organizações. A motivação para escrever o livro “Atitude Digital – os caminhos da transformação” veio dessas vivências, e da percepção de que o excessivo foco em tecnologia está, de certa forma, atrapalhando o desenvolvimento da inovação nas organizações. Quando falamos de transformação digital, o foco deve estar mais na ‘transformação’ do que no ‘digital’.  Tecnologia é uma commodity à disposição de todos. O diferencial está na atitude dos profissionais, diante das oportunidades oferecidas por ela. O livro se propõe a indicar esse caminho, falando sobre a tecnologia e seu impacto social. Como já havia decidido trabalhar como consultor nessa área, o livro também é um instrumento de posicionamento profissional.

 

Qual o grande aprendizado a partir das entrevistas para o livro “Atitude Digital”?

Fazer entrevistas foi uma experiência interessante. E a diversidade das visões dos entrevistados ofereceu um panorama mais abrangente sobre os diferentes estágios da transformação em cada setor e o impacto sobre a sociedade. Também ajudou a identificar demandas importantes para as organizações, como a transformação cultural, a modernização dos sistemas de gestão e a necessidade de treinamentos específicos para incentivar o pensamento criativo.

 

Ouço falar que há muita espuma na discussão sobre transformação digital das empresas no Brasil e estas, na verdade, ainda estão muito distantes de uma verdadeira transformação. Qual é a sua visão, real, deste cenário?

Observo que a grande maioria das empresas está incorporando as novas tecnologias em seu dia a dia. O setor industrial está um passo à frente. Começou com a automação das linhas de produção no fim do século passado e hoje explora alternativas de automatização das decisões por meio da inteligência artificial. O setor de comunicação sequer teve alternativa. Grandes redes hospitalares e laboratoriais também já evoluíram muito nesse processo. O desafio atual das empresas em transformação é mais cultural do que tecnológico. A contratação de nativos digitais não trouxe o resultado esperado. A terceirização da inovação (por meio da participação em ecossistemas de inovação) parece ter ajudado a sensibilizar para a necessidade de mudança de cultura e, como consequência, de modelos de gestão.

 

Qual a sua visão das empresas neste sentido no Brasil? Quais são os maiores entraves para a transformação digital?

Quando se trata de tecnologia, não temos um Brasil único. Infraestrutura, educação, economia, política e cultura diferem muito de região para região. Basta se distanciar um pouco das grandes capitais para enfrentar dificuldades de conexão e acesso à internet de banda larga, por exemplo. E os custos de acesso são bastante superiores ao dos países que investem na transformação digital. O Brasil tem a maior carga tributária do mundo sobre os serviços de acesso à internet, de acordo com uma pesquisa elaborada pela UIT em dezembro de 2018 (duas vezes e meia a média mundial). Pelo último INAF, realizado em 2018, a taxa média de analfabetismo funcional no país é da ordem de 30% e menos de 20% da população tem ensino superior. Se isso já parece grave na média, vale comentar que em algumas cidades do interior do Nordeste o analfabetismo funcional supera a casa dos 90%. Esses são entraves significativos para a transformação digital das empresas no país.

 

Como você se tornou head no Brasil do Copenhagen Institute for Future Studies?

Já utilizava os estudos do CIFS para consultoria desde antes de sua chegada ao Brasil, quando participava da Sevendots (uma rede global de consultores de marketing), por volta de 2011. Quando descobri que o think tank dinamarquês havia decidido operar na América Latina e estava alocando o Peter Kronstrøm, head Latam, no Brasil em 2013, entrei imediatamente em contato e me tornei um associated partner ajudando a estabelecer a operação e desenvolver a marca de lá para cá. A afinidade com o propósito do CIFS e com o Peter foi imediata. 

 

Qual o seu papel nesse instituto? E qual o papel dele por aqui?

Em abril de 2019, assumi o papel de head da operação brasileira do CIFS, que significa representar o instituto e coordenar suas atividades no país, liderando o time local. O CIFS trabalha com a inovação sustentável. A aceleração e a complexidade, que regem à dinâmica do mundo atual despertam um sentimento de urgência para a mudança, particularmente no ambiente de negócios. Um mundo novo deve requerer novas ações. Mas não qualquer nova ação. O mundo continuará em transformação, e é importante que cada atividade inovadora nos deixe mais perto da que será requerida no momento seguinte, de forma a que possamos pavimentar o caminho do futuro. A metodologia de trabalho do CIFS foi concebida para atender a essa demanda. Por meio de processos de imersão dialética, referenciados por um conjunto de megatrends, desenhamos cenários possíveis para o futuro e avaliamos seu impacto em cada setor da sociedade e ambiente de negócios, identificando os fatores de incerteza mais importantes e elencando alternativas acionáveis para a inovação sequencial programada. É um trabalho de cocriação com intensa participação de nossos clientes, que nos ajudam a identificar as megatrends mais relevantes para o seu negócio, construir cenários futuros a partir da combinação das forças selecionadas, e imaginar soluções criativas para aproveitar as oportunidades que surgirão e a se preparar para as eventuais surpresas, dentro do intervalo de tempo determinado para o planejamento estratégico. O CIFS também oferece palestras de sensibilização, elaboradas com foco no setor de atividade do cliente, workshops de descoberta, onde os executivos exercitam o pensamento à frente do tempo presente trabalhando com as megatrends, e o acesso ao conteúdo produzido pelos analistas globais ou a assinatura da revista Scenario, onde a equipe do CIFS publica seus melhores insights com a profundidade adequada.

