900 dias sem concorrência
O título deste artigo não é meu. Assim como a ideia de fazer este texto. É de um amigo publicitário. Admito. Mas o marco – 900 dias sem concorrência – é, sim, da Brancozulu, agência que fundei há 14 anos. Nasceu de uma conversa com esse amigo. Ele perguntou sobre o desempenho da agência e eu respondi que a coisa caminhava bem, que estávamos conquistando muitos clientes novos. “Mas como vocês conseguem participar de tantas concorrências?” Disse que fazia quase 2 anos que a gente não participava de concorrências. Ele ouviu, mas não entendeu. Muito provavelmente porque esse sistema de concorrências está tão entranhado no nosso mercado, que fica difícil aceitar que existam agências que prosperem, sem jogar esse jogo. “Tá bom, vocês não vão atrás de concorrências. Mas e quando o cliente de uma conta legal chega pra vocês e pede. Vocês dizem NÃO?”. De novo a dúvida era legítima. Porque não estamos acostumados a dizer NÃO para boas contas e bons clientes. Eu mesmo vinha dizendo SIM nos 10 anos anteriores da agência. E nos meus quase 25 anos de mercado, participei de milhares de concorrências. Mas dei a resposta que vinha dando a todos os prospects, que fazia mais de 2 anos que eu tinha decidido que a Brancozulu não participaria mais de concorrências. Que tomaríamos outro caminho. E nos 30 minutos seguintes, expliquei como e por que havíamos tomado esse rumo. No final do papo, ele mesmo me convenceu que eu deveria escrever um texto sobre isso, que isso era importante para o mercado.
Primeira coisa a dizer: falo sobre concorrências criativas, aquelas nas quais apresentamos campanhas inteiras, estratégias inteiras e milhares de ideias de graça ou cobrando muito pouco. Aquelas que colocamos nossos times criativos, de mídia, de planejamento. É dessas que não participamos. Das concorrências de preço, que comparam escopo e propostas comerciais, participamos, sim. Mesmo porque, o cliente sempre tem alternativas e não vai fechar com uma agência sem comparar e entender quanto custa.
Segunda coisa: não foi por fracasso que decidimos parar com as concorrências. Sim, ganhamos diversas concorrências na história da Brancozulu. Assim como perdemos umas quantas. Mas não foi por isso que decidimos largar o vício.
A decisão foi bastante racional. Os números não mentiam. Não valia a pena. As conquistas não valiam o esforço e o custo das derrotas. Pensamos muito antes de começar a dizer NÃO. E muitos fatores nos levaram a fazer isso. Aqui vão eles:
Primeiro: existe vida além da concorrência. Quer dizer, já tínhamos ganhado muitos clientes sem concorrência alguma. Porque isso acontece com todas as agências. Acreditem: nem todo cliente precisa de uma concorrência pra entregar a sua conta.
Segundo: história sem fim. Participamos de muitas concorrências que não tiveram ganhador. Só perdedores. O cliente desistiu, a crise chegou, o produto não saiu.
Terceiro: justiça no critério. Nem sempre o cliente escolheu a melhor campanha, a mais ousada, a mais assertiva. Escolheu a mais careta, mais segura e, às vezes, a mais barata.
Quarto: cartas marcadas. Nem vou explicar muito. Todo mundo conhece isso.
Quinto: menor preço. Muitas vezes, o cliente só queria diminuir seus custos. Mas não avisou que esse era o principal e, muitas vezes, único critério de seleção.
Sexto: sexo fora do casamento. Já vi muito Cliente só queria ver o que estava rolando mercado. Estava satisfeito com a agência atual, mas queria sapear. E para isso, nada melhor que chamar 5 agências talentosas, não é verdade?
Sétimo: caçadores de ideias. Não são muitos, mas eles existem. E isso já foi denunciado no mercado. Diretores de marketing, gerentes ou sócios-presidentes que, ávidos por novidades, convocam uma concorrência para oxigenar as ideias.
Oitavo: falta de parceria e compromisso. O que fazemos requer riscos, desafios. Requer que o cliente aposte junto. E o cliente nunca vai estar envolvido plenamente com todas as 5 ou 10 agências da concorrência. Nunca vai se dedicar o suficiente. Vai passar um briefing coletivo em duas horas e marcar todas as apresentações pro mesmo dia. Tudo isso pra “otimizar o tempo”.
Nono: meus clientes não merecem isso. São eles que pagam os salários da minha equipe. E é para eles que devo entregar meu talento e meu tempo. E tonto daquele cliente que acha que está levando vantagem. Porque se hoje você está fazendo 5 ou 10 agências trabalharem de graça. Amanhã é você que vai estar pagando essa conta.
Décimo: sinceramente eu não precisava de dez motivos para não participar de concorrências. Na verdade, precisava de apenas um. Se meu negócio funciona sem concorrências, não tenho porque participar delas. E ponto.
Glauco Ciasca, sócio diretor de criação e estratégia da Brancozulu