'Houve retrocesso na busca por talentos negros nas agências', diz presidente do Clube de Criação
Joana Mendes fala também sobre o festival, realizado no último fim de semana, o primeiro sob sua gestão
Realizada no Memorial da América Latina, em São Paulo, a 10ª edição do Festival do Clube de Criação foi o primeiro da Chapa Preta no comando da entidade, sob a presidência da redatora Joana Mendes. Segundo ela, após um ano de gestão, houve remodelação do projeto com atenção para a equipe e mudança de sede. “Mais confortável e mais barata”. Também trouxe a pauta da diversidade para “além das caixas que são impostas”. Joana acrescenta: “Que pessoas negras e de outros grupos minorizados não discutam apenas diversidade, mas uma gama diversa de assuntos”.
A interseccionalidade é a expressão de Joana para mostrar que pessoas negras têm voz não só na temática étnica e de identidade. Mas que estão capacitadas para as demandas da sociedade como a própria publicidade, que exige conhecimentos multidisciplinares.
“Quando assumo um cliente de tecnologia, preciso avançar no conhecimento do tema e assim por diante. Não é por outro motivo que a agenda de debates do festival teve a interseccionalidade para que a diversidade não fosse o foco central de todas as falas. Melhores publicitários são os que falam sobre intersecções; outros assuntos mostram que a gente veste muitos chapéus. Se só falamos de publicidade, acaba que não falamos como deveríamos falar. Ou seja, nossas conversas não saem da superfície”, relata Joana, que dividiu um dos debates com o argentino Pablo del Campo, ex-CCO global da rede Saatchi & Saatchi, que passou dois anos fora da publicidade.
Outra atração do festival que corrobora a busca por intersecção foi a presença de Craig Barron, diretor de criação da Magnopus, de Los Angeles, ganhador do Oscar de efeitos especiais pelo trabalho em O curioso caso de Benjamin Button. Kat Friis, que ganhou Emmy com a campanha Love has no label, da R/GA New York para o Ad Council, também marcou presença.
A presidente do Clube de Criação esclarece que há dois eventos: um deles é composto pela agenda oficial, mas as conversas dos bastidores também são, nas suas palavras, inspiradoras. Segundo Joana, é a fome do reencontro presencial e das conversas que não falam tanto do mercado. Embora ela ateste que há algo que precisa de atenção após a pandemia que, logo no seu início, teve a morte de George Floyd, nos Estados Unidos.
“Esse fato chamou a atenção das agências e também das marcas para a questão da presença de profissionais negros nas estruturas. Houve elevação nas contratações a partir daí. Mas agora percebo que a promoção de negros para cargos de chefia está acabando, que houve retrocesso na busca por talentos negros nas agências. É uma questão que o Clube está bem atento”, destaca Joana, que já atuou na Artplan Rio, R/GA, FCB, Thompson e VMLY&R, mas atualmente está sem agência.
Segundo ela, as atividades paralelas à publicidade trazem outras oportunidades. “Estou escrevendo uma série de ficção e lancei o livro 'Manual de penteados para pessoas negras', do portfólio da Companhia das Letrinhas”, acrescenta.
Reencontro, retomada, diversidade e a edição de 2022 do Anuário estão na pauta do renovado Clube de Criação. O Anuário terá a participação dos diretores de arte Bruno Opido (Plant), Douglas Reis (DPZ), Roma Joana (AlmapBBDO) e Vanessa Ferreira (Estúdio Preta Ilustra). A abordagem contempla processos colaborativos. Ainda sem data definida para lançamento, mas com expectativa para o fim de 2022, terá versão impressa e digital.
“É sobre coisas construídas com a mão; olearia com narrativa de arte”, diz Joana, lembrando que o Clube de Criação, fundado há 47 anos, tem como premissa fomentar a criatividade e funcionar como guardião para o futuro, mas sem deixar de olhar para o passado e o presente. “Sempre temos necessidade de interagir com outros atores da economia criativa como aconteceu no festival”, afirma.