E você é marqueteiro ou publicitário? – Eu sou surfista, responde Guto Cappio, presidente da Sunset, a uma polêmica levantada por uma jornalista em certo evento. E o é há 36 anos. É do mar, segundo ele, que traz inspiração e até motivação para as demais atividades do dia-a-dia.  “Mudou minha vida, não é que me apaixonei ou o surf virou um esporte, é mais que isso. Grandes pensadores olham para o surf como religião, a partir de estar na água em contato máximo com a natureza. É um estilo de vida, está na nossa maneira de pensar, de se relacionar com o planeta, com as pessoas. Quando virei surfista, virei de alma, deixou de ser um esporte para ser minha vocação, o que eu gosto de fazer, onde gosto de estar”, explica Guto.

Sempre que há um “mar grande e perfeito” é para lá que vai. A vida intensa de trabalho que beira 14 horas diárias e se estendem, por muitas vezes, aos finais de semana é a mesma que o libera a fechar a agenda num dia em que sabe que haverá uma boa onda. “Neste caso, fecho minha agenda e vou surfar. Porque eu não tenho dia da semana para trabalhar, faço 24 por sete, os dias que não estou na agência, estou com meus clientes em jantares, convenções. Então, não vejo problema algum em fazer aquilo que irá me nutrir a ser oque preciso no trabalho. Quanto mais próximo estiver das ondas, mais produtivo serei para o GrupoOmnicom, à rede, à Sunset e aos meus clientes”.

O destino é Maresias, Canto do Moreira (litoral norte de São Paulo), considerada uma das melhores praias do Brasil. “Ali é minha praia, por isso não sou contra o localismo(prática em que um grupo de surfistas tentam impor um domínio sobre as ondas a serem surfadas no local). Vou e volto no mesmo dia, já fiz isso milhares de vezes, pode ser de carro, mas quando tem a junção de fatores com um mar extremamente grande e perfeito e minha agenda atolada sem conseguir cancelar uma apresentação, vou de helicóptero e retorno para trabalhar. Para isso que vale, de verdade, eu ter possibilidades, de trabalhar 14 horas. Eu tenho um propósito, adoro o que faço, minha profissão me realiza, sou feliz criando e sendo publicitário, mas sou ainda mais feliz em cima de uma prancha surfando”. Guto acredita que um dia será possível deixar o modelo atual de operação da agência, em que exige sua presença em tempo integral para que faça diferença para seus clientes, assim certamente se dedicará mais ao surf. “Em algum momento estarei mais próximo do que estou hoje, embora já faça parte cotidianamente da minha vida. Eu direciono meu networking para lá, se tenho um encontro com o cliente eu sugiro fazer na praia, na minha casa, mesmo que não sejam surfistas, acabam por se apaixonarem pela vibe que permeia minha casa, meus amigos e o que fazemos ali. Às vezes até mudam a opinião sobre o surf”.

A paixão do executivo por “pegar onda” não começou tão de pequeno, como seus filhos que são filhos de surfista. Foi se apaixonando pela praia, pelo mar,observando surfistas: “nossa um dia quero ser surfista”, pensava ele entre oito e 10 anos de idade. O divisor de águas foi quando a irmã mais velha (oito anos a mais que ele) passou a namorar um suíço que era surfista. O namoro durou 10 anose serviu de influência. “Ele era da primeira geração de surfistas dos anos 70, do auge mais poético, onde eles faziam suas próprias pranchas, era algo meio rebelde, parecia um estilo de liberdade e atitude. Eu me apaixonei pelo cara mais que minha irmã”, brinca. Com o padrinho gringo aprendeu a surfar, como o pai só deixava a irmã viajar caso Guto fosse junto, estava sempre em sua companhia. Com ele conheceu o litoral norte de São Paulo na época que ainda não tinha nem estradas, nas praias de Maresias, Juquehy, Camburi. Acampavam, poishaviam poucas casas e hotéis.

