2020, o ano em que quase tudo foi adiado
Em razão da pandemia, tudo o que não era mortal e definitivamente inadiável foi adiado, transferido, postergado, e muitos desses adiamentos ou resultaram em tragédias e mortes, e outros demonstraram que os procedimentos eram desnecessários. Nessa situação, prevaleceu a sorte da não realização. Duas grandes pesquisas realizadas em diferentes partes do mundo traduzem esse maluco ano de 2020, no tocante aos procedimentos regulares da saúde – pacientes, médicos e demais agentes da saúde. Uma pesquisa do Instituto Kantar, a outra da agência McCann Erickson. As duas convergem para a revelação de fotografias semelhantes.
Dentre os países no quesito desmarcação de consultas, o Brasil aparece tranquilo na primeira colocação, com 64%. Isso mesmo, de cada três consultas nos primeiros oito meses da pandemia, duas foram canceladas. Na outra ponta da tabela ou do comportamento, o Japão. Apenas 12% das consultas desmarcadas, ou seja, em cada 10, pouco mais de uma foi desmarcada. Na maior parte das situações, 55% das demarcações foram por iniciativa dos médicos. Ou porque o médico mergulhou em quarentena, ou porque não existia gravidade, tratava-se de consulta de rotina, e o médico decidiu ser melhor que a consulta fosse deixada para um melhor momento.
Algumas pessoas que não passavam um único ano sem realizarem check-up, reconsideraram. Assim, de cada 10 que faziam regularmente todos os anos, quatro deixaram de fazer. Nesse comportamento específico, os Estados Unidos foram o campeão dos cancelamentos. Já os brasileiros são mais fiéis ou dependentes de check-ups, e apenas 17 em cada 100 preferiram adiar. Exames convencionais de laboratórios, tipo de sangue, e em todo o mundo, alcançaram um índice de cancelamento de 23%. No Brasil, 28%.
Os sintomas de depressão cresceram em todos os países. Saltando na média de 37% para 48%. Nesse comportamento o Brasil divide a liderança de mais pessoas com sintomas de depressão com a Itália e a Espanha – um crescimento médio de 60%. Já especificamente em relação aos médicos, a pesquisa em que a McCann procurou concentrar-se, 66% de todos eles têm problemas com o sono – 72% no Brasil e 82% na China. Metade dos médicos no mundo inteiro revelou ter problemas no casamento. Na primeira colocação os médicos da Alemanha, com 73%, seguidos pelos dos Estados Unidos, com 65%. E quase todos os médicos, de forma contundente e consistente, manifestaram seu desespero diante da impossibilidade de se preservarem atualizados, tão grande a quantidade de informações disponíveis, e das milhares de novas que são tornadas acessíveis todos os dias em diferentes fontes.
E o novo grande drama, talvez a mais importante conclusão da pesquisa, conforme manifestação dos médicos, e depois confirmado junto aos pacientes. Hoje o diagnóstico é disputado cabeça a cabeça, médicos e pacientes. E os pacientes estão convencidos que sabem mais que seus médicos. O ideal seria que as duas partes reconhecessem suas limitações, em benefício da cura. Se somassem na busca de um melhor e mais preciso diagnóstico. Nós, pacientes, que sentimos as dores e os sintomas, mas temos dificuldade absurda de comunicar com precisão, e os médicos que têm, em tese, o conhecimento. Impossível, assim, chegar-se a um diagnóstico de melhor qualidade sem a colaboração, a empatia e a compaixão recíproca entre as duas partes. Bons médicos, bons pacientes.
É isso, amigos. Todos se preparando para a volta ao que sobrou da velha normalidade, e com coragem, energia, determinação e muita sensibilidade, para todas as surpresas com que nos defrontaremos, muito provavelmente, e já a partir de…
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)