“A nossa indústria nunca precisou tanto de criatividade", diz Sanches
Presidente do júri de Outdoor no Cannes Lions 2021, Luiz Sanches afirma que a realização da premiação este ano – mesmo que de forma remota – será fundamental para inspirar o mercado publicitário. Segundo ele, mais do que nunca, a indústria precisa de criatividade. “Os clientes nunca precisaram tanto de criatividade. E por quê? Porque essa pandemia evidenciou algumas coisas que hoje são absolutamente transparentes. Não adianta a marca falar que faz, ela tem de fazer, mais do que falar”, disse o chairman e CCO da AlmapBBDO. Sanches já presidiu o júri de Film em Cannes e foi várias vezes jurado em outras categorias. Confira sua entrevista a seguir.
Expectativas
No ano passado não tivemos premiação de Cannes. Todo mundo ficou em casa por causa da pandemia numa situação atípica, adversa, ou seja, estávamos muito mais preocupados em ninguém da nossa família, ou nós mesmos, se contaminar com o coronavírus do que com trabalho. Naquele momento era primeiro a vida e depois a gente pensava no que fazer. No ano passado não tivemos um julgamento, mas Cannes fez algumas experiências com festivais no Leste Europeu e parece que foi superbem com a metodologia online que eles desenvolveram para isso. Eu acredito que, nesse período em que as agências do mundo inteiro estão trabalhando separadas, há mais de um ano, o que segurou a cultura criativa é justamente essa inspiração que Cannes traz. É surpreendente, porque vai até contra o que eu acredito, porque acho que a curto prazo funciona você trabalhar a distância, mas a longo prazo começa a mediocrizar a qualidade do trabalho. A gente cria para pessoas e contar com pessoas é fundamental para o trabalho que impacta o público. O Zoom e o Teams não possuem essas nuances que temos no presencial. Mas estou vendo trabalhos espetaculares, que não via há um ano, dois anos. Tem trabalhos incríveis sendo realizados em Outdoor, categoria que mais teve de se reinventar na pandemia. Na Itália, por exemplo, no começo da pandemia, as pessoas cantavam nas janelas, embora não seja uma ação de comunicação, é comunicação. O que não deixa de ser uma manifestação outdoor. É impressionante como as pessoas conseguiram manter a cultura criativa. Tenho certeza que Cannes vai ser absolutamente necessário para inspirar as pessoas.
Reconhecimento
Para a agência, a indicação (à presidência do júri) é o reconhecimento do trabalho. Não à toa, no ano passado, a AlmapBBDO foi nomeada a Agência da Década de Cannes. Ou seja, uma agência que há 10 anos vem fazendo um trabalho absolutamente consistente e tem inspirado as pessoas pelo mundo. Pessoalmente, ser presidente de júri e jurado em Cannes, é o reconhecimento do trabalho que eu tenho realizado na agência nos últimos anos e de toda a minha carreira. Estou há mais de 27 anos na Almap, não é desde ontem. Também trabalhei lá atrás na extinta DM9. Acho que é a consolidação de uma liderança criativa na América Latina. Prova de que a comunicação na região, no Brasil, é outstanding e eles enxergam esse valor, o que é muito bom.
Desafios
O primeiro desafio (com júri remoto) é manter o comprometimento de todo mundo e o alto nível de foco no julgamento, porque trata-se de um júri internacional, cada qual com um horário diferente. Ao mesmo tempo que você tem momentos diferentes, quando se junta um monte de gente numa sala você consegue achar verdades. Diferentemente de outros festivais, Cannes aponta aquela peça que vai ser referência para toda a indústria, no sentido que é para lá que temos de remar. Eu acho que isso ocorre porque não estamos premiando aquelas peças que já são mais premiadas. Pelo contrário, porque é a partir de Cannes que se forma muita coisa que vai impactar nossa indústria nos próximos anos. E isso só acontece quando você tem um júri com instrução, com pessoas que argumentam, explicam o que tem por trás de uma peça, traz uma explicação cultural. Ter qualidade nas discussões é importante, porque Cannes não premia o óbvio. Outra coisa importante é dar voz a todos no júri. Todo mundo tem de contribuir e colaborar para que tenhamos realmente um resultado que seja relevante e impactante.
Presencial
Não tenho dúvidas que a interação presencial vai fazer falta durante o julgamento. A longo prazo, eu acho que o festival assim seria terrível para a criatividade e para a nossa indústria. Mas a gente tem de olhar para o momento que estamos passando. Isso vai passar, as coisas vão normalizar. Dentro do possível, é o melhor que dá para se fazer e é importante que a premiação aconteça. Eu defendo que exista, porque não se trata simplesmente de celebrar, de enaltecer egos. Muito pelo contrário, Cannes é uma inspiração para a nossa indústria, que nunca precisou tanto de criatividade como hoje. Os clientes nunca precisaram tanto de criatividade. E por quê? Porque essa pandemia evidenciou algumas coisas que hoje são absolutamente transparentes. Não adianta a marca falar que faz, ela tem de fazer, mais do que falar. E não adianta dizer que vai seguir as tendências de leitura de dados etc. Dados todo mundo tem, mas sem criatividade dados não servem para nada. A pandemia trouxe uma grande revolução para o nosso meio. As marcas perceberam que criatividade é essencial e um diferenciador no negócio de cada marca. Então, eu acho que a nossa indústria nunca precisou tanto celebrar e de fato indicar qual é o tipo de criatividade que a gente vai buscar. É o que eu disse, eu não acredito em trabalhar remotamente na agência a longo prazo, mas, assim como para o júri em Cannes, essa é a melhor opção que temos dentro das condições adversas que vivemos. E mesmo assim, por conta dessa cultura criativa que a Almap tem, o Brasil tem, a gente produziu um trabalho outstanding, com um jeito de trabalhar completamente diferente. E Cannes precisa registrar isso.
Regional
Todas as marcas aprenderam a querer participar das conversas globais. E com esse momento de pandemia, a gente passou a olhar mais para o local, o regional, como no exemplo que citei do que aconteceu na Itália. Eu acho que este ano a criatividade em outdoor será mais de
um olhar para dentro de casa do que para fora de casa. E é tão bom isso, porque dentro de casa você tem muitos diferenciais, consegue fazer muita coisa. De uma certa forma, a tendência hoje é como as marcas ajudaram e inspiraram as pessoas nesse momento.
Pandemia
O que eu vi nessa pandemia é que, num primeiro momento, foi de um choque total para as marcas. No segundo momento, as marcas passaram a dizer que se identificavam com as pessoas e com o que elas estavam passando. Depois, as marcas abraçaram não só iniciativas de doações, mas também essa parte de orientação, já que os governos não fizeram campanhas massivas de esclarecimento. E houve um outro momento, que eu acho o mais legal, que foi o de as marcas inspirarem as pessoas. Tem uma história muito legal para se contar.