A mídia é mais do que entretenimento

 

Managing director da Ipsos MediaCT Brasil – divisão especialista em mídia, conteúdo e tecnologia da Ipsos –, Flavio Ferrari assumiu sua função no início deste ano, com o know-how de quem atua na área de mídia e comunicação há cerca de 30 anos, boa parte deste período em empresas como o Ibope e agências de publicidade, caso da Lintas. Em entrevista ao propmark, o executivo analisa o atual cenário da mídia brasileira, onde os consumidores exercem cada vez mais influência sobre os veículos de comunicação. E diz o que as marcas devem fazer para se sobressaírem neste contexto.

Quais as principais funções do Ipsos MediaCT?
Somos a unidade de negócios da Ipsos especializada em um entendimento de mídia no contexto de que mídia é a expressão do conteúdo por meio das diversas plataformas tecnológicas. O nosso grupo de trabalho aqui é especializado em análise e avaliação da geração de conteúdo, nos players relacionados à mídia. E quando digo players relacionados a esta área, é que atendemos não só os veículos de comunicação tradicionais, como também aqueles ligados ao mundo digital, caso de Google e Facebook, além das empresas de tecnologia, casos das companhias de telecom, por exemplo, que geram conteúdo por outras portas. Todo mundo que está relacionado de alguma maneira à produção de conteúdo está dentro de nossa especialidade. O interessante é que somos a única empresa do segmento dedicada à pesquisa de mídia neste sentido mais amplo, que vai além da medição de audiência, mas sim entender todo contexto que a mídia proporciona hoje.

Seria o diferencial da atuação de vocês?
Sem dúvida. Eu fiz uma analogia outro dia do trabalho que fazemos com o praticado por uma empresa especializada em medição de audiência. O trabalho desta empresa seria similar ao de uma balança. Já nós somos o personal trainer, a nutricionista, o endocrinologista… todos os profissionais que podem estar por trás da pessoa que subiu na balança.

Você citou o Google e o Facebook, quando falou de veículos. Como é o trabalho junto a esses dois players, que não se posicionam exatamente como veículos de comunicação no país?
Ajudamos ambos a entender esta nova dinâmica do mercado de mídia, com estudos especializados para eles. E o fato deles não se posicionarem como veículos, como a palavra é definida no Brasil, está sendo desafiado. Não dá para definir um veículo antigamente de maneira vertical. Antes era TV, rádio, jornal, revista, outdoor e por aí vai. A TV era a caixinha que tinha na sua casa, transmitindo o sinal por algum espectro de frequência e pronto. Este panorama mudou de forma radical. Você lê sua revista no tablet, entra lá e assiste um vídeo, acompanha a TV no celular, pode escolher uma atração que passou no dia anterior pelo site da emissora, tem acesso ao Netflix, que é como se fosse um canal de TV, assim como também é o YouTube. Não importa muito como Google e Facebook se posicionam, mas sim olhar para o consumidor, entender que papel estes players estão desempenhando na vida das pessoas. Pois a relação do consumidor com o YouTube, no momento em que assiste a um vídeo, é similar ao relacionamento que ele tem quando vê um programa em TV aberta, ou outro canal de distribuição de vídeo. É ele quem atribui características e diferenciais a cada veículo.

Como é trabalhar diante deste cenário midiático cada vez mais complexo só que, ao mesmo tempo, interligado?
Vou dar uma “viajada” aqui, para chegar neste ponto. Pouco depois que a pessoa nasce, já sabe o que tem que fazer para se dar bem. Como atrair a atenção dos pais, ganhar um agradinho. Assim continua na fase da infância, na escola, com a professora fazendo o papel que era do pai e da mãe. A pessoa continua crescendo e nota como se destacar diante dos amigos, no namoro, no escritório, onde quer se sobressair diante dos colegas. O que vale é que desde sempre todos buscam ser referencial naquilo que fazem dentro da sociedade. Nós mesmos temos esta sina de nos autoreferenciar. E a mídia tem um papel importante neste contexto. Nos acostumamos ao longo do tempo a entendê-la como canal de entretenimento, de informação, mas, direta ou indiretamente, sempre foi muito mais que isso. A mídia age como inclusão, como referenciação. O conteúdo da TV valida os consumidores, que copiam as roupas e gestos dos atores das telenovelas. É o jornal que costuma lhe dizer o que é certo ou errado, que vai pautar os assuntos do seu dia a dia. E tudo isso se intensificou com a chegada da internet, mas com uma diferença – ao mesmo tempo, chegou a autonomia da geração de conteúdo, além da possibilidade de interação nas redes sociais. Aqui no Ipsos temos um modelo de entendimento do mundo chamado Censydiam, que define o contexto das pessoas baseado em dois eixos – social e pessoal. No social tem o lado do poder, a capacidade de exercer influência na sociedade, e também o pertencimento, o sentimento de fazer parte desta mesma sociedade. E no pessoal há a necessidade de controle e de entrega, de diversão. Este cenário que construímos a partir de duas dimensões motivacionais é para o qual temos que olhar a mídia. Não são mais os veículos que estão no centro do universo, são as pessoas – e suas motivações e necessidades é que definem o papel da mídia. A relação entre as mídias mudou e elas próprias não estão mais restritas apenas às suas plataformas. Todo canal de TV tem, no mínimo, um site, mas boa parte tem muito mais, toda uma estratégia de distribuição de conteúdo integrada.

E os consumidores interferem na audiência…
Sim. Eu digo que é até obsoleto a gente pensar assim, pois parte do pressuposto que esses meios existem separadamente. E não existem, estão todos interligados. A Editora Abril, por exemplo, não produz tanto vídeo como a Globo, mas ela produz muito conteúdo – inclusive vídeo. Quase metade da população brasileira tem acesso à internet e, quase todos deste universo, usam alguma rede social, seja o Facebook ou o WhatsApp. Então certamente existe uma massa crítica de pessoas conectadas a outras telas e trocando informações suficientes, sim, para a afetar a audiência de uma determinada emissora de TV ou um site na internet. Se eu estou no Facebook e digo que a Globo está passando uma entrevista exclusiva com o Alex Periscinoto, meus amigos do mercado publicitário provavelmente irão ligar na emissora. Afinal, trata-se de um ícone da propaganda, e que hoje não está tanto na mídia. O que será que ele está dizendo? Já não sei se este mesmo público vai se interessar se eu postar que um candidato está dizendo quais são seus planos para os evangélicos. Em suma, as pessoas só vão atrás e comentam o que é interessante para seu universo.

E as marcas? Quando vão deixar somente as ações pontuais para investir em cases mais consistentes de mídias integradas?
Muitas campanhas de sucesso aconteceram por acidente. Mas realmente os anunciantes ainda não encontraram o caminho das pedras. E a essência da receita do bolo para que isso funcione é baseada em três logicas – lógica industrial, da sociedade dos sonhos, e do homem criativo. Primeiro se avalia o custo-benefício das coisas, a facilidade de obtê-las. Pegue o exemplo do Netflix – por que eles estão crescendo e as locadoras fechando? Ora, você paga por mês, tem uma gama grande de filmes e séries para assistir, não precisa se locomover para alugar ou devolver filmes. Nem se compara a comodidade. No segundo caso, da sociedade dos sonhos, é que as pessoas se relacionam com aquilo que faz parte de sua visão de mundo. E a terceira é como poder participar deste processo, como se envolver para a melhoria deste mundo. E é isto que as marcas devem buscar – ser cada vez mais um agente transformador da sociedade, atuar ao lado do consumidor, que é um cocriador das coisas.  Assim como no caso do Netflix, as marcas devem analisar o custo. E convidar as pessoas para participar de todo o processo, dando sentido a elas. Se o anunciante conseguir juntar essas três lógicas, pode ter certeza que terá sucesso no mundo digital.

A Copa do Mundo não poderia ter sido um divisor de águas dentro deste panorama, tanto para os consumidores, cada vez mais multimídias, como servir de alerta aos anunciantes?
A gente acompanhou isso de perto. Eu até estive em um evento recente apresentando um estudo que fizemos junto com o Google sobre o uso de outras telas durante o Mundial. Construímos um painel mostrando pessoas que estavam na TV e em pelo menos mais um meio, e de que maneira elas estavam usando essas telas. Foi uma experiência bastante interessante para ter uma noção de como é esta relação. E também era uma experiência legal para estes consumidores. Porém, o que a Copa apresentou não chegou a ser um divisor de águas. Não quebrou paradigmas de comportamento. Mas foi uma excelente oportunidade de aprendizado. Colecionamos casos bacanas de marca que soube tirar proveito dos consumidores multitelas. E não me lembro de nenhum caso desastroso de marketing, mesmo quando o Brasil perdeu por 7 a 1 da Alemanha e muitos anunciantes tiveram que alterar seus discursos de uma hora para outra. Como a Coca-Cola, com o nó na garganta, logo após a partida. Nos últimos 30 anos testamos pouco o que a mídia oferece. Passamos cinco anos aprendendo a fazer mídia e outros 25 praticando do jeito técnico. E isso mudou, estamos em uma fase experimental e a Copa foi um grande laboratório.