ABA e Apro: há negociação?

 

Um novo capítulo reacendeu, na última semana, o imbróglio entre ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) e Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais), que cada vez mais parece longe de um desfecho amigável. Desta vez, o elemento que aumentou a distância entre as entidades foi a recém-lançada 18ª edição da tabela de preços da Apro, válida até outubro de 2014, que em um de seus itens coloca a associação como responsável pelo controle e cobrança dos direitos autorais da produtora sobre a reprodução da obra audiovisual.

Em comunicado, a ABA classificou a postura como “cartelizante”, além de “desprovida de base legal” e que “fere os mais basilares princípios da livre-concorrência”. Em resposta, a Apro se pronunciou lembrando os artigos 17, 28 e 29 da Lei 9.610/98, que remetem à produtora o direito patrimonial da Obra, defendendo ainda que, como entidade de classe, ela pode sim representar seus associados em defesa de seus direitos. “Os anunciantes, por terem o poder de compra, querem nos coagir a aceitar o inaceitável”, enfatiza o documento.

É a questão dos direitos autorais a principal geradora dos conflitos, circulando por vários detalhes que os cerca. A ABA defende uma revisão do sistema de cobrança, com que tudo seja acertado em um contrato único e, a partir da produção, o anunciante se torne pleno detentor daquela obra, podendo utilizá-la de acordo com suas demandas e interesses. “Toda essa discussão é uma tentativa de preservar um sistema de produção arcaico. As condições do mercado mudaram muito, a verba mudou, sem aquela sobra que havia antes. Além disso há a internacionalização do mercado brasileiro, que criou uma nova realidade. É um conjunto de fatores que se combinam ”, analisa Rafael Sampaio, vice-presidente executivo da ABA.

Ele cita como uma das principais mudanças o fortalecimento e a profissionalização do departamento de compras do anunciante, mais “duro” que o marketing – o qual historicamente é responsável pelo relacionamento com as agências e, por consequência, com as produtoras. “O marketing quer fazer o melhor filme e ‘cede’ mais. Já o pessoal de compras é menos flexível. Nas empresas em que ele tem a palavra final, fica mais complicado. Achamos que o ideal é encontrar uma forma para que nem o setor de compras tenha que orçar com 20 produtoras para achar o que custe menos, nem o de marketing aceite imposições que tragam prejuízo. O marketing quer preservar o controle da situação, o que é interessante, mas para isso preciso rever algumas condições”, analisa Sampaio.

O VP da ABA cita ainda a intenção de passar a aplicar, no mercado brasileiro, as mesmas políticas que regem a atuação internacionalmente. “O que queremos é rediscutir o modelo brasileiro de produção, que se aproxime do mercado internacional – respeitando os direitos autorais de quem tem direito. O problema é que não se pode padronizar tudo – já que nem o anunciante, muitas vezes, faz coisas padronizadas. As negociações têm que ter flexibilidade para acontecer caso a caso”, acrescenta.

Sobre a alegação do risco de desestruturação das produtoras diante de uma revisão do pagamento de direitos autorais, Sampaio diz não acreditar em uma possível situação alarmante, mas sim em novas oportunidades. “Sempre que há uma grande mudança de regra em certa categoria, o prejudicado sempre alega que o negócio dele vai acabar. Os donos de escravos diziam que a agricultura não resistiria ao fim da escravidão, assim como os empregadores diziam não ser possível manter a saúde financeira com a aplicação da CLT. Pode ser que uma produtora ou outra desapareça, mas outras surgirão e a maioria se renovará”, considera. “Além disso, os anunciantes vão precisar de cada vez mais filmes, mais versões e para mais mídias. A conta não vai diminuir, e sim aumentar. O que mudará é o método produtivo. As que conseguirem se adequar, serão ainda maiores e mais rentáveis que atualmente. A Apro deveria ajudá-las nesse processo e não dificultar as mudanças”, completa.

