O desenhista nada mais é do que uma criança que nunca parou de desenhar. Desde que me entendo por gente, me lembro de estar sempre rodeado de cores e tintas por todos os lados. Foi assim que passei minha infância: quando não estava chutando bola, estava desenhando uma. O papel em branco sempre foi meu sol nos dias de chuva.

Mas aí a brincadeira começou a ficar séria. Como gostava de desenhar mais pessoas do que paisagens, naturalmente fui migrando para o lado da caricatura. Primeiro, em casa. Depois, na escola – onde publicava caricaturas dos professores no jornal do colégio. Até que, aos 16 anos, fui chamado por uma revista de rock para ilustrar os roqueiros. E foi o Axl Rose que me deu os primeiros 50 reais que ganhei na vida com meu trabalho.

Aos 17, me mudei para a Dinamarca onde, isolado da família e me isolando do frio escandinavo, passava horas e horas desenhando. Até que, finalmente, consegui desenvolver o meu estilo (que apelidei de “retraço”: um misto de retrato e traço) inspirado nos grandes mestres da caricatura. No Brasil, me inspirei na precisão do Ziraldo, na elegância do ítalo-argentino Lan, na capacidade de síntese do Nássara e no poder de desconstrução do Loredano. No mundo, fui atrás da explosão criativa do inglês Ralph Steadman, da sutileza do francês Uderzo, das rachuras do norte-americano David Levine e da técnica de pintura inigualável do alemão Sebastian Krüger – com quem fiz um workshop no ano passado e pude vê-lo desenhar ao vivo. O maior presente de aniversário que eu já recebi.

Mas quem mais me influenciou foi o maior caricaturista de todos os tempos: Al Hirschfeld. E na primeira vez que fui para Nova York, em 1999, descobri o endereço dele e resolvi, na cara de pau, levar meu portfólio pra ele ver. Como retribuição pela minha coragem, ele – já com 96 anos – me escreveu uma carta de próprio punho elogiando meu trabalho e me recomendando para trabalhar na The New Yorker Magazine. O maior presente de não-aniversário que eu já recebi.

Porém, no ano seguinte, em vez de me mudar para Nova York, fui para a AgênciaClick, onde ainda conseguia usar meu lado desenhista – como na fábrica de salgadinhos que ilustrei para o primeiro site da Elma Chips. Só que aí a publicidade passou a me ocupar cada vez mais e passei a ter cada vez menos tempo para desenhar. Mas, ainda assim, continuei fazendo contribuições esporádicas para Placar, Revista VIP e a saudosa Revista Alpha – onde virei caricaturista fixo da última página até sua última edição.

Depois disso, fiquei praticamente 3 anos sem encostar em um papel até que, no início de 2016, recebi uma ligação da Veja perguntando se eu “ainda desenhava” – e, de lá para cá, tenho colaborado mensalmente para a seção Veja Essa, ilustrando os autores das frases mais impactantes da semana. E, em dezembro, ainda fui convidado para fazer uma versão do quadro Guernica, do Picasso, com os personagens que tiveram mais destaque no ano – que se tornou a primeira edição de 4 quatro capas sequenciais na história da revista mais lida do país. O maior presente que um caricaturista poderia receber.

Mas por mais que o meu trabalho na publicidade seja muito digital, na ilustração eu ainda prefiro fazer os traços à mão. Porque, pra mim, não há nada mais inspirador do que olhar um papel em branco. Afinal, está tudo lá. Você só precisa escolher o que vai extrair dele.
E até hoje, toda vez que vou começar a desenhar, volto a ser a mesma criança que eu era quando toda essa história começou.

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