Agências do interior de SP otimizam verbas e ganham espaço na capital
O avanço da digitalização, novos hábitos e imprevistos como a pandemia da Covid-19 derrubaram barreiras geográficas em todo o mundo. Tanto que muitas agências antes vistas apenas como regionais estão se destacando no mercado de propaganda e marketing nacional. Em relação às empresas criativas do interior de São Paulo, isso não é diferente.
A Audaz, por exemplo, tem na carteira clientes como Grupo Fleury, The ZF Company e Avery Dennison, entre outras. Apesar dos grandes anunciantes como parceiros, a empresa criativa fundada por Alexandre Bassora ainda luta para desmistificar a pecha de que agência do interior só funciona para B2B ou contas menores.
“Um dos grandes desafios que tenho hoje, principalmente com a construção de percepção do mercado, é quebrar exatamente esse paradigma de que uma agência do interior é diferente de uma agência da capital. Não é. Em qualidade e em capacidade de entrega, nós somos tão bons quanto qualquer outra agência em qualquer lugar do mundo”, apregoa. “Esse olhar que se tem para o interior de uma agência que faz trabalho mais B2B e trabalho para empresas menores não é verdade. O Grupo Fleury, por exemplo, é gerido 100% na capital”, complementa Bassora, fundador e diretor-geral de criação da Audaz.
Perguntado se há propensão a clientes B2B, o executivo fala que não, mas explica o modus operandi para este tipo de anunciante. “Óbvio que eu não mudo a característica do negócio do cliente, mas eu mudo a forma de o cliente fazer comunicação. Tento tirar essa coisa de empresa falando com empresa, ou empresa falando com o consumidor, e mudando para pessoas falando com pessoas. Chamamos de H2H, ou human to human. Afinal, o que existe neste mundo que não é para as pessoas?”, justifica.
Fábio Ramos, diretor da agência Arpejo, que tem como principais clientes ADM, Catho, Educação Adventista, Frutap, Solito Alimentos e ZF, faz coro ao discurso de Bassora para defender as agências do interior. “A pandemia acelerou tendências. Os benefícios tangíveis, como o prédio, a avenida, e a cidade que a agência está localizada, perderam espaço para os benefícios intangíveis, que são a força da sua marca”, exalta.
Ao mesmo tempo, uma equipe de trabalho não precisa estar concentrada em apenas um ponto. “Já vemos tendências de escritórios migrando para regiões interioranas, exemplo disso é a XP, que sairá de SP para ir para São Roque, num espaço que vai promover uma nova experiência para clientes, fornecedores e colaboradores. A distância e a logística não são mais um grande problema, visto que o colaborador não precisará ir todos os dias para o escritório. Acredito que essa tendência veio para ficar e isso beneficiará as agências que já possuem suas estruturas em cidades com esse perfil”, argumenta.
Para Ramos, há outras questões positivas para quem opta por uma agência do interior. O custo-benefício é uma delas. “Agências mais otimizadas, focadas em serviços específicos, com estruturas horizontais e independentes, em regiões com custo de vida menor, influenciam diretamente no custo fixo da operação, garantem ao anunciante uma entrega de qualidade com um custo mais acessível. Assim como existem anunciantes do interior querendo conhecer como é o mercado da capital, há, em proporção parecida, anunciantes de grandes centros e capitais vindo para o interior”.
Mas os desafios são muitos. Entre eles, as verbas. “A propaganda precisa ser um investimento, um recurso alocado no balanço financeiro do cliente, que promova resultados, mas sem que esse investimento atrapalhe a saúde financeira da empresa. É como se fosse um remédio, se você usar uma dose abaixo do indicado, não surtirá o efeito desejado (resultado), porém, se usar acima do indicado, poderá haver problemas com a saúde (financeira).
Seguindo essa premissa de um uso proporcional e consciente dos investimentos publicitários, as verbas locais são menores que de projetos nacionais, portanto, o grande desafio é garantir boas entregas mesmo tendo recursos menores. Aqui, a criatividade não só precisa estar na ideia como também na planilha de custos para fazer a conta fechar”, analisa Ramos.
