Ok, so, what do you need, besides a miracle? A frase é de um trecho do filme Matrix, de 1999.

E, em menos de três segundos, milhares de prateleiras invadem o fundo branco para Neo e Trinity.

Gosto de pensar nessa cena como o início de uma perseguição criativa. Nela, Neo não espera pelo milagre, um raio ou a musa.

Ele quer repertório, kung-fu, munições, um sobretudo esvoaçante, óculos escuros, enfim, tudo aquilo que ele entende ser útil para capturar o que procura. Ele sabe o que quer, para onde vai e o que precisa.

Neo quer Morpheus. Eu quero uma ideia. Eu quero um insight. Eu quero influenciar a compra no ponto de venda. Eu quero o concorrente do meu cliente incomodado. Eu quero vender mais.
No meu hunting, não tenho o costume de esperar o relâmpago. Chamo minhas prateleiras e me esforço para escutar os meus impulsos.

Indexadas e ao mesmo tempo bagunçadas, tento me inspirar no que elas me trazem.
Nesse processo me ajuda muito ler, reler, ler de novo, ler novamente, de ponta-cabeça, pelo avesso, ao contrário e do jeito que achar melhor o tal do briefing e o bendito planning (melhor amigo da criação).

Melhor até do que ler com toda essa cautela é ter a pretensão de enxergar quais aspectos do negócio levaram o cliente a escrever aquelas demandas e o planejamento a trazer seus direcionamentos.

Ah, atitudes menos glamorosas também são bem-vindas.

Por exemplo, quando atendo a um player do setor automotivo, faço questão de ligar para a concessionária, conversar com o gerente da loja, sentir lá do outro lado do balcão o pulso de quem perdeu a venda e suas dores.

São tantas relíquias encontradas de graça só porque tento vestir os sapatos de quem me contrata. Fica mais fácil saber onde devo aterrissar e assim minha ideia ganha lastro. Quanto mais sólida, mais fácil de o cliente entendê-la e querer viabilizá-la.

No final das contas, acaba sendo a minha intuição (soma de mistério com aprendizado) e os meus olhos, que quando fechados entram em vigília, os gatilhos capazes de acionar as estantes Neo.
Acho todo esse processo inspirador em si. A dificuldade de encontrar a solução é sempre prazerosa. É uma luta que se transforma em amor, um tipo de aventura que não combina com segurança, uma compressão que descomprime. Trocando em miúdos: tesão in natura.

E de onde vem o insight?

Onde moram suas sombras?

Qual é a escala da Pantone que faz alguma erupção mental ser chamada de ideia ou de concept?
O que são as prateleiras do Neo?

Qual o seu mecanismo?

Eu vejo uma ideia/insight como a última, a gerada por um deslocamento de parâmetros dentro da nossa mente.

Um produto gerado pelo atrito de uma sequência muito veloz de impulsos e repousos.

Elaborando um pouco, é como se tudo que o criativo acumulou na sua vida ficasse guardado em bolsões de conteúdo e sentimentos repousados na mente.

E, quando provocados, como plantas carnívoras, esses armários apinhados de repertório surgem, como na cena de Matrix, para serem conectados aos seus impulsos como pontos.

Se os pontos virarem desenhos, talvez você possa chamá-los de ideias.

E como é bom quando elas chegam, né? Sinto o calor como se viesse de dentro de um relâmpago. Valeu o enfrentamento e as lutas contra o agente Smith.

Cada criativo tem o seu jeito de acionar seus impulsos e gerar seus bangs.
Acho que as sombras desse processo poderiam roubar um pouquinho o brilho do raio.

Rafael Paião é ECD da Sapient AG2

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