ABA vê 2014 com cautela e otimismo
Diretor de publicidade e marketing de relacionamento da Fiat há 12 anos, João Batista Ciaco deixa a presidência da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) no próximo dia 24, após duas gestões – de 2010 a 2014 –, confiante no mercado publicitário. O novo presidente da associação deverá ser João Francisco Campos (vice-presidente de alimentos e bebidas da Unilever), que será confirmado em eleição marcada para a próxima quinta-feira (13). Em entrevista ao propmark, Ciaco faz um balanço do seu trabalho à frente da ABA, fala sobre sucessão, comportamento do consumidor e desafios do mercado na busca por resultados. Segundo ele, que participou do júri de Creative Effectiveness no Cannes Lions 2012, a palavra de ordem dos anunciantes este ano é cautela. O executivo diz que as empresas estão olhando o ano com muita atenção. “E, se temos cautela, focaremos muito em resultado, estaremos muito preocupados com eficiência e olharemos muito a forma como os gastos vão ser feitos”. Ciaco destaca que em 2014 as empresas provavelmente desenvolverão mais processos de controle, de gestão e mensuração de resultados. Ainda de acordo com ele, os investimentos também serão mais pensados, estruturados e de riscos menores. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Balanço
Obviamente temos um monte de conflitos de mercado, por estarmos falando de interesses diferentes, mas acho que o que pautou essa gestão foi tentar focar nos pontos de convergência para um desenvolvimento maior do mercado, para que a gente pudesse surfar melhor na onda do crescimento do Brasil. O foco desta gestão foi tentar valorizar e trabalhar os pontos positivos. Não que não tenha havido conflitos e uma série de negociações que foram necessárias, mas a gente se pautou por focar nos pontos positivos. Esse é o primeiro balanço que eu faço. Esta gestão tentou também olhar muito para dentro, para preparar o executivo de marketing, dar um pouco mais de capability para que ele pudesse melhor navegar em todos os ângulos desse mercado, que é muito particular e tem uma série de aspectos locais. Trabalhamos a capacitação dos executivos de média e alta gerência para que atuem melhor dentro do cenário mercadológico brasileiro.
ABA 21
A ABA sempre foi muito focada no eixo São Paulo-Rio e nós tentamos levar essa discussão para além desse mercado. Tivemos uma aproximação grande com a Fenapro (Federação Nacional das Agências de Propaganda) para realizar eventos fora do eixo Rio-SP. Abrimos o capítulo Brasília para estarmos mais próximos do principal anunciante do Brasil, que é o governo, e também para trabalhar a capacitação do profissional do governo. Acho que fomos bem-sucedidos nisso. A última coisa é o projeto designado ABA 21, que visa tirar proveito do mundo digital e fazer da ABA uma associação mais participativa e efetiva. O projeto ABA 21 trabalha os aspectos digitais e como isso pode ajudar a fazer um trabalho melhor na associação, conversar com associados que não necessariamente precisam estar presentes em todas as reuniões. Como chegar a todo mundo, como trazer outros players que não só os anunciantes para participar. O projeto ABA 21 é uma grande plataforma digital que faz com que a gente traga um outro olhar para a ABA e amplie as abrangências dos nossos trabalhos.
Pontos positivos
Acho que tivemos uma relação boa com todas as outras associações. Tivemos um trabalho muito próximo ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) na defesa maior da liberdade de expressão comercial – que é um interesse comum do mercado. Além disso, trouxemos associações internacionais para nos dar respaldo em uma série de discussões necessárias ao mercado brasileiro. Trabalhamos muito conjuntamente com as demais associações. Hoje são mais de 180 projetos que circulam no Legislativo tentando de alguma maneira barrar a liberdade de expressão comercial. A gente trabalhou também muito próximo à Fenapro, à pequena e média agência. Esses aspectos foram muito marcantes nesta administração.
Conflitos
Do ponto de vista dos conflitos, obviamente a gente teve discussões importantes com a Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), o Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) e discutiu com a Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais) a questão da produção. A gente acredita que é tremendamente importante evoluir na questão da produção, porque no Brasil ainda há uma série de pontos que não evoluíram. É uma discussão grande que está acontecendo, que vai ficar para o meu sucessor e que é importante para o desenvolvimento do mercado. Esses foram os pontos mais conflitantes. Mas não houve nenhum grande rompimento. Acho que foi uma gestão tranquila.
Sucessão
O que a gente fez também foi ampliar a visão de comunicação da ABA para a visão total do marketing. Ou seja, olhar todos os aspectos que estão, de alguma maneira, envolvidos dentro do trabalho mercadológico. Estamos fazendo um movimento de levantar o olhar da comunicação para olhar o marketing como um todo. O que essa gestão nova vai fazer com a chegada do João Francisco Campos, que é o candidato que deve ser eleito por aclamação no dia 13 de março, é fazer essa ampliação. É dar à ABA um caráter muito mais voltado para o marketing do que só voltado para a comunicação. Isso faz com que a gente tenha mais discussões estratégicas. Acho que essa é a direção na qual a entidade vai evoluir agora, que é pensar mais no marketing em sua totalidade.
