Minha primeira ida a Cannes foi em 2006. Tínhamos acabado de ganhar uma conta global e digital na então Datamidia,FCBi – e eu e o VP de Criação da agência fizemos as malas e nos colocamos a caminho de Cannes, que na época tinha, nos seus Cyber Lions, praticamente a única referência do que era bom em termos de produção criativa pro meio.

Sabendo que íamos pra França, obviamente cada um de nós deu aquela pesquisadinha nos guias de viagem, que naquele tempo ainda eram impressos, pra ver o que tinha ali perto. No entanto, ao chegar à cidade, imediatamente fomos abduzidos pelo festival: os conteúdos no Palais, as premiações, a exposição de trabalhos. Ir pela primeira vez ao festival é uma experiência incrível – que mistura admiração pelo que se vê, orgulho pela enorme celebração da nossa indústria que ele é, e FOMO (tem tanta coisa pra ver!!!).

Pois bem: vivemos intensamente aqueles seis dias e, no sábado, já no caminho da volta, decidimos dar uma voltinha em Nice. E foi lá que eu comecei a descobrir uma Riviera ainda mais inspiradora, graças ao meu de lá pra cá grande amigo Rui Piranda, que nesta viagem descobri ser conhecedor de arte.

Rui me levou ao Museu Matisse. Ele é pequenino, numa daquelas casas antigas e bonitas de Nice. No meio de toda aquela arte, ali comprovei o que diz o ditado: “quem tem amigos, tem tudo”. Mais que isso, entendi que trabalhar com quem “nos estica”, nos abre para novos conceitos e novas referências, faz o trabalho ser mais feliz e de melhor qualidade.

Pois bem: voltei a Cannes alguns anos depois, desta vez numa turma maior. Antes de o festival começar, o Rui nos convenceu a dar uma corridinha até Vauvenargues, cidade perto de Aix-en-Provence, que abriga um pequeno chateau onde Picasso viveu entre 1959 e 1961. Vou dizer que o cara sabia escolher casa, viu? A vista que tem o castelinho é uma lindeza, com o monte Saint-Victoire ao fundo. O curioso é que em algum momento Picasso deve ter achado que a vista não era suficiente, porque pintou uma minifloresta no banheiro dele.

Aquele banheiro me marcou muito, pela sua beleza e pelo inesperado de encontrar um Picasso numa parede de louça. E naquele momento, a arte me ensinou uma outra lição importantíssima para o trabalho e pra vida: se você não está satisfeito com o seu entorno, experimente transformá-lo. Use o que você sabe e conhece para tentar fazê-lo mais confortável e inspirador pra você.

Nos anos seguintes, continuamos o hábito de explorar este “lado B” da Riviera. Conheci a Fondation Maeght, uma casa Bauhaus nos arredores de Saint Paul de Vence que tem um jardim cheio de obras do Miró e um móbile do Calder, que rodizia um acervo de vários pintores – entre eles, um mestre que conheci lá e se tornou meu favorito: Chagall. Suas cores vivas e telas grandes me encantaram instantaneamente – como aquelas grandes ideias, aparentemente tão simples, mas que requerem um enorme esforço para ganhar a vida, que a gente vê no festival.

Encontrei Chagall ali, depois o vi em dois quadros i-men-sos na ópera do Met, mas me apaixonei mesmo por ele quando o mesmo amigo me levou ao Musée Chagall, também em Nice, que se tornou o meu favorito na região até agora. A construção é moderna, e foi feita para abrigar uma coleção que mescla arte e religião. Mas duas coisas lá tiraram o meu fôlego: a salinha dos quadros que ele fez pra mulher, Vava (um conjunto de telas cor-de-rosa queimado que transborda amor), e um mosaico que ele fez com o profeta Elias e os signos do zodíaco à sua volta. Não sei exatamente o porquê, mas olhar o mosaico me lembrou de como é importante a gente usar o distanciamento a nosso favor: quando a gente dá um passo pra trás e olha “de cima”, não raro consegue ver mais.

Aproveitar estes “momentos off” que a gente tem – uma parada inesperada num dia, um desvio numa viagem, ou qualquer oportunidade de refrescar a cabeça e o olhar – tornou-se um exercício constante pra mim. Eles revelam verdades simples e poderosas sobre nós e o mundo à nossa volta – e não raro, trazem insights que a gente vê naqueles trabalhos incríveis que aplaudimos no ano seguinte, no palco no Palais.

Juliana Nascimento é CBO da Fbiz