Acorda, Zé Maria!
Presidentes, CEOs e empresas de diferentes setores de atividade piraram. Envenenam-se de empáfia e pavonice, acreditam terem descoberto a pólvora e que o vento do destino e as circunstâncias os levaram a possuir o tal do pote do final do arco-íris. Você gosta de lagosta? De uma lagosta? De dez lagostas? Tudo bem. E se eu lhe der 1 milhão de lagostas, o que você faz com o milhão de crustáceos? No popular, porra nenhuma! Ou, enfia em, no, sobre… Agora todos se pavoneiam por deter um big data. Conseguem mapear e rastrear o movimento de todos os seus clientes, assim como de propects e suspects. Sabem tudo. E a cada novo dia, a cada movimentação, sabem mais. Ao menos é essa sensação que têm e alardeiam.
Lembra da piada? Um alto executivo estressado decidiu respirar e descomprimir numa fazenda. Os dias passam e sente falta do que fazer. Pergunta ao Benedito se não precisava de alguma ajuda. Benedito lhe confia uma primeira missão. Espalhar o esterco sobre uma grande área de terreno, tarefa que demandaria duas dezenas de homens e de dois a três dias de trabalho contínuo. Duas horas depois o alto executivo retorna e pergunta ao Benedito se ele não tinha mais nada onde pudesse ajudar. Benedito não acredita e vai conferir; a missão tinha sido executada e com perfeição.
Em verdade, diz Benedito, não tenho nada tão importante, mas, já que você insiste em ajudar, pega aquele saco de batatas e separa as de boa qualidade das que não podem ser aproveitadas. E arremata dizendo: “Você não vai levar mais que 10 minutos pra fazer isso, mas é o que eu tenho pra você fazer”. Benedito se esquece do alto executivo e só se lembra dele no dia seguinte. Lá está ele, sem dormir, perplexo e catatônico, olhando para as duas primeiras batatas. Uma em cada mão. E absolutamente incapaz de decidir.
Contando essa história em todos os anos depois, Benedito terminava com sua conclusão: “altos executivos são imbatíveis em espalhar merda, mas incapazes de tomar uma decisão”. Veja, 2.529, 10 de maio 2017. Mauricio Lima e Marcelo Sakate entrevistam um megapavão: José Maria Alvarez-Pallete Lópes, presidente do grupo espanhol Telefónica. Entrevista ilustrada por uma foto “artística” onde o pavão esconde os pés e revela todas as plumas. E, posando de inteligente, anuncia ao mundo: “Há alguns anos começamos a nos dar conta de que as plataformas geram muitos dados sobre nossos clientes: se veem ou não TV, se pagam as contas em dia, se reclamam muito e que aplicativos baixam. Mas só utilizamos esses dados parcialmente. É algo muito valioso, que vai além do big data. Com o uso de inteligência cognitiva, criamos o que chamamos de banco de dados pessoais. São informações de nossa rede e que pertencem ao cliente, para que ele receba atendimento personalizado, desde serviços financeiros até produtos diversos. Somos um grupo de telecomunicações, mas podemos ser no futuro um banco, uma companhia de seguros ou uma empresa de mídia. Será um novo mundo para as empresas de telecomunicações…”
Acorda, Zé Maria! Até hoje sua empresa presta um serviço de merda no Brasil. Acorda, Zé Maria, os dados não pertencem à Telefónica, são dos clientes. Você perguntou se eles querem e autorizam de forma honesta, digna e verdadeira, não na empulhação de um impulso e autorização escondida, criminosamente, num aplicativo qualquer e irresistível? É esse o pensamento que prevalece, hoje, em milhares de empresas em todo o mundo. É a tal da bebedeira ou porre de dados. Cada uma acreditando tratar-se de conquista exclusiva, que agora podem fazer de tudo e para todos. Mas continuam, perplexas e catatônicas, incapazes e incompetentes de prestar um serviço com um mínimo de qualidade. Com as primeiras duas batatas nas mãos e sem saber o que fazer. Será o Benedito? Sim, é o Benedito! Antes que morram, todas, afogadas, engasgadas, asfixiadas, por dados que não param de jorrar; tipo, disenteria.