Além disso, há o que o diretor da Arpejo chama de “Sedução da Capital”. “Já vivenciei e vejo exemplos de clientes que eram muito bem atendidos aqui no interior e, por algum motivo, resolveram se aventurar no mercado das grandes agências da capital. A agência do interior cria a cultura do
investimento recorrente em marketing, auxilia no crescimento da marca e quando essa marca começa a ganhar notoriedade, é ‘seduzida’ por uma agência da capital”.
Ramos também destaca o movimento de alguns anunciantes buscando agências mais nichadas, de médio porte, não mais concentrando em um grande lugar todas as suas ações. “Uma agência independente tem mais flexibilidade, é mais ágil e consegue entregar um atendimento mais próximo. Essas características e estruturas são facilmente encontradas em agências do interior”, reflete. Há ainda um problema de mão de obra. “A sedução da capital também atinge os talentos. Com verbas mais robustas e o sonho de atender contas nacionais, muitos talentos do interior migram para capital”.
Sobre a importância do mercado, o profissional cita dados e fala que o interior paulista representa 57% do potencial de consumo do estado (IPC) e 56% da população. “Ainda assim, o que me chama verdadeiramente a atenção é a capacidade exponencial de crescimento que temos no interior. Podemos considerar que, na Grande São Paulo, alcançamos um platô de crescimento, ou seja, é difícil imaginar dobrando de tamanho, já o interior ainda tem muita capacidade e espaço para crescimento. O crescimento do estado de São Paulo para as próximas décadas terá influência direta do interior paulista”.
Segundo Bassora, a característica de uma agência do interior sempre foi da necessidade de ser capaz de fazer tudo que precisa para um cliente se comunicar. “Essa é uma virtude que venho construindo em 30 anos de carreira, 20 deles na Audaz, é fazer muito bem feito tudo o que precisa ser feito”, defende.
O executivo ressalta que o interior facilita a quebra de barreiras quando se trata de agências. Para ele, é preciso entender de pessoas, não de meios.
Além disso, segundo o fundador da Audaz, há vantagens como o modelo de precificação. “O meu é idêntico ao de consultoria. O que eu tenho pra vender é tempo e inteligência. Óbvio, temos as outras formas de remuneração também”.
Da capital para o interior
Entre as agências que figuram no TOP 10 do ranking da Kantar Ibope Media, a Talent Marcel é uma das que têm clientes que necessitam de comunicação para o interior. Claro, CNA, Ipiranga, Grupo CCR, Lojas Americanas, Batavo e Presidente são apenas alguns dos anunciantes, conforme relata Herbert Gomes, diretor-geral de mídia da agência.
O foco principal na criação das peças e na escolha dos meios para conversar com as personas destes mercados estão entre os principais diferenciais para criação focada na região. “Os hábitos muitas vezes não acompanham a relação das pessoas da capital. Tudo isso deve ser considerado na escolha do meio e na conversa, mas não pode afetar o conceito da marca se ela for nacional. Se for regional, aí sim o conceito pode ser derivado de algum ícone da região”, explica Gomes.
“Quando pensamos em Campinas, por exemplo, a gestão da comunicação e de mídia já tem grandes influências de cidades grandes até mesmo pela concentração do PIB da região. Mas como exemplo uma cidade como Piracaia, no interior de São Paulo, com 26 mil habitantes, o trato deve ser ainda mais próximo e a escolha dos meios deve ser ainda mais assertiva, como a faixa de rua na praça principal, o banco na praça da igreja ou o carro de som que passa a informação diária na cidade”, exemplifica Gomes.
Segundo o diretor-geral de mídia, os maiores clientes da Talent Marcel possuem grande força regional. “Somos feitos de vários Brasis”, complementa.
O profissional ressalta que é preciso levar em conta o regionalismo, mas não o que chega através de estudos genéricos e sim o que vem com a vivência do mercado, a visita, a aproximação e o entendimento do povo local ou midiaticamente falando “a persona local”.