“A la orden”
No início do mês, passei uma semana em Cartagena das Índias. Não conhecia. A área amurada da cidade é muito bonita e bem conservada. O calor é insuportável e a abordagem de vendedores, insana. Nunca fui tão assediado por ofertas de tudo o que se possa imaginar em nenhum outro lugar a que tenha visitado. Nem os meninos que vendem fitinhas do Senhor do Bonfim no Pelourinho são tão chatos.
Não se dá cinco passos sem escutar o indefectível “a la orden”. Vendedores de bugigangas, de charutos, de frutas, de refrescos, de qualquer coisa, se atravessam na nossa frente numa boa para apregoar insistentemente os seus produtos. É impossível passar diante de um restaurante sem ter a trajetória interrompida por alguém segurando um cardápio a repetir como um mantra “a la orden”.
Decidi com meu irmão que só entraríamos em lugares em que não sofrêssemos essa pressão. Deu certo. Comemos bastante bem. À noite, aparecem os vendedores de “señoritas”, alguns levando a “mercadoria” ao vivo, como foi o caso do sujeito que me pôs “a la orden” a jovem loira que o acompanhava, acrescentando que ela era mexicana. Antes que comecem a me achar um rabugento, explico que a experiência me fez refletir sobre as semelhanças entre esse tipo de abordagem presencial e a invasão online das nossas vidas.
Da mesma forma com que os vendedores de Cartagena determinam que se você está lá é para ser abordado para que compre o que eles vendem, os vendedores online também decidem que, se você está conectado na internet, é para ser abordado para que compre o que eles vendem. Tornou-se tudo muito natural. Não há pudor nem constrangimento. Não há suspeita ética. É como se todos tivéssemos a missão de comprar, a fim de que a roda do mercado gire e sustente a dinâmica da economia.
Você não escolhe, é escolhido. Você não decide, já que as pesquisas robóticas já decidiram “o que você quer”. Categorizado por segmentos, fecha-se um círculo no seu entorno, em que já está previamente definido pelo que você “fatalmente vai se interessar”.
O robô que me assedia online não “pensa” diferente do gigolô da travessa de Cartagena que, ao ver um senhor à noite, vagando pela cidade, detecta que ele quer uma “señorita”. A um faltam os mesmos escrúpulos que ao outro. Se acertarem um terço das abordagens, terão confirmado o êxito da programação. Será um case. Dos dois terços restantes, talvez um terço fique indiferente e outro terço se aborreça. Feitas as contas, calculam que valeu a pena.
Os aborrecidos comporão uma minoria previsível. Presidentes e chefes de marketing de grandes corporações têm, no entanto, apontado os riscos desse processo invasivo que age simultaneamente, fingindo uma abordagem individual.
Com o tempo, aquilo que encantava pela novidade – a surpresa do obséquio personalizado – está perdendo o carisma. A credibilidade da comunicação online vem sendo corroída por um uso desrespeitoso e inconsequente. Aos poucos, apesar de todos os investimentos em tecnologia de ponta, as mensagens vão se convertendo num repetitivo, tedioso e pouco eficaz “a la orden”.
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)