 

 

Fale dos seus outros projetos: o hub Social Data e a Arguta Business Platform. Qual o foco desses negócios, o que você vem realizando ligado a eles?

Uma das coisas que aprendi na vida profissional é que tudo funciona melhor quando você se dedica ao que faz bem e com prazer, principalmente quando estão alinhadas com o zeitgeist e são capazes de atender às demandas relevantes de um ecossistema de negócios. Cocriação de soluções, compartilhamento (e interpretação) de informações e atividades colaborativas se enquadram nesse contexto. SocialData e Arguta Business Plat são duas startups em seu early stage. O hub foi lançado em junho de 2018 e já conduziu três projetos que contribuíram para uma melhor compreensão do momento presente. No Projeto Eleições, aprendemos sobre a dinâmica da interação entre a mídia e as redes sociais, a importância das bolhas e das fake news e criamos a primeira métrica conhecida para estimativa do resultado de eleições baseada exclusivamente em social listening. Esse conhecimento está sendo transferido para o mundo das marcas, contribuindo para a melhor compreensão dos mecanismos de brand publishing. No projeto Mídia Percepções, chegamos a conclusões bem interessantes sobre a relação do consumidor com o novo contexto da mídia, o que ajuda os profissionais do ecossistema a dirigirem melhor seus esforços e investimentos e decidirem seus próximos passos a partir dessa compreensão. O projeto Arcanos se apropriou de conceitos arquetípicos do tarô para ajudar a entender os movimentos da sociedade brasileira nesse momento conturbado, e orientar o discurso das marcas. A Arguta é, de certa forma, um laboratório onde pretendo aplicar o que aprendemos com esses projetos. Começamos em maio e a ideia é que evolua ao longo do ano, incorporando outras linguagens (vídeo, podcast), explore as alternativas de brand publishing e atenda às demandas relevantes de informação para o C-Level das organizações. Não me sentiria confortável como consultor de comunicação, inovação e transformação digital ou participando de conselhos de empresa aportando essa contribuição, baseado apenas por teorias. Valorizo a estruturação acadêmica do conhecimento, mas acredito na consolidação e expansão do conhecimento através de vivências.

 

Agora vamos falar de outras praias: o tantra e o tarô. Fale um pouco de como um profissional que lidou (e ainda lida) com o universo dos dados, a princípio bastante pragmático, sendo engenheiro, buscou este equilíbrio na vida. Foi justamente a busca deste equilíbrio com suas subjetividades que levou a essa busca?

Conheci o T

tarô num intervalo semi-sabático, quando estava participando de algumas startups (digitais e não digitais), por volta de 2011. Fazia várias trocas de serviços e permutei sessões de coaching por aulas de tarô.  Encantei-me com as possibilidades de aplicação do tarô como ferramenta de questionamento, baseada nos arquétipos dos arcanos, e segui estudando o assunto. O Tarot de Taar foi uma persona digital que construí para exemplificar a dinâmica das celebridades e influencers digitais numa master class para a SPCine no início de 2017, e decidi manter até hoje. No tantra, cheguei por outros caminhos. Estava em busca de um curso de massagem erótica e acabei num centro de desenvolvimento tântrico. Gostei das técnicas de massagem e me encantei pela filosofia. Venho praticando vivências tântricas nos últimos 10 anos e creio que foi uma excelente complementação para os 10 anos de psicanálise anteriores. Um caminho prazeroso para a desconstrução e a ressignificação de percepções, para autoconhecimento e expansão da consciência. Recomendo com ênfase. Também fiz e faço teatro, de forma amadora, principalmente standup comedy e teatro sensorial. Não diria que são essas atividades que trazem o equilíbrio. Na minha experiencia pessoal, foi o equilíbrio que me levou até elas, como um mecanismo de autopreservação (do próprio equilíbrio).

 

E o que isso trouxe para a sua vida e como influencia hoje o profissional que você é – consultor, professor, especialista em digital?

