A “Copa do Mundo” da robótica e IA
Marco Simões, presidente do conselho da RoboCup Brasil, explica que o evento é um 'importante momento de networking'
De 15 a 21 de julho, Salvador será o “estádio” da RoboCup 2025, considerada uma das mais importantes competições mundiais do segmento.
Para Marco Simões, presidente do conselho da RoboCup Brasil, a iniciativa é um importante momento de networking e troca de experiências, principalmente com países líderes dessas áreas, como a China.
“Com a RoboCup, temos uma oportunidade real de acesso a essa cultura”, diz ele. Simões também destaca como o evento pode inspirar profissionais de marketing e comunicação a se adaptarem às novas demandas dessa revolução tecnológica.
Como se deu a evolução da RoboCup Brasil?
A RoboCup internacional começou a organizar competições oficiais de robótica em 1997. No Brasil, começamos a fazer eventos em 2003, mas a formalização da RoboCup Brasil se deu em 2007. Antes disso, era um grupo de professores e pesquisadores que iniciaram esse movimento, sempre organizando as competições dentro dos eventos de outras sociedades científicas, como a Sociedade Brasileira de Computação e a Sociedade Brasileira de Automática. No começo, os eventos aconteciam dentro de universidades, em ginásios pequenos. Hoje, em número de participantes, temos quase o mesmo porte do evento mundial.
E qual é a dinâmica?
A realização é em fases. Começa pelas etapas estaduais das Olimpíadas Brasileiras de Robótica e termina com um total de cerca de 2 mil pessoas participando, desde o ensino fundamental até universidades, além de profissionais de empresas. Com essa profissionalização, pudemos aperfeiçoar a captação de patrocínios. Mas é um evento que serve à sociedade. Uma boa parte das competições não tem custo para os participantes. Em algumas, há uma taxa de inscrição, mas é um valor muito abaixo do que é cobrado em eventos internacionais. Ainda assim, precisamos de patrocinadores para fechar as contas. Como uma sociedade sem fins lucrativos, não lucramos com o evento, mas precisamos de recursos para fazê-lo acontecer.
Há apoio de empresas estrangeiras e do governo do estado da Bahia...
Hoje temos desde patrocínios locais, como governo do estado da Bahia, Petrobras, CEIA (Centro de Excelência em IA da Universidade Federal de Goiás) e Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, ligada ao MCTI), mas também os captados internacionalmente pela RoboCup Federation, como Mathworks, JP Morgan, Booster Robotics e Unitree. Essas duas últimas são empresas chinesas fabricantes de robôs, que estarão no evento com estandes próprios, trazendo seus robôs e, inclusive, alguns times vão competir contra os robôs dessas empresas.
E qual é a importância de ser no Brasil, dessa vez em Salvador?
Trazer um evento mundial para Salvador é significativo. Esta é a segunda vez que ele acontece no Brasil e na América do Sul. A primeira foi em 2014, em João Pessoa (PB). Agora, conseguimos novamente, em um processo de concorrência internacional com várias cidades de alto nível de estrutura e tradição na RoboCup. Ainda assim, convencemos os conselheiros da RoboCup Federation de que tínhamos competência e capacidade para fazer um grande evento. Tenho certeza que vão gostar tanto que vão querer voltar outras vezes.
Apesar da presença de líderes globais de tecnologia no Brasil, que muitas vezes não transferem conhecimento, como eventos como a RoboCup podem impulsionar o desenvolvimento de tecnologia nacional?
Qualquer área é multidisciplinar. Há uma verdadeira cadeia de negócios por trás de produtos ou serviços: há quem produza o hardware, quem desenvolva os sistemas de controle, quem integre tudo isso... Não necessariamente precisamos criar uma empresa brasileira que faça exatamente o que eles fazem, mas sim empresas que saibam pegar o que foi feito fora e adaptar à nossa realidade. Um exemplo é o agro. O Brasil é muito forte nesse setor, mas as empresas estrangeiras não conhecem as especificidades do agro brasileiro para desenvolver robôs prontos para nossa realidade. Se elas fazem parcerias com empresas e pesquisadores brasileiros, conseguimos juntos entregar soluções realmente eficazes para o nosso campo. E isso vale para todas as áreas: indústria, comércio, serviços, marketing...