Outro lado

Diretora-executiva da Apro, Sonia Regina Piassa também defende que, caso haja uma mudança, que seja para uma aproximação do modelo internacional. Porém, pela recente experiência da profissional com representantes americanos, tais condições seriam ainda mais custosas para os anunciantes, ao contrário do que imagina a ABA atualmente. “Acabamos de fazer uma missão em Los Angeles e aprendemos muita coisa. Fizemos uma reunião com representantes da AICP (Associação das Produtoras Independentes de Comerciais, na sigla em inglês) e da Sag-Aftra One Union (entidade que reúne as associações defensoras dos direitos dos atores e artistas de TV e rádio), e posso garantir: também gostaría-

mos de trabalhar como nos Estados Unidos”, posiciona-se. “Lá, um ator não pode ficar preso por contrato por mais de três meses e uma semana. Aqui, temos campanhas que usam o mesmo filme por dois ou três anos. Lá não existe possibilidade de exclusividade para os profissionais, a não ser que se pague muito por isso, enquanto aqui tem campanha de cerveja em que se paga R$ 6 mil de cachê para um senhor de 70 anos e exige exclusividade de 12 meses para qualquer campanha que envolva qualquer líquido – de alcoólicas a água mineral. Tudo isso é aceito, porque os anunciantes pressionam. Não é possível uma comparação real entre realidades tão diferentes. Lá, há uma indústria autossustentável. Aqui, não”, enfatiza.

Sonia reforça que as entidades americanas de proteção aos direitos autorais e de trabalho artístico são muito mais rigorosas do que no mercado brasileiro, e com total anuência dos anunciantes. “Se um filme produzido não vai ao ar no período de 21 meses, ele vai para o lixo, ficando proibido de ser veiculado. E a cada período de três meses e uma semana, os atores e envolvidos recebem os direitos da obra novamente e normalmente. Depois de ir para o ar durante o período em questão, caso ele queira reaproveitar, terá que pagar o que o ator pedir para reexplorar sua imagem. A ANA (Associação Nacional dos Anunciantes, atuante nos EUA) respeita todas essas regras”, pontua. “Por que a ABA não leva um grupo de pessoas para lá também, para conhecer melhor essas políticas? Uma empresa ser multinacional não significa necessariamente ter funcionários que conheçam todos os detalhes internacionais de diferentes indústrias”, questiona.

Outra característica analisada pela diretora para exaltar o trabalho das produtoras brasileiras é sua atuação, muitas vezes bem mais abrangentes do que o tradicional. “Lá, as agências é que montam o filme. Aqui, as produtoras recebem com frequência filmes com roteiros como ‘Abre filme com cena bonita. Corta para cena mais bonita ainda. Corta para casal feliz’. Muitas vezes, nem o diretor de criação acompanha as gravações para qualquer esclarecimento. Nós também temos culpa, pois não exigimos mais delas, mas ficamos sobrecarregados com processos como esses”.

Defesa

Nas definições atuais do mercado – e conforme cita o contraditório item da nova tabela de preços da Apro –, os anunciantes têm o direito de utilizar por 12 meses os filmes produzidos e com seus direitos devidamente quitados. A partir do fim desse prazo, cabe à entidade entrar em contato com a agência e questionar sobre o plano de uma nova veiculação. Em caso positivo, estipula-se em 10% do valor total da obra a taxa para reutilização – percentagem definida há 11 anos, em comum acordo entre as partes envolvidas.

“Agora, eles não querem mais pagar esse montante, nem fazer um novo filme. Também não querem pagar pela produção de diferentes versões, mesmo que envolva o montador e outros profissionais. Há algum tempo, perdemos os valores que eram pagos de acordo com cada cópia produzida para envio às emissoras, diante da transmissão via satélite, dos novos serviços de streaming etc. Agora, queremos cobrar R$ 8 mil para replicar quantas cópias o anunciante quiser por 12 meses, e nem isso eles aceitam? Os filmes que produzimos ajudam eles a vender, a ganhar cada vez mais, e somos penalizados por fazer um bom trabalho? Por isso queremos centralizar essa cobrança na Apro, já que é um direito legítimo de toda associação”.

Futuro incerto

Há mais de um ano discordando em praticamente todos os pontos que dependeriam de consenso, ABA e Apro estão cada vez mais longe de uma definição sobre o modelo de remuneração no que diz respeito aos direitos autorais. Por parte da ABA, Rafael Sampaio acredita que a questão só será resolvida na Justiça. “Acho que não vai ter acordo. Todos os sinais são de que eles querem preservar as condições atuais, o que para nós é impraticável. Infelizmente, o caminho deve ser acionar a Justiça”, considera o vice-presidente executivo. Para Sonia, ainda há esperança de uma definição na base da conversa – contanto que a entidade dos anunciantes aceite ceder de forma a encontrar um meio-termo. “Negociar é negociar. Toda vez que sentamos com eles, existe da parte dos clientes uma inflexibilidade que chega próxima da coação, que é inaceitável. Não é porque eles compram que eles têm que mandar em tudo. Queremos ser ouvidos de coração aberto, não apenas com a mentalidade de economizar alguns reais em cada processo. O mundo ideal é aquele em que ambos prosperam”, finaliza a diretora da Apro.