"A liderança ainda está nas mãos, predominantemente, de homens"
Shelley Zalis é fundadora e CEO do Female Quotient, uma empresa focada em atuar no avanço da igualdade de gênero no ambiente de trabalho, através de diferentes soluções, que vão desde promover discussões e debates em espaços montados em eventos como Cannes Lions, SXSW, Davos e CES, a prestar consultoria para as lideranças das maiores empresas do mundo. Shelley atuou na área de pesquisa e foi a única CEO mulher entre as 25 maiores empresas do setor. Sua empresa, a Online Testing Exchange, foi vendida para a Ipsos em 2010. Sua missão, hoje, como ela diz, é “unir a indústria em torno da igualdade”.
“Somos a maior comunidade de mulheres apoiando mulheres nos negócios do mundo”
Como você criou o projeto Female Quotient?
Comecei o Girls’ Lounge há cerca de seis anos, com o objetivo de ser o contraponto ao “Boy’s Club”, o Clube dos Meninos. Costumo dizer que evoluímos de um momento para um movimento. Fui a única mulher entre os 25 maiores executivos do meu setor durante toda a minha carreira. Sempre me achei diferente, agi diferente, uma espécie de exceção para a regra, e foi daí que ganhei o apelido “chief trouble maker”. Eu costumava quebrar as regras e criar novas. Certo dia, queria ir para a CES (Consumer Electronic Show) e ouvi falar que haveria 130 mil pessoas, sendo menos de 3% mulheres. Era intimidador. Convidei quatro amigas, pedi que elas convidassem suas amigas e assim, 24 horas depois, éramos 50 mulheres chegando juntas à conferência. Duas coisas interessantes aconteceram ali: chamamos a atenção. E encontrei mulheres com as mesmas questões que eu, de equilíbrio e síndrome de impostora, entre muitas outras. Assim nasceu o Girls’Lounge e depois criei a minha empresa, o Female Quotient. Já conectamos mais de 80 mil mulheres globalmente. Somos a maior comunidade de mulheres apoiando mulheres nos negócios do mundo.
De onde vem o nome?
O nome FQ vem do fato de que se você adicionar mulheres a qualquer equação, haverá um ganho em igualdade. Não defendemos a ideia de que somos melhores do que homens. Apenas defendemos que as mulheres precisam ser incluídas na equação de maneira mais igualitária. É assim que se transforma a cultura.
Por que e para que montar os lounges?
Um dos pilares da nossa empresa é criar experiências – “pop up experiences” em conferências como Cannes, por exemplo. Não há como mudar qualquer ambiente sem interação. Sem conversas transparentes, autênticas. Temos feito os FQ Lounges em várias partes do mundo, é um lugar para receber as mulheres e conversar, discutir. Para mudar regras, temos de falar de liderança. A liderança ainda está nas mãos, predominantemente, de homens. Montamos cerca de 60 lounges por ano e o próximo passo é criar lounges permanentes em universidades de 117 países. Outro pilar é o Business of Equality – vamos nas 500 maiores empresas da Fortune realizar treinamentos de transformação de mindset com as lideranças. Para ajudá-los a se tornarem conscientes do que está inconsciente. Tenho uma equipe de cerca de 27 pessoas trabalhando nisso.
Na publicidade, a presença feminina evoluiu? Qual a sua visão da área?
Somos os cofundadores da hashtag SeeHer para criar novos parâmetros de igualdade na indústria, que possam ser medidos, especialmente quando se trata das indústrias de comunicação e entretenimento. Há mais de 90 grandes anunciantes envolvidos nisso. A #SeeHer está tornando anunciantes mais conscientes a respeito do tema em todo o mundo. Igualdade é uma escolha, e costumo dizer que muitas vezes o “viés inconsciente” não passa de uma boa desculpa. E se torna um mecanismo automático. Temos feito bootcamps dentro de empresas para falar sobre isso e diversas questões, como políticas internas, paridade e processos, com o intuito de desenvolver lideranças conscientes, criação consciente, produção consciente.
Os movimentos que defendem a igualdade de gênero muitas vezes têm sido acusados de colocar os homens em posição de permanente defensiva, deixando-os inseguros sobre como agir e sobre o seu lugar na conversa, ao não reconhecer que nem todos os homens são iguais. O que você acha disso?
Todos os movimentos que surgiram fizeram um ótimo trabalho criando conscientização e principalmente apontando maus comportamentos. No que acho que não fomos muito bons, foi em reconhecer que nem todos os homens são assim, e isso fez com que a maioria deles entrasse em defensiva, com medo de dizer a coisa errada, de serem acusados. Educação e conscientização são muito importantes no processo. Falamos da regra de platina – e não da de ouro. A de ouro é “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você” e a de platina é “faça aos outros o que gostaria que fizessem com você”. Porque as pessoas são diferentes. O que é apropriado para mim, pode não ser para você. O que estamos procurando fazer é orientar mulheres para que se, em algum momento, um homem a fizer se sentir desconfortável, que ela lhe diga. Antes que isso se torne uma questão. Ou uma denúncia. Ter times, nas empresas, mais diversos, facilita a maior compreensão entre as pessoas. Se você não se coloca no lugar do outro, dificilmente vai entender como o outro se sente. Simpatia é diferente de empatia. Empatia é o que move o mundo e, olhando para o futuro da masculinidade, é importante considerar tudo isso porque pelo menos 36% dos homens dizem que a cultura espera deles que eles sejam fortes, todo-poderosos, masculinos. Mas o fato é que os melhores líderes hoje têm qualidades femininas. Qualidades masculinas seriam ser assertivo, agressivo, linear, analítico. E qualidades femininas seriam, por exemplo, ser colaborativo, cuidador, ter paixão. São necessidades para a grande liderança hoje. Estamos trabalhando nisso. Criamos uma campanha chamada Make Equality Moves, em que abordamos microssentividade, microagressões e como criar microações para transformar. Dar passos adiante.
Como o Cannes Lions, por exemplo, evoluiu, na sua visão, em relação à igualdade de gênero?
Estamos em Cannes há seis anos, e começamos com o Girls’ Lounge. Se fizermos um balanço, temos hoje as mesmos questões – como igualdade salarial, representação feminina no palco, representação real de mulheres e meninas em anúncios -, mas o que mudou é que estamos mais conscientes dessas questões e estamos mais focados em soluções. Estamos indo para além da conversa, para criar soluções para mudanças e ações de responsabilidade. Estamos transformando a mudança em uma escolha consciente.
Que marcas hoje são parceiras do projeto, ajudando a mantê-lo forte?
Temos mais de 40 parceiros no FQ Lounge, comprometidos com o avanço da igualdade, desde empresas de mídia como o The New York Times, até empresas de serviços financeiros como o Citibank, a empresas de consultoria como a PwC. Gosto de dizer que somos movidos a colaboração, “powered by collaboration”, e não a dinheiro. Juntos vamos mais longe, e mais rápido.