Visão nova
Pelo estatuto da ABA, eu vou para a copresidência do Conselho Superior ao lado de Luiz Carlos Dutra (VP de assuntos corporativos do Grupo Votorantim). A gente sai da operação e vai para o conselho. Eu acho que, depois de quatro anos, saio da ABA com outra visão do mercado. Uma visão mais completa, profunda, que entende mais os dilemas, as dificuldades que esse mercado tem que enfrentar para crescer. É uma visão menos fantasiosa até. E me ajuda a posicionar melhor inclusive como anunciante em questões importantes para contribuir para o desenvolvimento do mercado como um todo.
Voz do consumidor
O ambiente em que marca e consumidor falam juntos ainda é muito recente e está em fase de trabalho para as marcas. Você tem que ter respostas prontas que normalmente demandavam processos mais longos de obtenção de respostas. Esse ambiente da conversa faz com que as marcas tenham que estabelecer processos internos muito diferentes, delegar vozes para mais gente. É um processo que está evoluindo e, se as marcas não entrarem logo nessa conversa, ela vai acontecer sem as marcas, porque os consumidores continuam falando delas. Ninguém está mais disposto a ligar para o 0800 e reclamar de alguma coisa ou entrar no site da empresa. As marcas precisam entrar nessa conversa e participar de um jeito muito igual. E isso é muito difícil, porque a gente só sabe fazer isso ou soube até então no âmbito privado. Se eu tenho um problema, entro em contato com o consumidor e tento resolver o seu problema, e quando ele é resolvido está encerrado o processo. Resolver esses aspectos no ambiente do público ainda é uma coisa muito difícil para a empresa. Porque o consumidor não está preocupado em colocar o seu problema só para a empresa. Ele está colocando o seu problema para todo mundo. E resolver o problema perante todo mundo ainda é um procedimento que a empresa precisa aprender a fazer, são processos novos que precisam ser desenhados. Isso não é uma coisa tranquila para as organizações, que se faz do dia para a noite, pois há muitos aspectos envolvidos e muita gente patinando.
Redes sociais
As marcas não são humanas, não são pessoas, as marcas não se portam de forma humana e a gente tem visto muito isso de ‘vamos humanizar as nossas marcas’. O que não é verdade. A meu ver, marcas são marcas e pessoas são pessoas. E são dois estatutos de relações que a gente desenha. As marcas são racionais, uniformes, constantes. As pessoas podem ser inconstantes, podem ter opiniões que mudam. Você não pode humanizar uma marca porque não faz parte da essência dela. Você não pode objetivar o consumidor como um ente racional, lógico. Como organizar isso é que vai fazer com que as empresas sejam mais rápidas ou não em trabalhar com o social e estar dispostas a discutir coisas que às vezes não são tão agradáveis.
Fazer sentido
O mais importante em uma campanha publicitária é fazer com que a voz da marca seja a voz das pessoas. Se antes eu falava e as pessoas ouviam e elas não estão mais dispostas a estabelecer esse tipo de relação, tenho que fazer com que aquilo que a gente fala como marca ressoe como algo que faça muito sentido para a vida das pessoas. Porque se elas gostarem e acreditarem elas mesmo se transformarão em mídias que vão propagar aquilo que estamos falando, vão elogiar, curtir, levar para frente todas as coisas que fazemos. Hoje o trabalho de marketing é compreender profundamente o que quer, o que deseja e o que espera o consumidor, e conseguir entregar, do ponto de vista da comunicação, algo que faça muito sentido e seja muito pertinente ao nosso universo de consumo. Na Fiat, temos alguns exemplos e o mais recente deles é o “Vem pra rua”, que é uma campanha (criada pela Leo Burnett Tailor Made) que não nasceu com a finalidade que adquiriu – pelo contrário, nasceu com uma finalidade muito festiva, de comemorar o momento importante para o Brasil –, mas que de alguma maneira fez muito sentido para o que o consumidor estava vivendo, querendo e passou a ser a voz das pessoas [a música da campanha foi usada como “hino” para convocar os brasileiros para os protestos contra a Copa, em junho de 2013]. É interessante que depois dessa campanha todos os nossos indicadores de marca estavam melhores. A gente aumentou a nossa percepção, trouxe mais público jovem para a marca, foi o menor índice de rejeição da marca Fiat no Brasil, continua líder de vendas pelo 12º ano e foi Top of Mind no DataFolha.
