A história de um calendário
O ano era o de 1964. Tudo o que a Pirelli queria era também ter o seu calendário. Nos mesmos moldes das empresas britânicas. E, assim, o primeiro foi criado e produzido na Inglaterra. Criado pelo diretor de arte Derek Forsyth e pelo fotógrafo Robert Freeman. O cenário desse primeiro calendário, a Praia de Mallorca, com mulheres desfilando de biquínis, e seus exemplares apenas oferecidos aos melhores clientes da empresa.
E tudo seguiria naturalmente não fosse a temperatura ir subindo no mundo, nas metrópoles, nas noites, e no ano de 1972, alguns modelos aparecem no calendário de seios à mostra. Isso provocou fortes discussões e a empresa, para não alimentar a polêmica, decidiu cancelar o projeto. Assim, depois dos primeiros peitos ao vento, o calendário ficou fora do ar de 1975 a 1983.
Retorna em 1984, valorizando mais os pneus da Pirelli. Em 1987, um primeiro calendário exclusivamente com modelos negras, que pontifica Naomi Campbell. Na época, com 16 anos.
No ano seguinte, diante do burburinho das mulheres negras, novidade: um calendário exclusivamente de homens famosos. Dentre outros, B.B.King, Bono Vox, Robert Mitchum. A partir de 1994, o calendário muda-se da Inglaterra para Milão. E durante quase duas décadas prevalecem mulheres em fotos sensuais e eróticas. E aí as modelos famosas vão se revezando. Miranda Kerr, Ana Beatriz Barros, Lily Cole.
No meio do caminho um pequeno problema. No ano de 1986, toda uma edição clicada por um dos grandes mestres da fotografia, Helmut Newton, foi censurada. Por sinal, o meu calendário preferido. Simplesmente apoteótico. Mulheres descomunais, exuberantes, de uma sensualidade magnificada… Mas, publicado integralmente e no original anos depois, em 2013.
E, em 2016, pontificam mulheres inspiradoras clicadas pelo talento e competência da saudosa e emblemática fotógrafa Annie Leibovitz. E, no fim de 2018, como de hábito, começou a circular o do ano seguinte. Tema: aparições e desejos de quatro mulheres. Uma pintora, Laetitia Casta; uma socialite, Gigi Hadid; uma bailarina encantada, Misty Copeland; e uma fotógrafa, Julia Garner. E o tema de fundo e a linha condutora das fotos, o movimento Metoo.
E apenas, ou tudo, o que a Pirelli queria, em 1968, era não ficar atrás de seus concorrentes britânicos. E acabou produzindo uma das mais legendárias peças dentro do território e da história do branding. Tudo – ou quase – pode constituir-se num emissor de sinais e códigos de comunicação de você, seus produtos, empresas. Dependendo, claro, da qualidade do planejamento e da execução.
A Pirelli converteu o que poderia ser mais um calendário num estandarte magnífico, num andor beatificado e de impacto mundial, nervosamente aguardado, absurdamente comentado, impactando a cada mês de novembro diante da expectativa pela revelação do calendário Pirelli de cada ano. Resgatando o calendário das paredes sujas de graxa das oficinas e borracharias do mundo, para o topo dos comentários e admiração da opinião pública mundial, incluindo exposições e paredes dos mais importantes museus de todo o mundo. Mais um caso espetacular de serendipismo. E, quando isso acontece, a epifania é inevitável.
Desde seu primeiro exemplar, o Calendário da Pirelli vibra, impacta, reverbera, repercute e agrega inestimável e poderoso valor à marca.
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)