AB InBev gera polêmica

Práticas comerciais injustas e abusivas por parte de anunciantes em concorrências ou no dia a dia do relacionamento cliente/agência não são novidades no mercado. Mas talvez seja a primeira vez que se tem notícia de uma associação que propôs às agências de propaganda e marketing que atendem um determinado cliente fazer uma greve. Foi o que fez a MAA (Marketing Agencies Association) da Inglaterra, ao tentar organizar uma greve contra as práticas comerciais abusivas da gigante AB InBev junto a fornecedores numa recente concorrência, consideradas pela associação como “desprezíveis”.

As denúncias foram feitas pelas agências junto à ferramenta criada no site da entidade chamada “Pitch Watchdog” (algo como “cão de guarda das concorrências”), em que pode-se fazer denúncias anonimamente ou não. Mas sua tentativa de greve não foi em frente por razões ligadas à “vulnerabilidade” das agências envolvidas e à falta de adesão. Mesmo a associação que defende a publicidade inglesa, a ISBA, recusou-se a condenar publicamente o anunciante por sua prática apontada como de “exploração” dos fornecedores de propaganda e marketing.

A notícia envolvendo a gigante mundial do segmento cervejeiro, que é dona de marcas como Budweiser, Stella Artois, Brahma, Skol e Corona, que valem US$ 18 bilhões, saiu na imprensa do trade internacional enfatizando pedidos de descontos e de horas de trabalho gratuitas às agências numa recente concorrência. Também estaria incluso no acordo um desconto extra a ser destinado diretamente ao fundo filantrópico Better World, da AB InBev. Soma-se a isso a crítica em torno da prática de pagar os fornecedores com 120 dias de prazo.

Scott Knox, diretor da MAA, acredita que uma greve de agências que atendem a AB InBev – leia-se nomes como Mother, AKQA, Vizeum, ZenithOptimedia, 3 Monkeys e Anomaly – poderia ser eficaz para chamar a atenção sobre essas práticas e, quem sabe, ajudar a acabar com elas. “Levamos esse tema das concorrências e propostas que exploram fornecedores muito a sério. A AB InBev tem se comportado de maneira deplorável, forçando agências a dar descontos e todo tipo de vantagens, até mesmo colaborar com um fundo filantrópico pelo qual a empresa leva todos os louros. Parar de espremer as agências e negociar de maneira justa e respeitosa seria a atitude certa a tomar”, disse Knox.

Procurada pela reportagem de propmark, a assessoria internacional da AB InBev enviou um posicionamento, cujo texto fala que decisões relativas a relacionamento com parceiros de marketing são baseadas em uma série de fatores, incluindo o resultado da concorrência criativa, acertos sobre o atendimento e de ordem comercial, com participação e concordância das agências envolvidas. “Os termos de pagamento são sempre definidos numa negociação comercial mais ampla e estabelecidos a partir da concordância de ambas as partes. Como parte do processo, sempre pedimos aos nossos parceiros em potencial que enviem informações detalhadas a respeito dos serviços oferecidos para que possamos avaliar de maneira justa e objetiva todas as propostas recebidas”, conclui a declaração, que afirma que a empresa “trabalha duro para construir parcerias sustentáveis com suas agências e se orgulha de manter com elas relacionamentos de longo prazo”.

Satisfação

Em janeiro deste ano, a empresa precisou dar satisfações ao governo inglês sobre suas práticas comerciais abusivas junto a pequenos fornecedores. Do ponto de vista legal, embora seja, em geral, obrigatório o pagamento em 30 dias por um serviço contratado, num contrato assinado entre duas partes em que o combinado é outro, não há qualquer ilegalidade. É o que argumenta, afinal de contas, o próprio anunciante, e o que outros anunciantes vêm alegando historicamente ao serem acusados pelo mesmo motivo. Knox, da MAA, afirma que recebeu denúncias de outras empresas com práticas semelhantes na Inglaterra – cerca de 40 desde que o serviço “Pitch WatchDog” foi lançado –, mas que a AB InBev encabeça a lista com folga.

“Ao adotar essas práticas, acredito que a consequência natural seja receber um serviço pior, proporcional ao pago, com a queda natural do ROI. Mas isso nem sempre ocorre, principalmente não no curto prazo. A única solução é não aceitar. É dizer ‘chega’. A indústria criativa precisa ser respeitada”, argumenta Knox.

Knox enfatiza que no mercado globalizado e competitivo em que os profissionais vivem, no qual anunciantes concentram todo o poder, qualquer pequeno negócio conquistado por uma agência é extremamente importante. E perder contas pode ter consequências devastadoras. Especialmente numa economia em crise.

“Qualquer empresa que fizer greve sofrerá as consequências. Por isso é preciso que esse se torne um movimento global, no qual todas as agências, de todos os clientes com esse tipo de prática, reajam com confiança e orgulho, porque sem essa união não há possibilidade de vitória”, propõe.