Mas nunca quis ser surfista profissional, embora se dedicasse bastante, disputou campeonatos, até ganhou alguns. Na época em que começoua surgir os primeiros caras que falavam em freesurf, grandes surfistas que não estavam no circuito profissional, principalmente gringos. Uma vertente do surf onde o seu praticante surfa única e exclusivamente para se divertir, sem se preocupar com a performance e, na maioria das vezes, longe do “crowd” (pessoas). A prática é bem remunerada, grandes surfistas acabaram aderindo a esse conceito depois de passarem por problemas na parte profissional. Alguns por não terem se adaptado com a pressão por resultados em um ambiente competitivo, outros por que gostariam de curtir mais a vida e a família, há também aqueles que gostam apenas de lugares paradisíacos e isolados e os que curtem surfar com vários tipos de pranchas.

Aos 15 anos de idade, Guto já tinha independência para viajar para pegar onda. O pai nunca deu moleza, porque via o surf com uma imagem de gueto. Portanto tinhaque trabalhar para comprar as pranchas e ter dinheiro para ir à praia. Para isso começou cedo, foi vendedor de loja, de cursinho de inglês na Praça da República (centro de SP). “Até o dia que passei a trabalhar com comunicação, nesse momento descobri minha vocação”, atividade que consegue ver total sinergia com o surf. “Trabalhar com comunicação, principalmente eu como criativo, é ter uma fonte de inspiração e não é só as referências, mas no processo criativo, certamente o meu é na água surfando. Ver meus filhos se tornarem surfistas também é uma das coisas tão prazerosas. Vendo meu filho surfando, ás vezes, tenho mais prazer do que se eu tivesse pego uma onda irada”.

Há cinco anos o roteiro de férias da família tem que ser de praia, antes viajava com os amigos surfistas, achou até que os filhos não o deixariam surfar, mas segundo ele, tem sido uma experiência melhor que a outra. No primeiro ano o roteiro foi Califórnia/ Hawaii. “Todo ano, não abro mão de um mês para pegar onda em algum lugar do globo e é para isso que trabalho, ver qual a onda ainda não peguei e ir atrás dela, seja onde for, a mais longínqua esse é meu tesão. Um Éden para um surfista: onda perfeita, amigos e sem pessoas, praia inóspita”.

O segundo destino foi Bali, depois Sumatra, onde passaram quinze dias navegando num barco atrás de onda. A tripulação: Guto, os três meninos (xx, 8 e 11 anos) e amigos. A última viagem que teve à Ilha de Java como cenário, numa floresta que só tinha uns mangalôs em que nem se podia andar à noite por causa dos tigres, cobras, e macacos, foi só aventura para os filhos. “Eles preferem este ambiente do que a Disney, curtindo o inóspito, de não conseguirem passar uma trilha porque ela está fechada por macacos. É muito legal tudo isso, os moleques andando com estilingues. Eles acham demais, a aventura de estar numa ilha. Isso vai fazendo com que entendam o que o surf traz e passam a pensar diferente em relação a todas as questões da vida. O surf, por exemplo, me ajuda a me concentrar, a ter paz de espírito”.

Com muitas histórias para contar, a melhor onda que já “pegou”está emPaddingPaddingtambém em Bali. “É perigosa, não sei até quando vou conseguir surfar porque exige um condicionamento físico, uma habilidade grande. É a onda da minha vida, talvez a que mais me realizei surfando, o único problema dela é o crowd. É um lugar que adoro estar, a cultura indu é muito bacana, os caras possuem uma felicidade no seu jeito de viver independente da classe social”. No próximo ano, está na lista uma onda inédita, também desafiadora, tipo aquelas que se vê em filme, fica em Topo no Tahiti. “ Preciso ir enquanto ainda estou condicionado”, diz ele, que sempre praticou esporte, inclusive jiujitsu, com isso acredita que vaiconseguir levar o surf até aproximadamente 55 anos, com alta performance. Falando em idade: “Estava num lugar na Indonésia, na Tiger trail, onda perfeita para os meninos e tinha um senhor de 80 e poucos anos com o filho o empurrando. Certamente ele era um surfista e com a idade não tinha mais a explosão da remada para sair da inercia e conseguir pegar a velocidade da onda. Meu pequeno viu a cena edisse que quando eu ficar velhinho ele também irá me empurrar”.