Todo conhecimento é útil, mas o autoconhecimento e as humanidades (filosofia, sociologia, psicologia) me parecem indispensáveis. Conhecimento não é informação. A informação precisa ser vivenciada para se tornar conhecimento. Fazer coisas novas, diferentes, além de ajudar o processo de transformação da informação em conhecimento, cria novas sinapses. Novas sinapses alteram a maneira pela qual processamos as informações e a percepção da realidade. É isso que essas e outras experiências incomuns, que sigo explorando, trazem para minha vida. Venho de uma trajetória de diversidade, tanto em experiências como de convivência com pessoas. Do ponto de vista profissional, essa trajetória é um diferencial importante na atividade de consultoria ou mentoria, na participação em conselhos e no apoio a processos de transformação digital. Através delas, não me limito à teoria. Parafraseando a famosa frase de Julio Cesar, após a Batalha de Zela, posso dizer que “li, vi e vivi”.

 

Flavio, você sempre conviveu de maneira muito próxima com o mercado de agências de publicidade. Qual a sua visão da publicidade brasileira, hoje, dentro do cenário de transformação digital?

Trabalhei em grandes agências nacionais e internacionais por seis ou sete anos. Fui sócio de uma agência de porte médio por igual período, onde pude exercitar praticamente todas as atividades (mídia, planejamento, atendimento, administração, produção e criação). Nos anos seguintes, dirigindo os institutos de pesquisa, passei à condição de fornecedor relevante. Não há como questionar a capacidade criativa dos profissionais brasileiros. Ela permeia todo o mercado. Mas a transformação digital foi assimilada em graus diferentes por cada agência, e o movimento inicial de separação das unidades digitais, com excessiva atenção para a tecnologia, não foi positivo para o mercado, retardando a reconfiguração necessária. Nem todas as agências recuperaram esse atraso. O Brasil foi um dos poucos países do mundo que mantiveram o modelo de agência full service, integrando todas as disciplinas de comunicação. Essa visão holística ganha importância em momentos de transição, e as agências brasileiras estão um passo à frente nesse sentido. Entendo que os dois maiores desafios para as agências não dependem exclusivamente delas. O primeiro é a necessidade de atualização das regras de negócio. O fórum natural para essa discussão no Brasil é o CENP, e é importante que os grandes players digitais participem da entidade, o que não ocorre hoje. Não posso deixar de comentar que a discussão sobre as práticas de incentivo (a famosa BV) me parece estar sendo mal endereçada, via de regra, com grande prejuízo para o negócio das agências. O segundo é a sedimentação do conhecimento que vem sendo adquirido sobre os novos paradigmas da comunicação, a partir da incorporação das plataformas e tecnologias digitais (chamo isso de comunicação fractal), e a consolidação de métricas transplataformadoras, que permitam avaliar o resultado das ações de comunicação de forma integrada, assunto que vem sendo discutido por várias entidades do mercado (ABA, ABEP e IAB, entre outras).

 

Como a pesquisa pode e deve ser aliada de agências na busca por ganhar relevância junto a anunciantes e se adaptar às muitas novas demandas que estão por aí?

Pesquisa é o principal fundamento do planejamento e das decisões de comunicação. Num país com a complexidade do Brasil, boas pesquisas não são baratas, mas constituem um investimento justificável face ao impacto das decisões para os anunciantes. A pressão para a redução da remuneração das agências e, consequentemente, suas margens, acabou por restringir o investimento em pesquisa ao mínimo necessário, com honrosas exceções. Creio que é um bom momento para as agências se diferenciarem aportando informações relevantes para seus clientes, agregando valor através de um perfil mais consultivo. Algumas agências já vêm fazendo isso.

A questão é que as métricas de avaliação de desempenho de muitos dos anunciantes internacionais têm foco em performance de curto prazo, com forte viés financeiro, e isso exige um certo malabarismo das partes interessadas para aprovar despesas adicionais, ainda que para o bem maior.

 

Qual a sua visão da neurociência nesse universo e outras técnicas mais novas de avaliação?

A novidade trazida pela neurociência é a denominação da ideia da integração dos conhecimentos de diversas áreas para explicar as reações do consumidor aos estímulos da comunicação. É muito mais simples dizermos que estamos aplicando princípios da neurociência ao planejamento da comunicação do que explicar que estamos integrando conhecimentos de psicologia, medicina, antropologia, sociologia, filosofia, linguística, biologia, matemática e computação, entre outros. Dar um nome para esse estudo integrado, neurociência, ajuda a popularizar a ideia e a trazer foco para a disciplina, justificando investimentos. Mas não é uma atividade nova. Os estudos conduzidos na década de 1970 para determinação da frequência eficaz para cada plataforma de comunicação seriam rotulados hoje de neurociência, assim como as pesquisas baseadas em eye tracking dos anos 1980, que comentei no início da conversa, ou as avaliações de perfis psicográficos da década de 1990. Dar um nome para isso já está ajudando a sensibilizar o mercado para a relevância desse tipo de estudo, o que é muito positivo. Creio que a aplicação da nova geração de algoritmos de inteligência artificial (exemplificada pelo projeto Alpha Zero, do Google) à integração e análise desse conhecimento, vai trazer respostas e surpresas interessantes para o negócio da comunicação.