Há alguma área de vocês que se destaque pelo desenvolvimento?
Temos um bom desenvolvimento na área de resgate de vítimas, que é uma das ligas mais consolidadas, inclusive com robôs que já foram utilizados em catástrofes reais em países como Japão e Estados Unidos. Outra área que tem avançado bastante é a de robótica doméstica. Houve um crescimento expressivo, especialmente com o surgimento do ChatGPT, porque agora os robôs conseguem interagir com linguagem natural. E, claro, a principal área da RoboCup continua sendo o futebol de robôs. Ele é usado como modelo de problema para pesquisa, porque envolve diversos desafios ainda não resolvidos.
A China realizou recentemente o primeiro campeonato de robôs humanoides. Por que isso é tão importante?
Por exemplo, para ter carros autônomos circulando com segurança é preciso que eles atuem como um time, cooperando entre eles, lidando com um ambiente urbano complexo e dinâmico. Desenvolver a inteligência artificial coletiva, que permita essa cooperação entre máquinas, é um dos maiores desafios. E é justamente isso que o futebol de robôs nos permite testar e aprimorar. O objetivo é desenvolver as habilidades dos robôs, a inteligência artificial coletiva. Nos outros desafios da robótica, geralmente temos sistemas individuais. Mas no futebol de robôs é diferente. Eles precisam trabalhar em conjunto, tomar decisões em tempo real e reagir como uma equipe.
Sendo o evento a Copa do Mundo da robótica, quais os destaques da edição?
O Brasil está com a maior delegação, 45 times. A explicação é simples. Muitas equipes brasileiras enfrentam dificuldades para participar dos mundiais fora do país. Os custos são muito altos, tanto das inscrições como as viagens. Com o mundial sendo no Brasil, ficou muito mais viável para equipes virem a Salvador. Isso fez com que o Brasil chegasse este ano com a maior delegação, seguido da Alemanha, com 26; China, com 17; Estados Unidos, com 16; Japão e México, com 15.
E qual a relevância da presença das ligas asiáticas no evento? O que podemos aprender e trocar com eles?
Entre os países asiáticos, além da China, temos o Japão, a Coreia do Sul (quatro times), que, inclusive, será a próxima sede do mundial, e outros. Essa interação é extremamente importante. Nós aprendemos muito com eles, e eles também aprendem conosco. Há uma iniciativa na RoboCup chamada Super Teams. Depois da competição principal, os organizadores formam times mistos. Para exemplificar, uma equipe do Brasil junta-se com uma da China. Esses grupos precisam resolver juntos um novo desafio, ali mesmo, em tempo real. É uma dinâmica que estimula a cooperação entre pessoas de diferentes culturas. O networking na RoboCup é muito valioso. Todos interagem bastante. E, para o Brasil, isso representa uma oportunidade única, especialmente de aproximação com o público asiático. No dia a dia, mesmo em cidades turísticas como Salvador, temos uma convivência muito maior com europeus, norte-americanos e canadenses. O público asiático é menos presente, especialmente no Nordeste. Em São Paulo há uma comunidade asiática mais forte, mas aqui não é tão comum. Então, com a RoboCup, temos uma oportunidade real de acesso a essa cultura. E isso vale tanto para quando recebemos os estrangeiros, quanto para quando levamos nossos estudantes para fora. A equipe que coordeno na Universidade do Estado da Bahia já participou duas vezes de eventos na China. Foram experiências maravilhosas para todos.
E quando falamos de IA, especificamente, o que o Brasil pode aprender ou ensinar para essas empresas que hoje lideram esse mercado?
