Profissionais do mercado acreditam no modelo mais barato e com publicidade, mas alertam para 'abordagens invasivas' que podem atrapalhar o público

A revelação de que a Netflix perdeu mais de 200 mil assinantes no primeiro trimestre de 2022 surpreendeu o mercado. A informação, apresentada pela companhia ao divulgar o seu balanço na Nasdaq, fez com que as ações fechassem o dia com mais de 20% de queda.

Na explicação corporativa, a empresa listou quatro principais motivos que estariam impedindo o crescimento acelerado. A dependência de terceiros para entrar em TVs conectadas; o compartilhamento de contas, estimado em mais de 100 milhões - hoje a plataforma, tem 222 milhões de assinantes; competição com novos players de streaming e a audiência dos canais lineares de TV; e fatores macroeconômicos como inflação e guerra na Ucrânia.

Além disso, o serviço de streaming informou que a Covid-19 enevoou os dados, gerando uma interpretação equivocada do que estava acontecendo. Mas o que chama a atenção mesmo de João Passarinho Netto, sócio e VP de estratégia criativa da Jotacom, é a concorrência com outros players, como Star+, HBO Max e Apple+.

"[A concorrência] veio para jogar água no chope de um serviço até então hegemônico, quase que único, com players com Disney+, HBO Max e Apple+ se destacando pela qualidade das obras, que superam muitas vezes a Netflix – hoje mais focada em variedade e quantidade", afirma.

Já Guilherme Jahara, sócio e coCCO da Dark Kitchen Creatives, acredita que a saída da companhia da Rússia, por conta da guerra à Ucrânia, tem responsabilidade sobre essa queda de assinaturas da Netflix, mas ressalta que a multiplicidade de plataformas é uma realidade.

Jahara: multiplicidade de plataformas é uma realidade (Divulgação)

"O movimento de integração de plataformas de streaming em uma única 'mega plataforma' é um dos indicativos que esse movimento de escolha e redução de suas contas é um fato. Os streamings continuarão sendo o futuro do entretenimento on demand, mas são também o futuro da TV como um todo", ressalta.

Publicidade
Para tentar recuperar assinantes, a Netflix pretende apostar em um modelo mais barato para o consumidor final, que inclui publicidade. Desde 2007, quando foi criada, a empresa sempre se opôs, pelo menos publicamente, a oferecer o serviço usando esse modelo de negócios, mas deverá adotá-lo.

"Este é um ponto muito polêmico pois o mercado sempre desejou fazer publicidade na plataforma, certamente irá impactar positivamente, com adoção muito rápida em função do volume de assinantes e oportunidades", afirma Adeildo Souza, diretor de mídia da Leo Burnett Tailor Made.

Até porque essa é uma forma que deverá se tornar mais comum nos próximos anos. Uma pesquisa do Yahoo, por exemplo, mostrou que as plataformas Avods irão crescer 17% nos próximos quatro anos.

"Por este motivo, a publicidade realizada de forma não invasiva e não interruptiva, como tem que ser feito no streaming, ajudaria a fazer com que os usuários que estão saindo da plataforma, especialmente por conta de custo, retornassem à marca", destaca Daniela Galego, head of sales no Yahoo Brasil.

Falando em publicidade não invasiva, Bruno Lunardon, sócio e CEO da SoWhat, cita como exemplo o TikTok, que surgiu sem comercialização. "A publicidade é uma tendência para monetizar, mas a Netflix deve fazer isso com cautela e visar as oportunidades comerciais certas para desenvolver, como as produções em parceria".

Por outro lado, o executivo ressalta que, em paralelo, existe a questão do interesse das marcas no volume de audiência. "Então, perder usuários pode afastar as marcas ou então causar a redução do valor. Ou seja, a publicidade tende a ser uma saída para mais receitas, mas tem que ter aprendizado com plataformas como TikTok, que soube fazer bem feito e é canal querido das marcas pelos resultados que oferece, mesmo custando mais caro", diz.

Ana Leão, líder da creative service line da Dentsu Brasil, vê que o crescimento dos serviços de VOD acelera o desenvolvimento do mercado de addressable TV ou entrega de conteúdos customatizados de forma programática. "Isso muda as capacidades necessárias para as agências e anunciantes performarem nesse ambiente", garante.

Ana Leão: mercado de addressable TV acelerado (Divulgação)

Além disso, ainda segundo a executiva, o mercado de empresas especializadas no desenvolvimento de anúncios programáticos, embarcados nos serviços on-demand, cresce consideravelmente no país, quase na mesma proporção da multiplicação de telas.

"Não basta compreender e entregar os conteúdos customizados para o consumidor, porque na prática, ele não quer ver, que é o contingente de pessoas que vão pagar para não ver publicidade. Então, cada vez mais, vamos precisar usar a criatividade moderna para desenvolver mensagens, seja em formato de propaganda, mas também expandindo para a participação e inserção das marcas dentro dos conteúdos dos canais", explica.

Apesar do entusiasmo com a potencial mudança,  Pedro Butcher, professor do curso de cinema e audiovisual da ESPM Rio, acredita que a plataforma deve levar um tempo para implementar a nova modalidade. "O consumidor se habitou a, quando pagar uma assinatura, não ter a obrigação de ver anúncio. Isso é um dos pontos fortes dos canais de streaming e a publicidade encontrou muitas outras formas de chegar até o consumidor", afirma. Na sua concepção, a medida pode ser considerada "um tanto arriscada e não sei se seria eficaz".  

Amber Benson, VP e diretora-executiva de mídia e conexões da R/GA, acredita em product placement. "Minha intuição, ou talvez esperança, é que antes da Netflix apostar tudo em interrupções comerciais, eles invistam em product placement e outros programas de publicidade mais passivos”, disse.