A morte da propaganda é uma lenda urbana
A realidade é que a conversa de que a publicidade está em decadência e prestes a morrer trata-se de uma autêntica lenda urbana, disseminada pelos novos profissionais e empresas – entre agências, consultorias, fornecedores e veículos -, que no fundo querem apenas ocupar o espaço dos players tradicionais.
Primeiro, vamos aos números: em 2010, o mercado global de propaganda era de quase 400 bilhões de dólares; para este ano, a previsão é de 563 e, nesse intervalo, houve crescimento contínuo e consistente em todos os anos, entre 4,2% e 5,6%.
Na década anterior, a situação foi mais instável, com um ano (2001) caindo 3,9%, mas depois de um crescimento exponencial de 11,3%, e um ano (2009) desabando 9,6%, mas sendo seguida de uma forte recuperação em 2010, com 7,7%. Se analisarmos os números dos Estados Unidos por um século, vamos ver que a receita total de 1,9 bilhão de dólares em 1919 atingiu 223,6 bilhões em 2018. Houve algumas quedas anuais, evidentemente, compensada por anos de elevado crescimento; mas, em números absolutos, a propaganda só foi menor nessa série histórica no período da grande depressão, de 1933 a 1935.
Hoje, das dez corporações globais de maior valor no mercado acionário, segundo dados de março de 2019 (do Financial Times), duas (Alphabet e Facebook) devem sua riqueza exclusivamente à publicidade, três apostam na publicidade para crescer ainda mais (Amazon, Tecent e Alibaba), duas são de tecnologia (Microsoft e Apple) e apenas três estão ancoradas na economia tradicional (Berkshire Hathaway, Johnson & Johnson e Exxon).
Outra conversa recorrente é que a propaganda hoje é radicalmente diferente. Pode ser na forma, porque na essência permanece como descrita por Claude Hopkins em Scientific Advertising, livro lançado em 1923, ou seja há quase um século, que recomendava foco (chamado então de reason why) e atmosfera favorável (atualmente, contexto positivo).
A tal da “personalização” é o tradicional marketing direto com tecnologia. Nada essencialmente muito diferente do que David Ogilvy, Lester Wunderman e Bob Stone fizeram na década de 1950 e 1960 ou que Ed Nash, que popularizou o termo database marketing, não tenha proposto nos anos 1980. Os fundamentos de maior impacto da chamada “comunicação por conteúdo” estão na era de ouro do rádio, a partir de 1930, com as soap operas produzidas pela P&G, Lever e suas concorrentes, que entraram com toda a força no mundo da TV.
Sem falar em um projeto como o Guia Michelin, que popularizou os guias de viagem na França e Europa e tinha como objetivo final promover a marca e a venda de pneus. Sua primeira edição é de 1900; sim, no último ano do século 19. Saiu com 35.000 exemplares, para uma população de cerca de 3 mil carros na França. A mistura de “conteúdo” com o que hoje se chama de digital influencer como se fosse uma grande revolução tem suas raízes no tie-in, merchandising ou merchan, que nasceu no cinema, há coisa de 100 anos, se desenvolveu no rádio e floresceu na TV, a partir da década de 1960.
A estratégia de criar uma onda de “RP e boca a boca”, através de uma peça publicitária, já era comum nos anos de 1950 e 1960, como comprovam as campanhas de Howard Gossage para a Qantas, a Lockheed e a ilha caribenha de Anguilla. Assim, a próxima vez que você ler ou ouvir sobre a morte da propaganda lembre-se que se trata de uma lenda urbana, sem bases na realidade, que a publicidade está hoje mais viva que nunca, cresce continuamente e torna-se mais pervasiva em nossa sociedade. Ela não morre, mas se atualiza, se aperfeiçoa e continua essencial para assegurar nosso modo de vida, nossa economia e até nossa produção cultural de massa.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)