A necessária e urgente agenda da criatividade em 2020
O tradicional Festival de Criatividade de Cannes teve sua edição física cancelada neste ano, pela primeira vez na sua história, por conta da pandemia do novo coronavírus. Sem a premiação e a distribuição dos Leões que celebram o melhor da criatividade mundial, a organização criou o evento online LIONS Live, realizado entre os dias 22 e 26 de junho, com foco em palestras e debates.
Então, convidei José Saad, nosso parceiro da GoAd, para apresentar na reunião de diretoria da ABA de 21 de agosto a curadoria Creative Insights 2020, com os principais temas e projetos destacados no LIONS Live, versão virtual do Cannes Lions.
O que eu pude anotar das principais tendências para nós anunciantes é uma evolução do Brand Purpose para o Brand Action, uma transformação das tradicionais campanhas para soluções de negócios que se conectam a uma jornada de consumo cada vez mais híbrida, e uma proximidade maior do marketing com áreas de desenvolvimento de produtos.
O fórum conectou a agenda às atuais demandas sociais e econômicas, destacando o poder da criatividade para garantir a sustentabilidade dos negócios e solucionar problemas que se tornaram ainda mais urgentes com a maior crise sanitária da nossa geração. Nas apresentações, prevalecem provocações sobre a responsabilidade das marcas no combate ao racismo e às desigualdades que se acentuam diante da atual crise. Sem a pretensão de apontar um futuro ainda pouco previsível, o evento virtual debateu o presente e propõe uma nova abordagem para a indústria, com foco em soluções para desafios das pessoas e das comunidades.
A seguir, destaco quatro principais takeaways da conferência, que nos foi apresentado e analisado pelo Saad com exemplos e tendências.
1 – Antirracismo é um dever da indústria
Alinhado às demandas sociais mais urgentes do momento, o LIONS Live deu amplo destaque à pauta antirracista. Líderes da indústria assumiram o compromisso de promover maior representatividade em suas organizações, enquanto ativistas provocaram as marcas a se posicionarem sobre o tema. Ao apresentar a pesquisa Before You Shoot, o CEO da We Are Pi, Alex Bennett-Grant, fez uma convocatória: “É preciso por fim à prática de excluir e estereotipar pessoas pretas na publicidade”. Em outro painel, a inspiradora Mlambo-Ngcuka, subsecretária das Nações Unidas, abordou a responsabilidade e o poder das marcas no combate ao racismo. “Se omitir é quase tão grave quanto perpetuar estereótipos”, afirmou.
2 – Diversidade na comunicação é baixa
Existe uma lacuna entre o discurso e a prática da diversidade na indústria publicitária. Durante o LIONS Live, foram apresentados os resultados de um estudo que avaliou representações de gênero, raça, etnia, LGBTQ +, idade, peso e pessoas com deficiência nos anúncios premiados no festival entre 2006 e 2019. Realizada pelo Geena Davis Institute on Gender in Media, a pesquisa mostra alguns avanços positivos, mas materializa percepções de que ainda há muito a ser feito. A representação das mulheres pouco evoluiu no período, e a presença de pessoas negras na comunicação das marcas caiu de 43,1%, em 2018, para 38,0%, em 2019.
3 – COVID-19 amplia métricas de efetividade
A efetividade da comunicação ganhou novos contornos a partir da crise instaurada pela pandemia do novo coronavírus. “Além de buscar os números, queremos entender se a marca resolveu um problema urgente das pessoas. Ela deixou um legado, inspirou mudanças ou melhorou a vida dos consumidores?”, questionou Ann Mukherjee, CEO da Pernod Ricard. Para ela, a efetividade se tornou ainda mais importante no contexto da COVID-19. “Além do retorno sobre o investimento, é preciso entender que grandes marcas melhoram as condições humanas”, completou a executiva, que presidiria o júri da categoria Creative Effectiveness na premiação deste ano.
4 – Transformação digital não é só tecnologia
A pandemia de COVID-19, e o consequente isolamento social, impôs a muitas empresas a digitalização de experiências e canais, e tornou ainda mais evidente a importância da transformação digital. Mas, para Ronald Ng, Global Chief Creative Officer da Isobar, o processo vai muito além do investimento em tecnologia: “É sobre mudança dos modelos de negócios. É sobre fazer sentido para as necessidades das pessoas, e isso mexe com a cultura das organizações”. O executivo presidiria, no festival deste ano, o júri da categoria Creative Business Transformation.
Nelcina Tropardi é presidente da ABA e vice-presidente de Sustentabilidade e Assuntos Corporativos da HEINEKEN.