A foto, o filme

Supostos especialistas continuam fundamentando comentários e conclusões em cima de fotos. Têm preguiça de assistir ao filme. De mergulhar. De conhecer a história por inteiro. Mais ou menos como me contou certa feita Washington Olivetto, em frente ao rodeio, fim dos anos 1980, sobre um comercial que acabara de criar. A cena é um homem correndo na praia e seu lindo e querido cão correndo atrás para acompanhá-lo. Apertado o botão play, e o filme rodando, a realidade é bem diferente. Um homem correndo pela praia atacado por um cão tentando morder seu calcanhar… Quase toda a imprensa publicou em manchetes e sem perder um único segundo para raciocinar um absurdo. Bateu os olhos na foto, concluiu e sentenciou: “Ricos vão às compras no Atacarejo”.

Atacarejo é uma bobagem do ponto de vista do consumidor final, mas que faz algum sentido para os comerciantes. Um lugar melhor e mais prático do que os grandes armazéns atacadistas, permite compras em quantidades menores, com cara e serviços de supermercado no plano racional, mas sem nenhum dos atrativos que interessam, sensibilizam e atraem – de verdade – pessoas físicas enquanto consumidores. Um tédio! Mas, quebra o galho e facilita a vida de comerciantes, ambulantes, camelôs e assemelhados.

Caíram na fotografia da consultoria Kantar Worldpanel. Que não está errada, mal revelada ou fora de foco. É apenas uma fotografia, não é um filme e como tal deveria ser considerada e qualquer conclusão ater-se ao momento da foto. O que disse a Kantar? “No ano passado, 2015, 49% das famílias das classes A e B foram pelo menos uma vez se abastecer nos Atacarejos”. O que não disse a Kantar? E nunca mais voltaram! Trata-se da SES (Síndrome da Experimentação Singular). Alguém comenta e recomenda ou ouve falar ou lê alguma notícia, e decide conferir. Vai, e nunca mais volta. Pela simples razão, repito, que Atacarejo é um porre e não tem nada a ver com o consumidor diplomado e moderno, independentemente da terrível crise econômica que assola o país.

Aí vai o jornal e fotografa três carros supostamente de luxo no estacionamento. Cruza com dois socialites que “casualmente” corriam as gôndolas do Atacarejo naquele momento e arranca deles comentários do tipo “reduzi meus gastos em 50%” ou “estou de olho nos preços”, e a fotografia tenta virar filme e tornar-se realidade. Mas não tem a mais pálida consistência. Permanece a quilômetros de distância de uma eventual verdade. Ainda bem que a sandice não subiu à cabeça dos gestores das grandes redes que possuem lojas de Atacarejo. Ouvidos pelo Estadão, o jornal registrou: “Os líderes do segmento de Atacarejo, o Atacadão, do Grupo Carrefour, e o Assai, do Grupo Pão de Açúcar, notaram aumento do número de clientes, pessoas físicas em suas lojas, mas as empresas não têm condições de avaliar se houve um crescimento de consumidores de maior poder aquisitivo”. É isso, não houve. Foram experimentar e adeus.

Steve Jobs sacou 20 anos antes da quase totalidade das empresas que nós, consumidores modernos e diplomados, temos um check-list espontâneo e natural antes de decidirmo-nos por uma compra, produto, loja, marca. Primeiro exigimos design. Não só no produto, mas no conjunto da obra – empresa, comportamento do empresário, local onde o produto é vendido, propostas contidas na comunicação e outras 16 virtudes adicionais. Depois não abrimos mão de conhecer a narrativa, a história por trás do produto, empresa, marca.

Na sequência tem de ser lúdico – bonito, instigante, acolhedor, claro, limpo, gostoso (tudo o que o Atacarejo não é – socorro!). E no contexto adequado, revelando empatia e correspondência plena entre a promessa e a entrega – autenticidade. E transcendência na prestação dos serviços em relação a todos os demais concorrentes. Pode ser que a falta de grana momentânea nos leve a concessões tipo ir uma vez aos Atacarejos. Mas, recuperada parte do poder aquisitivo, e do juízo, mais o impacto da péssima experiência, Atacarejos nunca mais!Tão simples quanto. Agora, para os comerciantes, ambulantes, camelôs, uma ótima alternativa.

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)