Copa
A Copa de alguma maneira exalta um pouco a brasilidade, para o bem e para o mal, mas congrega as pessoas. Fazer com que as pessoas sintonizem no mesmo tom é muito positivo. Acho que a Copa vai trazer coisas muito positivas para o Brasil. E se as marcas conseguirem se encaixar nessa voz única que a Copa tende a trazer, nesse movimento do estar junto das pessoas, vai ser muito positivo, sejam essas marcas as patrocinadoras que vão poder se valer da Copa dentro dos estádios e tudo mais, sejam as marcas que estão fora. Acho que teremos uma visibilidade enorme do Brasil lá fora. Temos oportunidades de mídias e possibilidades de relacionamentos interessantes. E claro que temos um monte de riscos envolvidos, custos, manifestações. Do ponto de vista da marca, acho que é um momento que tem de ser bem usado, entendido, as coisas boas que a Copa vai trazer têm de ser aproveitadas.
Cautela
O ano passado não foi fácil. Acho que a gente voltou a um patamar de trabalho mais duro, mais apertado, de budgets menores, de resultados menores, de mercados caindo. A gente vem dessa dureza que foi 2013, principalmente no segundo semestre. O começo deste ano reflete muito isso. Ainda há muita incerteza, pouca definição de como vai ser o comportamento do Brasil este ano, e muito receio. A gente tem bons investimentos nesses dois primeiros meses, mas sem dúvida é um ano que começa com cautela. Acho que cautela é a palavra de ordem para todo anunciante. Estamos olhando o ano com muita atenção. E se temos cautela, focaremos muito em resultado, estaremos muito preocupados com eficiência e olharemos muito a forma como os gastos vão ser feitos, nos programando com mais intensidade. Temos que olhar com muito mais atenção as escolhas que fazemos. Acho que é isso que está imperando agora.
Busca por resultados
Todo mundo está acreditando que pode ter coisas interessantes durante o ano, que podemos ter bons resultados, mas que serão resultados mais duros, mais perseguidos de verdade, mais buscados com intensidade como processo de eficiência, de eficácia. Acho que será um ano de batalhar mais. Será um ano de mais suor do que os anos anteriores. A gente cresceu bastante nos últimos cinco, oito anos, e hoje voltamos ao patamar que o mundo está vivendo. Os resultados estão mais difíceis, o consumo tende a arrefecer e a classe média, que vivia no paraíso, já não tem um paraíso tão azul quanto era há algum tempo. A realidade bateu forte e talvez tenha escancarado um pouco a porta, e o que temos que fazer agora é pôr a casa em ordem e trabalhar com os instrumentais que a gente tem e saber trabalhar. Eu não acho que será um ano fácil, mas não vai ser desesperador. É um ano que vai medir muito mais o risco, portanto os investimentos de risco vão ser menores este ano. As apostas nas inovações, nas coisas de risco grande vão ser postergadas, mas sem dúvida é um ano que vamos buscar resultado a todo custo.
Investimentos
Se o mercado tende a cair, os investimentos tendem a ser menores. Mas não acho que será uma redução drástica do quanto as empresas investirão, de que vão ter cortes muito significativos. Não acho que é isso. Acho que serão investimentos mais pensados, mais estruturados, de riscos menores, muito mais negociados, de muito mais atenção. É um ano mais tenso, mais duro.
Perspectivas
O que a gente tem dito na ABA, do ponto de vista do anunciante, é que este é o ano que provavelmente a gente vai desenvolver mais processos de controle, de gestão, mais processos de mensuração de resultados. Um ano que a gente vai arriscar menos, talvez um ano menos inovador do que os anos anteriores, do ponto de vista da comunicação, da criatividade, da escolha de meios, dos lançamentos de produtos. É um ano que tende a ser mais conservador. Mas é um ano positivo. A gente está tendo muitas perspectivas boas. O Brasil ainda tem muita coisa a explorar. Temos muitos setores ainda em crescimento. Muitas possibilidades de desenvolvimento em vários segmentos, indústrias. No geral, tende a ser um ano de bons resultados, não de ótimos resultados. Mas um ano muito difícil de trabalho e muito focado em resultado e eficiência.
Confiança
Apesar de não ter mais tantas fantasias com relação ao mercado publicitário, eu saio da ABA mais confiante no mercado brasileiro. A gente pode criticar uma série de coisas, brigar por uma série de pontos, pode discordar em vários, quebrar o pau, como a gente quebra mesmo às vezes, mas esse é um mercado muito organizado, que explora muito bem todos os seus potenciais. Acredito muito nesse mercado, que a gente vá buscar novos modelos que serão modelos muito saudáveis para o desenvolvimento de todas as partes. Cada vez mais o mercado da comunicação mostra como é eficiente para os resultados gerais, de negócios da empresa. Eu saio da ABA com essa confiança. Provavelmente, ao sentar só na minha cadeira de marketing, vou agir com muito mais consciência de que a gente tem que brigar muito para esse mercado ser cada vez melhor, porque esse mercado melhor significa melhores resultados para todos nós, para todas as marcas, para todas as empresas.