A próstata
Meu médico, clínico geral, não aceita seguro de saúde. Mas sou fiel a ele, em nome da gratidão e da confiança. Se eu acho que meus clientes não têm de fazer leilão de preço, por que razão eu teria uma atitude mesquinha com o profissional em cujas mãos coloco minha vida? Pago a consulta de valor quase insultante, mas tenho certeza de que minha existência neste vale de lágrimas está melhor cuidada.
Vai daí que ele resolveu que está na hora de fazermos um checkup. Exames de sangue, provas de esforço, raio X, estas coisas todas que garantem a você que a morte está meio distante. Digamos até amanhã de manhã. Na chamada manutenção preventiva, há um exame simplesmente desmoralizante. O tal exame de próstata. A popular, conhecida, decantada e comentada dedada.
Pelo que meus parcos conhecimentos de dedadas, próstatas, medicinas e cânceres me permitem falar, trata-se de um procedimento simplíssimo. É como, para um publicitário, fazer um anúncio de supermercado. Enfia-se o dedo devidamente untado de vaselina no furico, procura-se a tal próstata, fala-se para o cliente algo idiota como “relaxe!” (quem relaxa com um dedo no rabo não merece viver, mesmo sendo veado) e massageia a glândula citada. Pelo que eu sei, e sei pouco, mas sei que sei o suficiente, a tal glândula tem o tamanho de uma noz. Se estiver maior do que isso ou se o paciente der um berro de arrebentar paredes, há algo errado. Não é preciso mãos de pianista nem talento de harpista para fazer o diagnóstico. Se a próstata está inchada, se o paciente te mandar à puta que o pariu aos gritos, chama um especialista: fodeu.
Pois o meu médico me recomendou um urologista da estirpe dele. Caro pra caramba. Que não aceita plano de saúde. Aquele tipo de doutor que, quando você liga para marcar consulta, a secretária garante que só tem horário para daqui a seis anos, mas que como você é recomendado do doutor fulano, ele te atende hoje de tarde. Eu me conformo em pagar o meu médico pelo que ele cobra, mas nesse caso – me enfiar o dedo – não seria necessário ir além dos profissionais cadastrados no meu plano de saúde. Não que eu ache o meu rabo um reles rabo, nem os médicos do plano reles médicos. Simplesmente não sinto a diferença de um dedo conveniado para um dedo com doutorado no exterior. Se for o caso, pago a vaselina à parte ou levo de casa uma luva Dior.
Por isso pedi para minha secretária escolher um urologista na imensa lista de meu plano e marcar uma consulta. Vai daí que um amigo meu soube e não se conformou: “Lula, o urologista que seu médico te indicou é o mesmo que o meu! Ele é o mesmo urologista de fulano, de beltrano e da Globo inteira! Nove em cada dez fiofós da sociedade carioca recebem o dedo médio deste médico! É uma honra ter o reto violado por ele. Deixe de ser brega e não saia oferecendo a bunda velha pra qualquer urologista! Vá ao melhor!”
Confesso que fiquei na dúvida. Afinal tenho de me dar o respeito. Se alguém descobre que, na calada da noite, andei sendo percorrido por um dedo plebeu, de mero conveniado, o que dirão meus clientes, meus colegas? Como poderei encarar o Marcio Borges? E o Armando Strozenberg? E o Edney Narchi? Como se vê, minha próstata está com problema de status.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor