“A era digital espantou a inércia”, diz Sandra Martinelli, presidente-executiva da ABA
Eleita pelos organizadores do Fórum de Marketing Empresarial como Dirigente de Marketing de 2019, Sandra Martinelli atua como presidente-executiva da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes). Nesses cinco anos, seu foco foi fortalecer relações, das instituições do trade às agências, dos canais de mídia aos fornecedores do ecossistema. E intensificar o valor transformador que o marketing pode agregar às empresas. Na agenda da ABA, Sandra deu voz a temas como compliance, advocacy, ética, transparência e boas práticas. O Fórum ocorre de 23 a 25 de agosto, no Guarujá, em São Paulo, com organização da Editora Referência e do Lide (Grupo de Líderes Empresariais). Confira a entrevista de Sandra Martinelli.
Sandra Martinelli, Presidente-executiva da ABA, é a Dirigente de Marketing de 2019
FATOR HUMANO
Vivemos em uma era marcada pela disponibilidade de dados. Claro, o marketing precisa e deve se utilizar desse expediente. Mas não podemos tirar do foco o protagonista de qualquer negócio: o cliente, que é uma pessoa. Ter um olhar direcionado apenas para o lado consumidor de um homem ou de uma mulher significa engessar uma relação que pode ser consistente e duradoura. Ainda bem que a maioria das marcas está bem atenta a esse aspecto. Tanto que continuam sendo líderes dos seus segmentos de negócios, porque unem qualidade de produto, capacidade de transformação e compreensão das reais necessidades dos seus usuários. O marketing conversa com pessoas e isso vai ser intensificado por meio das soluções on demand que a tecnologia propicia. Sou mãe, mulher, esposa e filha. E também prezo a amizade de pessoas. Família é dependente 100% de pessoas. E os principais anunciantes globais direcionam sua comunicação às famílias. Lembra-se da campanha Se sujar faz bem de OMO? Mostra uma realidade familiar clara e uma solução para não gerar estresse. Molecada suja roupa mesmo. Viu como o marketing humaniza?
PRÊMIO
Ser distinguida como Dirigente de Marketing do Ano desse evento do Lide e da Editora Referência, do mestre Armando Ferrentini, é algo marcante e que me emociona. Por quê? Porque é um reconhecimento aos meus 35 anos em marketing, especialmente aos cinco anos na ABA, que é presidida atualmente pela Nelcina Tropardi, vice-presidente de Sustainability & Corporate Affairs da Heineken Brasil, uma líder que sabe conjugar o verbo humanizar e passa isso para toda a cadeia de anunciantes de forma prática e objetiva. A ABA direcionou os seus esforços para mobilizar o marketing. Isso não é uma novidade, mas, na era da interatividade/reatividade, passou a ser crucial. Por isso, estimulamos em todos os nossos comitês a busca por uma compreensão holística e consistente do propósito mercadológico de uma marca, produto ou serviço. Ou seja, tornar aderente uma linha de raciocínio compartilhada por todos os C’levels. Sinto-me muito honrada de me juntar a profissionais, de empresas associadas à ABA que receberam esse prêmio anteriormente, entre os quais Daniela Cachich, da PepsiCo; Paula Lindenberg, da Ambev; e Paulo Koelle, da Procter & Gamble.
RELEVÂNCIA
A agenda 2020 foi orientada pelo conceito Mobilizar o Marketing para Transformar os Negócios e a Sociedade. Conseguimos abrir uma grande interlocução da ABA com o mercado para mostrar que o marketing é uma atividade que exerce um papel fundamental no crescimento econômico. Agora estamos elaborando um plano para os próximos cinco anos. A consultoria Amelie, de Olga Martinez, a mesma que nos ajudou a formatar o primeiro projeto, está fazendo pesquisas e observando os cenários necessários para a elaboração desse documento, que será apresentado ao conselho e à diretoria da ABA ainda neste segundo semestre pela Nelcina Tropardi.
DADOS
Uma preocupação constante é com a privacidade das pessoas. A tecnologia avança e não podemos fazer vista grossa para a inovação. Mas isso não significa ir além do ambiente ético é aceitável. Tudo começa pelo respeito, como diz a campanha da TV Globo, também se aplica aos dados. A Lei Geral de Proteção de Dados vai garantir um ambiente ponderado e resiliente. E é tema da agenda do nosso comitê jurídico, que lançou um guia há dois meses. O anunciante não quer invadir a privacidade alheia.
MULHER
O empoderamento feminino é uma questão que continua sendo essencial. Lembra da campanha Fearless, que ganhou tudo em Cannes há três anos? Foi um marco. Ano passado o conteúdo sobre gênero e diversidade ficou mais evidente. A questão racial chamou mais a atenção em 2019. O que quero dizer é que apesar de outras necessidades do processo de transformação ter mais protagonismo em algum momento, a questão da mulher no ambiente de trabalho veio para ficar. Somos todos iguais neste mundo que não admite mais tabus, preconceito e determinismos. Equidade não é um apelo sazonal. É mais do que uma conquista. A mulher entrega as suas tarefas com eficiência. E paga o mesmo preço quando vai estudar a especialidade que escolheu. O conhecimento é o verdadeiro empoderamento feminino.
