A sorte sorri aos fortes
Decidi reler, recentemente, Na toca dos leões, o competente trabalho biográfico de Fernando Morais sobre a W/Brasil – que é, também, o envolvente relato sobre uma época muito especial da propaganda brasileira, quando essa atividade nasceu e apareceu para o mundo, pelas mãos e mentes brilhantes de um seleto grupo de caras. Uma conjunção estelar parece ter unido talentos no momento, hora e lugar certos do cosmos, transformando para sempre histórias e destinos, levando a propaganda à cultura e ao dia a dia das pessoas, aos papos de bar e roteiros de novelas e filmes, elevada, em muitos casos, à categoria espetáculo, a entretenimento de altíssima qualidade.
Voltar àquele tempo tem sido, devo confessar, um verdadeiro oásis em meio ao turbulento período que vivemos, em tantas esferas.
Eram, sim, tempos de abundância: a propaganda viveu sua mais virtuosa era do ganha-ganha. Nas muitas histórias relatadas no livro, ideias brilhantes sempre resultaram em aumento de vendas para clientes – a equação original e eterna desse negócio. Não havia estrelismo, e sim autênticas estrelas criativas, que passavam boa parte do seu tempo resolvendo problemas dos clientes. Nada parecia impossível ou tão complicado.
O que me impressiona ao reler Na toca é, principalmente, o tanto que essas estrelas trabalhavam. Eram os primeiros a chegar, os últimos a sair. Brigavam por um ponto final em um outdoor, que faria toda a diferença no entendimento de uma ideia. Não criavam só o filé-mignon, os roteiros de filmes. Criavam folheto, material de ponto de venda, faziam toda a “cozinha”, como se diz, com o mesmo entusiasmo com que davam pitacos nas filmagens, mudavam a luz no estúdio para alterar a atmosfera de uma cena.
Em toda a história da nossa propaganda, sempre se trabalhou duro, muito duro. E por isso subimos tantos pódios internacionais, construímos tantas marcas, e a indústria se consolidou. Trabalho duro e talento são o binômio, por sinal, para dar certo em praticamente qualquer empreitada. O que me lembra o que o craque do golf Tiger Woods (vamos esquecer, por hora, seus probleminhas de ordem mais pessoal) costuma responder quando lhe perguntam sobre a sorte que o levou a tantas tacadas certeiras: “Eu tive sorte, mas só depois que comecei a treinar 10 horas por dia.”
Novas cobranças, novos modelos de comunicação, novos players na indústria e uma série de novas premissas transformaram o cenário no qual essa conjunção cósmica originariamente se formou, há várias décadas. Há uma sensação estranha, “de permanente estado de emergência” no ar, como descreveu Armando Strozenberg em seu discurso de despedida da presidência da Abap, na semana passada.
Como lidar com esse atordoante cenário? Eu diria que com as mesmas motivações originais que levaram aquele grupo especial de criativos a transformar o rumo dessa história, lá atrás: criatividade e trabalho duro, combinação que também pode ser chamada de “trabalho apaixonado”. Trabalho como o que vemos, porque não, nos candidatos a Leão este ano (veja na página 30). O que me leva, invariavelmente, ao anúncio publicado pela nova diretoria da Abap, que acaba de assumir, liderada por Mario D’Andrea. Um grupo de fôlego renovado, que chega disposto a abraçar a mudança e trabalhar muito, sem tirar o pé, firme, desse elemento essencial que move a atividade para frente: a criatividade. Um grupo que, ao que tudo indica, vai protagonizar muitas novas páginas dessa história, que darão gosto de ler.
Em tempo: a frase do título é de autoria de Terêncio, dramaturgo e poeta romano.