A caminhada das marcas pela diversidade perdeu ritmo?

Especialistas observam recuo de marcas no apoio à pauta LGBTQ+ e alertam para a importância de ações consistentes que ultrapassem datas comemorativas

A 29ª edição da Parada do Orgulho LGBTQ+ de São Paulo acontece neste domingo (22), na Avenida Paulista. Considerada a maior do mundo em número de participantes, o evento reúne milhões de pessoas em um dos principais palcos de manifestações políticas do país.

No entanto, em 2025 contará com um número menor de patrocinadores em relação aos anos anteriores.

Neste ano, 13 marcas confirmaram apoio institucional: Amstel, Amstel Vibes, Sephora, L’Oréal Paris, Matrix (do grupo L’Oréal), Philip Morris do Brasil, Zurich Seguros, AccorHotels, Team Eventos, Sympla, GSK e ViiV Healthcare. O Burger King também confirmou patrocínio após a coletiva oficial de apresentação.

Em 2024, o evento contou com 19 marcas, e em 2023, com 15.

A primeira edição do evento aconteceu em 1997, mas apenas em 2007 a Parada recebeu apoio comercial — de marcas como Smirnoff Ice, Flash Power e Goóc.

Parada do Orgulho LGBT+ arrasta multidão em edição de 2022 (Crédito: Foto de Edson Lopes Jr/ Divulgação SECOM)

De lá para cá, o patrocínio tornou-se parte fundamental para a realização da festa e, ao mesmo tempo, um termômetro do engajamento corporativo com a causa LGBTQ+.

“O apoio das marcas é essencial para a realização da ParadaSP”, afirma Nelson Matias Pereira, presidente da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.

A redução no número de patrocinadores acende um alerta sobre o compromisso das empresas com a diversidade. Em um contexto mais amplo, outras manifestações importantes, como a Parada do Rio de Janeiro, considerada a primeira do país, foram impactadas pela falta de apoio. Em 2023, o evento carioca foi adiado por não conseguir apoio financeiro suficiente.

Esse contexto contrasta com o comportamento do consumidor. Segundo o estudo ‘Kantar Brand Inclusion Index 2024’, 75% dos consumidores globais afirmam que a reputação de diversidade e inclusão de uma marca influencia diretamente suas decisões de compra.

Só no ano passado, a Parada SP reuniu cerca de 73,6 mil pessoas no período de maior concentração, de acordo com o Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo, evidenciando o alcance e a relevância do evento.

Valeria Brandini, antropóloga empresarial e professora da ESPM, aponta que o engajamento das marcas precisa ser consistente. “Uma das coisas mais importantes é observar marcas que publicam relatórios anuais de diversidade e inclusão com indicadores verificáveis. Assim, você consegue avaliar se uma marca está apenas surfando na onda do pinkwashing ou se, de fato, tem ações concretas de inclusão.”

Ela destaca ainda que o verdadeiro compromisso passa por ações contínuas, como formação de lideranças LGBTQ+, apoio a ONGs e posicionamentos públicos em momentos decisivos, como votações de leis que afetam esses grupos.

“Não adianta ter colaboradores de grupos minorizados se eles não estão no board das empresas. A diversidade precisa estar nas lideranças.”

Letícia Porfírio, professora de marketing digital da Uninter, reforça a importância da transparência. “Pode incluir a adoção de políticas internas de inclusão e diversidade; a criação de espaços de escuta com representantes da comunidade para entender melhor os erros cometidos; o envolvimento de profissionais LGBTQ+ no desenvolvimento das próximas ações; e a promoção de campanhas cujos lucros sejam revertidos para ONGs relacionadas à causa. O público precisa ter a segurança de que esse comprometimento é real e será mantido a longo prazo.”

O que as marcas dizem?

A Sephora, patrocinadora estreante da Parada de São Paulo, reforça sua dedicação especialmente em um momento de retração de outros patrocinadores. Marcele, gerente de diversidade e inclusão da marca, afirma: “Nosso propósito hoje é unificado globalmente: ser um lugar de inspiração onde todas as pessoas possam celebrar sua beleza.” No Brasil, 27% do corpo de trabalho da Sephora se declara LGBTQIA+ e 3% se identificam como pessoas trans.

Com iniciativas como o programa ‘Classes for Confidence’, que usa a maquiagem como ferramenta de empoderamento, a marca já impactou mais de 140 pessoas e está ampliando o projeto para todas as lojas.

Modelo 3D de trio elétrico promovido pela Sephora (Divulgação)

“Temos uma área focada em diversidade há dois anos e uma política formal de diversidade. Já impactamos mais de 140 pessoas, e estamos levando o projeto para todas as nossas lojas ao longo do ano. Nessa jornada, já recebemos pessoas trans, mulheres negras, pessoas em tratamento oncológico, neurodivergentes, entre outros perfis.”

Nas lojas, a Sephora reforça seu compromisso com a diversidade por meio de treinamentos específicos para colaboradores e supervisores, com foco em um atendimento mais inclusivo.

“Estamos implementando um processo de formação com todos os supervisores de loja,  que estão na linha de frente, para garantir que o que está nas nossas políticas se reflita de fato na prática”, afirma Marcele.

Na Amstel, patrocinadora oficial pelo sétimo ano consecutivo, o compromisso vai além do mês do orgulho. “Transmitimos a verdade da marca, que não está presente apenas em um momento do ano, nem se trata só de marketing. Celebramos a diversidade, queremos representatividade e acreditamos em estar todos juntos. Então, sim, é algo que vai além de junho. Faz parte da nossa história e dos nossos valores — é um compromisso contínuo”, diz Beatriz Ruiz, head de brand experience e patrocínios do Grupo Heineken.

Unidade do Oxxo próxima ao trajeto da Parada será personalizada em ação da Amstel com foco na diversidade (Divulgação)

Já Camila Liborio, líder da Matrix no Brasil, nova marca do grupo L’Oréal vendida exclusivamente em farmácias online, destaca que a diversidade está presente tanto nas estratégias de influência quanto no portfólio de produtos.

Segundo ela, a marca busca respeitar a narrativa dos criadores de conteúdo, sem impor seu tom de voz, e seleciona influenciadores justamente por valorizá-los como são: “Respeitar diversidade é não dizer como o outro tem que fazer, e sim escolher o outro porque a gente respeita e inclui a maneira como ele faz”.

Trio elétrico da Matrix, marca do Grupo L’Oréal, integra as ativações da Parada do Orgulho LGBTQ+ de São Paulo (Divulgação)

No desenvolvimento de produtos, a marca aposta em fórmulas universais com foco em todos os tipos de cabelo, mas reconhece a necessidade de adaptações locais

“Entendemos que, para o território brasileiro, há uma demanda maior por cuidados específicos com cabelos cacheados, e criamos soluções direcionadas a esse público. Olhamos para o portfólio internacional e realizamos adaptações necessárias para ter uma marca que fosse de fato para todos os cabelos”, afirma.