SHARE
As mulheres agregam um valor extra ao universo mercadológico porque, em primeiro lugar, são consumidoras conscientes. O velho clichê sobre a mulher ser do lar deu uma consistência mais sensível para as suas escolhas, mesmo nos momentos que praticam indulgência. O mar- keting ganha com isso porque a mulher é um ser que não dá bola para o oportunismo. A mulher é racional quando precisa ser. Esse pragmatismo, porém, revela que o ato de consumir não significa ser consumista, mas isso também é questão de bolso e estilo. Luxo é o que se pode comprar. O que quero dizer é que as marcas que têm mulheres no comando das suas estratégias de mercado mudaram abordagens e elevaram taxas de share.
PROPÓSITO
Marketing e propósito deram as mãos. E essa relação virou love. Isso é bom! Porque para construir love brands é preciso fazer romance com o consumidor, que busca algo maior para retribuir as propostas que recebe por meio da comunicação de marketing. Há notória transformação no discurso das marcas e essa combinação deu liga. Até bem pouco tempo as campanhas com o viés de causa eram questionadas. Até mesmo em Cannes a cobrança pelo alto volume de trabalhos com esse perfil era uma realidade. Mas, repentinamente, tudo mudou. Ter propósito passou a ser uma exigência mercadológica.
ANUNCIANTE
Cada vez mais os anunciantes ocupam o Palais des Festivals de Cannes para observar. Já não é um grupinho. Estão
de olho na surpresa para se inspirar e comparar. Estar junto das as suas agências de comunicação, do PR, live marketing à publicidade amplia essa motivação de buscar na criatividade a solução para as interações tão necessárias. O marketing é o vetor para aproximar uma marca das pessoas. E ser amada por elas. Os atributos que ela embutir nos mecanismos de comunicação é que vão mostrar se o seu comportamento tem voz afinada. Ou não!
TECNOLOGIA
A transformação da ABA tem como ponto de partida o fator humano. Mais pessoas participam das atividades e contribuem com o seu conhecimento para aprimorar métricas e postura. Por exemplo, a presidente eleita Nelcina Tropardi colabora com a entidade há mais de 20 anos e durante cinco anos está na diretoria e no conselho da entidade. Os profissionais de associadas da ABA, das áreas de marketing, procurement, public affairs, mídia, branding, negócios, gestão etc. estão construindo visões, mapeando boas práticas, debatendo ‘pain points’. Para que
os anunciantes incorporem um novo olhar. O anunciante participa, está junto e é parceiro. A tecnologia é um facilitador das interações. Das marcas com as pessoas. E vice-versa. O ato de se reinventar significa deletar
a acomodação que pode ser paralisante, mesmo que tenhamos domínio pleno de disciplinas e técnicas. O importante é pegar esse conhecimento e adaptá-lo às novas realidades que vivemos diariamente. A era digital espantou a inércia. Buscar o novo significa dar vida à disrupção.
ADVOCACY
As relações com o poder público têm as suas sutilezas, mas a técnica de estabelecer e manter esses contatos vivos estão na raiz do conhecimento adquirido ao longo de uma carreira. Hoje, com a colaboração essencial dos integrantes dos comitês jurídico de relações governamentais, participo com a equipe da ABA de audiências públicas, mantenho reuniões importantes com o Cade, discuto temas do marketing com deputados, senadores, juízes e as entidades corporativas do mercado. O importante é apresentar a ABA, seu propósito e suas ações em prol do marketing responsável.
EDUCAÇÃO
Todos executivos das empresas anunciantes só estão nas suas posições porque estão sempre em busca de mais conhecimento. Mas acreditamos que as culturas adquiridas nas escolas e na vida executiva precisam ser compartilhadas. Treinar as novas gerações é uma necessidade cotidiana. Ciente disso, temos o projeto ABA Academy, com a ESPM. O nosso interesse é incentivar o talento e garantir que cada um deles possa estar preparado para enfrentar os desafios futuros. Além disso, fazemos 13 eventos todos os anos em sete capitais. Queremos compartilhar o que aprendemos, o que sabemos e o que experimentamos.
CANNES
Uma das maravilhas do Cannes Lions é a diversidade da programação. É lindo ver como as marcas utilizam a comunicação de uma maneira que conecta as pessoas por meio de formas esclarecedoras, mas nem sempre usuais. Nas minhas anotações estão coisas que impressionam, ora pelo craft, ora pela grandiosidade. Mas o que fica mesmo é a simplicidade criativa, como gosta de enfatizar o publicitário carioca Gustavo Bastos, da agência 11:21. Tem algo que também ajudou a ativar as minhas sinapses: o formato de 30 segundos, tão questionado, ainda tem uma relevância incrível. Eles estão em todas as categorias. O que mudou é a forma de embutir o conteúdo nesse tempo exíguo. E com criatividade. E visão multiplataforma. Como não pensar no trabalho “ThisAbles”, que ganhou o Grand Prix de Health & Wellness? Uma obra prima temperada com uma simplicidade tão grande que chega a espantar a objetividade do conceito. E completamente aderente ao propósito desse anunciante.