Já lá se vão quase 30 anos de redação publicitária. A gente vai nesse job-a-job cotidiano e não para muito na reflexão sobre eles. Mas num fim de semana desses, mais relaxado, me veio uma pergunta à cabeça: “qual foi o trabalho mais estranho que fiz em publicidade?” Foram muitos pedidos escalofobéticos em minha trajetória de Mad Man da zona oeste paulistana. Merchadisings kafkianos, uma campanha para uma marca de sardinhas em lata em que o personagem principal era uma palmeira, anúncios de aniversário de cidades as mais esdrúxulas e por aí vai. Depois de refletir um pouco me veio algo ainda mais insólito às retinas cansadas. Como todas as lembranças pretéritas, ela veio chegando aos poucos. Primeiro apresentou-se a imagem. Era uma ilustração, talvez a bico de pena, no estilo Steinberg. Tenho quase certeza que era de um rapaz cruzando uma avenida, completamente entregue a si, muito distraído. Essa via era uma Marginal repleta de veículos, àquela época, em alta velocidade. No alto do layout, em times new roman: “Seguro de Decessos XYZ”. E um título que voltarei a comentar mais adiante. Decesso, lembro ao considerado leitor, é o ato de deceder: falecer, morrer; óbito, passamento. Voltemos ao princípio. Tudo começou quando um colega que tocava uma pequena agência passou a atender uma seguradora. A empresa estava inovando no Brasil com a tal apólice de auxílio funeral e queria ser impactante. – Estou oferecendo esse freela porque o tema é a tua cara – disse-me o parceiro, empolgado. – E eu lá tenho cara de decesso? Vira essa boca pra lá! – devolvi, já com uma certa superstição de pegar o trampo. Todavia, as imortais contas a pagar fizeram minhas dúvidas decederem e decidi liquidar o anúncio. Como sempre, apresentei na data aprazada um leque de opções criativas. Havia o ‘papai-mamãe’ contemplando o brief, o esteticamente correto e o porra-louca – como todo redator tenta encaixar nessas ocasiões. Ele olhou as ideias em cima da mesa do boteco da Vila Olímpia e foi pragmático: – Esse aqui foi o que você falou que era a opção porra-louca? – Sim – respondi, já adivinhando que ele o limaria sem clemência levando à seguradora apenas as opções comportadas. Para minhas surpresa, no entanto, veio o veredito nesses termos: – Pra mim é o porra-louca. E te digo mais: só vou com ele. O layout vocês já sabem que é o do Steinberg. Faltou o título: “Seguro de Decessos XYZ. Não saia da vida sem ele.”