"A escrita nunca vai morrer"
Há quase 60 anos no Brasil, a francesa BIC se ambientou tão bem à cultura local que, até hoje, há quem acredite que seu nome seja a sigla para “barbeador, isqueiro e caneta”. De fato, é inegável a representatividade do mercado local. Atrás apenas dos Estados Unidos, divide a vice-liderança global com a matriz francesa, e se destaca por abrigar a única fábrica que produz itens das categorias papelaria, lâminas e isqueiros. Nesta entrevista, Rodrigo Iasi, diretor de marketing da BIC, fala sobre o volta às aulas e os desafios do papel frente às novas tecnologias.
Rodrigo Iasi é diretor de marketing da BIC
Como estão distribuídas as unidades de negócios da BIC?
Temos três áreas de negócios no Brasil: papelaria, isqueiros e lâminas de barbear e depiladores. Eu sou responsável pelo marketing de todas as categorias, mas cada uma tem um gerente próprio. As operações estão muito sólidas no portfólio e trazem o DNA da marca, tendo como propósito oferecer soluções simples e acessíveis. Quando a gente fala de papelaria, nosso foco na comunicação é a mãe, principal decisora no volta às aulas dos filhos. A BIC é referência em papelaria e isso se dá por causa da caneta esferográfica. Essa é nossa herança. No caso de isqueiro, a BIC tem liderança solidificada e forte. Temos 80% de participação de mercado, segundo dados auditados pela Nielsen. Já na categoria de lâminas, a BIC é vice-líder global e busca aumentar a sua participação. Com a tecnologia de três lâminas, nos igualamos ao que há de melhor no segmento, mas com o diferencial de preço: os produtos são de 10% a 15% mais acessíveis que o concorrente.
A participação no mercado está ligada com o acesso e a distribuição dos produtos?
BIC investe muito forte na malha de distribuição principalmente nas categoria de isqueiros e de lâminas. Estamos com novos parceiros para garantir que independentemente do perfil da loja, da menor a maior, da região do Brasil, que os produtos estejam disponíveis nas mais diferentes formas. Essa é nossa essência. Ter produtos acessíveis e disponíveis a todos.
Papelaria é o carro-chefe?
A BIC tem uma essência forte em papelaria, mas hoje em relação a negócio, a gente pode dizer que 1/3 do faturamento é papeleria, 1/3 isqueiro e 1/3 é lâmina, é bem equilibrado. Do ponto de vista de marca, temos um core forte em papelaria porque a empresa nasceu daí, por isso sua maior relevância.
Qual é a representatividade do mercado brasileiro?
O tamanho do Brasil ajuda a explicar sua representatividade em relação à matriz na França. É um país de 200 milhões de habitantes, está entre as dez maiores economias do mundo, então, tem potencial de consumo enorme. O que ajuda a explicar também do ponto de vista socioeconômico é que as classes C e D predominam em volume. Com esse perfil, produtos como os da BIC, que dão acessibilidade, têm vantagem competitiva. Desde que entramos no Brasil trouxemos essa ideia de produtos simples e acessíveis. Ganhamos mercado muito rápido nos últimos 60 anos. O Brasil foi um dos primeiros países que a BIC fincou o pé. De cara, os brasileiros entenderam bem nossa proposta. Trouxemos uma solução que encaixou muito bem com a capacidade econômica e os anseios do consumidor. O Brasil foi um dos primeiros países a ter fábrica própria. A unidade de Manaus é a única no mundo que fabrica as três categorias de produtos. A marca vem se fortalecendo naturalmente aqui e hoje é a segunda ou terceira no mundo, atrás dos Estados Unidos, e, às vezes, dependendo do câmbio, atrás ou à frente da França.
Essa relevância se traduz em autonomia da operação brasileira?
A operação local tem bastante autonomia, porém a gente responde à liderança para América Latina. A BIC regional fica no México e, de lá, eles respondem para o global. A gente tem muita liberdade por ser a principal operação, somos responsáveis por 65% da região. Mas as estratégias são sempre bem desenhadas como um todo. Queremos ter consistência de marca por completo.
Há uma grande discussão sobre tecnologia e como o papel tende a perder valor. Essa é uma preocupação da marca?
Nos países em desenvolvimento, há uma situação com mais oportunidades. No Brasil, cerca de 30% da população não tem acesso à caneta. Em mercados mais desenvolvidos, talvez você não tenha uma situação tão preponderante, mas a escrita nunca vai morrer, muito pelo contrário. O que temos visto é um mercado que está crescendo. As novas tecnologias são complementares. Há espaço para todo mundo. A BIC tem alguns estudos que mostram todos os benefícios do aprendizado pela escrita em vez do aprendizado binário através da digitação. A escrita traz uma memória melhor, associações mais rápidas, ajuda no raciocínio lógico. E as escolas têm acompanhado esse movimento.