A inteligência artificial tem aplicações amplas e a China se destaca no desenvolvimento de robôs avançados com custos mais acessíveis. Eles desenvolveram robôs humanoides, quadrúpedes e outros tipos com habilidades incríveis. As empresas americanas e europeias ofereciam soluções excelentes, mas com custos altíssimos até para o setor corporativo. Os chineses conseguiram mudar essa lógica. E é aí que o Brasil pode colaborar muito, pois conhece bem os próprios desafios no agro, na saúde, no varejo, na educação e pode contribuir com soluções adaptadas à realidade local. A combinação do nosso know-how com a tecnologia chinesa tem grande potencial para gerar soluções práticas e eficazes, com real impacto no dia a dia. Vejo com clareza o potencial de parceria entre empresas brasileiras e chinesas.
Dentro desse cenário, o que os profissionais de marketing e publicidade precisam ter no radar para atender a esse possível crescimento?
Acho que um dos pontos mais importantes que ainda está um pouco incipiente nesse mercado é fomentar o que chamamos de eventos de negócios. É algo que já acontece em outras áreas, mas aqui ainda precisa ganhar força. E aí que entra o profissional de marketing, que tem um papel fundamental, porque muitas vezes é ele quem organiza ou promove esses eventos, quem articula, quem conecta os pontos. O marketing tem esse poder de criar o ambiente para o networking acontecer. Muitas vezes, empresas da China, do Japão e de outros países querem se conectar com o Brasil, mas não sabem com quem falar. E, ao mesmo tempo, empresas brasileiras estão ávidas por esse contato, mas também não sabem como fazer. Criar eventos, feiras de negócios, encontros, onde esses agentes possam se encontrar, se apresentar, mostrar suas soluções e suas demandas é crucial.
Como profissionais de humanas podem se qualificar melhor para atender essas demandas?
O Brasil se afastou das ciências exatas nas últimas décadas. As engenharias perderam prestígio e muitos migraram para áreas como direito, comunicação e administração. O resultado é um país com poucos engenheiros, diferentemente da China, que investiu nesse caminho há 20 ou 30 anos, ou da Coreia e, antes deles, o Japão. Precisamos agir em duas frentes. A primeira é estrutural: incentivar desde cedo a formação em exatas, como fizeram os asiáticos nas últimas décadas. Mas há também o que fazer agora, com quem já está no mercado e vem de áreas não técnicas. É preciso tornar o conhecimento em inteligência artificial acessível e aplicável. Por isso, têm surgido muitas iniciativas voltadas à aplicação de inteligência artificial nos negócios. Eu mesmo criei a Mentoria Odisseia, voltada a pessoas de áreas como marketing, vendas, jornalismo, corretagem. Nela, compartilho minha experiência de mais de 22 anos com IA, mostrando como usar essa ferramenta de forma estratégica, sem precisar saber programar. O diferencial das novas IAs, como o ChatGPT, é justamente romper a barreira da linguagem técnica. Agora é possível interagir com a tecnologia usando a linguagem natural. Isso democratizou o acesso e está provocando uma verdadeira revolução.
Como instituições, como a RoboCup, podem ajudar o Brasil a se planejar melhor diante de uma revolução tecnológica como essa?
Trabalhar com robótica exige planejamento de longo prazo. No nosso laboratório da Uneb começamos a desenvolver um robô de serviço em 2013. Ele foi classificado para competir na RoboCup em 2015, mas depois passamos anos reformulando o projeto até conseguirmos competir novamente agora, em 2025. Esse tipo de processo forma profissionais com visão estratégica, organização e capacidade de execução ao longo do tempo. Temos o know-how de planejamento comparável ao de países como Suíça e Japão, o que nos falta é escala. Um caminho é envolver esses profissionais na criação de políticas públicas estruturadas, desde a base educacional. O brasileiro, em geral, não é ensinado a planejar – não por falta de capacidade, mas porque isso não é valorizado na formação básica. Ensinar noções simples, como planejamento pessoal e gestão financeira desde a infância, pode fazer grande diferença. A RoboCup Brasil, como associação civil sem fins lucrativos, está à disposição para colaborar com estados, municípios e o governo federal em ações estruturantes