No Brasil, as críticas às práticas comerciais de muitos anunciantes são também um tema recorrente. A Ambev é alvo frequente e já sofreu pressão de entidades como a Ampro (Associação de Marketing Promocional) ao adotar a prática de pagamentos com prazos de até 120 dias. Segundo uma fonte do propmark, o anunciante estaria realizando “leilões” de mídia pelo Brasil, declarando certa verba para rádio em um município brasileiro, por exemplo, a ser destinada ao veículo que oferecer o menor preço. Sabe-se de práticas “draconianas” de outros grandes anunciantes, em relação a seus fornecedores. Recentemente, uma grande montadora de automóveis, por exemplo, anunciou que passaria a pagar seus fornecedores em 60 dias. Para as empresas fornecedoras, isso significa ter de desembolsar do próprio bolso valores de eventuais despesas imediatas e receber bem depois. Ou fechar um ano de 12 meses com menos meses. Não é para qualquer um.

Margens

O presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), Orlando Marques, afirma que as agências têm de ser remuneradas pelos serviços que prestam e devem cobrar por eles o valor justo, levando em consideração as horas trabalhadas, o valor e o talento dos profissionais envolvidos e considerar também suas margens de ganhos – porque, afinal de contas, ninguém deve trabalhar de graça ou sem margem de lucros. “Também não é tarefa das agências financiar seus clientes. Ou seja, a operação de receber do cliente e pagar aos veículos deve ser neutra em termos de prazos”, declarou.

O advogado da Fenapro (Federação Nacional de Agências de Propaganda) e consultor da Abap, João Luiz Faria Netto, chama a atenção para a oportunidade de discutir o tema num momento de crise como o que o mercado vive.

“Vale a pena analisar se essas práticas não se configuram como estrangulamento econômico do mercado, porque a maioria das agências não aguenta trabalhar dessa forma no longo prazo. São práticas predatórias, onde as agências são a parte fraca. Talvez seja o caso de realizar uma consulta e ampliar o debate”, disse.

Kito Mansano, presidente da Ampro (Associação de Marketing Promocional), no seu segundo mandato recém-assumido, e sócio da Rock Comunicação, vem lutando contra práticas predatórias dos anunciantes em seu mercado, principalmente em concorrências. No próximo Congresso Brasileiro de Live Marketing, em julho, entrarão em pauta com grande destaque os prazos de pagamentos e as práticas predatórias em concorrências.

Mansano destaca que, no congresso anterior, em 2013, quando o assunto entrou em pauta, uma das grandes vitórias foi a mudança da Unilever, empresa que foi alvo de muitas críticas no passado e modificou suas práticas ao ouvir as opiniões de seus fornecedores. “Empresas que só visam o lucro, como a Ambev, não estão preocupadas com governança corporativa, mas este é um tema importante que pode inclusive reduzir o valor de suas ações. Se ampliarmos a discussão global a ponto de atingi-los no bolso, tenho certeza de que modificarão suas práticas. Neste momento, eles ocupam a posição de empresa mais predatória do mercado.”

Segundo Mansano, a Ambev chega a pedir mais prazo para realizar os pagamentos, ao cabo dos 120 dias acordados. Recentemente, ele tem se dedicado a desenhar um modelo de contrato que responsabilize o anunciante junto com o fornecedor quando algo dá errado em um job e que foi consequência da contratação de serviços de valor reduzido forçado pelo “arrocho econômico” praticado pelo anunciante.

“Se uma tenda cai num evento que uma empresa de live mar- keting faz para uma empresa, a responsabilidade é só dela. No entanto, ela pode ter sido obrigada a contratar um fornecedor duvidoso porque seu cliente vai pagar 120 dias depois e arrochou muito o seu comissionamento. É preciso que o anunciante seja responsabilizado também”, diz.

Fala Mais

Ele também criou um serviço de denúncias em seu site semelhante ao “Pitch Watchdog”, da MAA, chamado “Fala Mais”. Através dele, a entidade vem recebendo denúncias e conseguindo se pronunciar oficialmente junto a anunciantes, muitas vezes modificando os processos de concorrências – especialmente aqueles em que as empresas convidam dez, 15 agências para participar. O recomendado no manual de boas práticas da entidade é de no máximo cinco agências.

Segundo Mansano, há concorrências em que os anunciantes propõem comissionamentos de 4% ou 5%, quando o valor justo a ser praticado é 15%. O que ocorre, segundo ele, é que as agências tentam repassar para os seus fornecedores – de menor porte – as práticas de seus clientes. Isso gera um ciclo predatório, que vai tirando o fôlego de todo o mercado. “É uma morte anunciada”, diz Mansano, que já entrou em contato com a MAA e pretende falar com líderes de outras associações internacionais para estimular uma discussão global.

Consultada, a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) não se pronunciou sobre o tema. Procurada, a Ambev também não comentou o assunto.