Nessa proposta de valorização da escrita, a BIC tem investido em alguns projetos com escolas públicas. Como funcionam?
A grande preocupação da BIC na esfera social é a educação. Essa é nossa essência globalmente. É a melhor maneira de desenvolver a sociedade, torná-la sustentável, pensar num futuro. No Brasil, temos algumas frentes. O mais recente é o Projeto Escolas, que começamos em 2017. Já são 200 instituições com foco em SP, RJ e MG onde oferecemos oficinas voltadas para estimular o colorir. Atuamos com crianças de 3 a 10 anos. É um momento de aprendizado lúdico. E o plano para 2018 é expandir esse projeto para mais escolas e estados.
A marca adiantou o lançamento do volta às aulas em 2017 e criou uma gerência para planejar as estratégias do período. Qual balanço faz dessa iniciativa?
A gente percebeu que cada vez mais havia demanda das mães se planejando mais cedo, as escolas e o próprio varejo. O volta às aulas de 2018 vem de um processo que começou há um ano. A gente mapeou todas as atividades no processo, desde fábricas, logística, vendas, todas as unidades que precisavam estar organizadas para que o volta às aulas ocorresse de forma eficiente e antecipada. Tudo isso trouxe mais rentabilidade e agilidade. Para os parceiros de varejo, a BIC está se tornando benchmark de processo de volta às aulas. A gente começou a colher os frutos em 2017 com crescimento de 17%. E para 2018 a gente está otimista porque o processo está bem maduro, robusto.
A gerência de volta às aulas tem outras funções?
Sim, é responsável por organizar todo nosso processo de inovação. A gente sabe que o mercado de papelaria demanda novidades. Essa inovação passa pelas lojas e em toda comunicação. Garantir que o PDV esteja alinhado, com uma comunicação mais moderna, alinhado com as novas campanhas a fim de impactar as mães no momento certo de compra. Tudo isso demanda sincronismo e organização, porque o volta às aulas é um período curto, de dois ou três meses no máximo, com muita concentração de marca e consumidores comprando ao mesmo tempo.
Essa presença no PDV tem a ver com a renovação de design que vocês fizeram recentemente?
Exatamente. Estamos com nova identidade visual. A ideia veio de uma estratégia regional, então todos os mercados da América Latina, se você for ver, têm a mesma identidade. Ela passa muito do colorido e do divertido da marca, de forma simples. Os produtos são os grandes destaques. Toda a comunicação é orientada pelos produtos bem destacados e os benefícios bem claros e conectados ao que o consumidor está buscando. Temos também um selo de endosso dos professores que mostra que 9 entre 10 recomendam a marca.
A partir de agora essas ações serão intensificadas?
Hoje somos a marca de papelaria que mais investe em comunicação. Vamos continuar com essa proposta em todos os pontos de contato do consumidor, pensando principalmente na mãe como shopper. Estamos com uma nova campanha, da Y&R, que vai até março. Ela tem um foco em digital, onde o consumidor acessa, pesquisa e se orienta, mas também em TV. É a campanha de BIC Fashion. Temos feito também um trabalho com os balconistas de papelaria.
Quais são os desafios para o crescimento e o aumento de share?
Cada categoria tem seu desafio e particularidade. Isqueiro, o desafio é defender nossa liderança, que já é expressiva. Garantiremos esse espaço através da qualidade.Nosso isqueiro é muito superior em relação à concorrência. Nosso desafio é defender essa liderança principalmente contra o mercado paralelo, pirata e de falsificados. Esses produtos, além de serem ilegais e penosos para a economia, são perigosos para o consumidor. Um isqueiro é como se fosse uma célula de energia portátil. E ele provoca fogo. A gente garante a qualidade do produto, ele pode ficar no sol, deixar cair e não vai ter problemas. Já as marcas piratas podem causar danos graves. Por isso a gente bate muito nessa tecla de qualidade do produto.
E quanto às demais categorias?
Em relação à papelaria, a BIC tem muita força de marca que vem da caneta esferográfica, tanto que a nossa liderança é absoluta em vendas e percepção do consumidor. Nosso desafio agora é mostrar que a BIC é muito mais que a caneta, temos um portfólio completo, com uma linha de marcadores, canetinhas, lápis de cor etc. Já na categoria de lâminas, BIC é a segundo player global em vendas. Nosso desafio no Brasil é ganhar market share. Hoje temos 24% de participação no mercado de lâminas descartáveis e em até três anos queremos atingir 30% de participação. Então, é solidificar nossa vice-liderança com foco grande nos produtos de três lâminas, que são de melhor performance e de maior valor agregado. Investimos também bastante em sampling porque a gente tem um produto campeão, então a gente só precisa que o consumidor experimente esse produto.