Agências vivem apagão de talentos
As companhias brasileiras estão enfrentando um apagão de talentos. Um relatório da agência norte-americana de recrutamento Manpower aponta que o Brasil é o segundo país onde mais faltam profissionais capacitados, somente atrás do Japão. No mercado brasileiro, a pesquisa indica que 68% das empresas reportaram dificuldade em recrutar gente em 2013. No caso das agências de publicidade, cuja atuação vem mudando nos últimos anos com a entrada do digital, o cenário também preocupa.
“O papel da agência está mudando dramaticamente. Mesmo quem está se formando nas melhores universidades não chega preparado. Temos que capacitar muita gente”, diz Marcelo Tripoli, chief creative officer da SapientNitro para a América Latina. O criativo afirma que as habilidades que mais faltam dividem-se entre pensamento estratégico e conhecimentos práticos. Com a entrada do digital, as agências precisam criar aplicativos para marcas, plataformas online responsivas e entender muito mais de tecnologia para comprar mídia. A entrada do conceito de real-time bidding, de compra programática, por exemplo, mudou o papel do mídia, afirma Tripoli.
“A mentalidade tradicional desse profissional era usar dados do Ibope e negociar com o veículo a inserção. O novo profissional precisa lidar com DSPs [Demand Side Platforms], auditoria de tráfego, publicidade comportamental. Esse profissional está precisando de uma série de conhecimentos técnicos”, reforça ele.
Na SapientNitro São Paulo, há 10 vagas abertas nas áreas de mídia, planejamento e de conteúdo, e o tempo para recrutar profissionais pode chegar a oito semanas. “Esse tempo é muito mais do que eu gostaria. O cliente não fica nem um pouco feliz com a espera”, conta.
Na R/GA, conhecida pela sua ligação com tecnologia, a solução foi trazer profissionais de fora. Um setor inteiro, de user experience, é formado por estrangeiros e brasileiros que estavam no exterior. “Está muito difícil encontrar as pessoas certas. Desde que chegamos ao Brasil, há três anos e meio, tem sido complicado”, afirma Paulo Melchiori, diretor-executivo de criação da R/GA.
Para ele, a habilidade mais em falta é o pensamento integrado. “Muito se fala sobre isso, mas poucos sabem de fato fazer. Campanha integrada é um conceito grande para nós, que envolve desde social media a ponto de venda e TV. A maioria dos profissionais hoje sabe fazer só uma dessas coisas”, aponta. “Não queremos alguém que saiba fazer tudo. Mas precisamos de pessoas que saibam ligar os pontos, que entendam conceitualmente o papel de cada peça na campanha”, explica.
Na agência hoje há 11 vagas abertas, sendo oito só na criação. “Elas vão de diretor de criação e designer, que trabalha a parte gráfica, a redatores e experience designer, que trabalha a parte de interatividade e experiência”, detalha.
As ciências duras
O problema que o digital impõe às agências é a inclusão de ciências como a matemática e a engenharia no dia a dia da operação, analisa Fábio Gerab, doutor em Física Aplicada pela USP e chefe do Departamento de Matemática da FEI-São Bernardo. “O digital é conhecimento de matemática pura. As pessoas do marketing e da comunicação resistem à ideia de que ela faz parte do jogo.”
Ele avalia que as equipes de marketing precisam cada vez mais de um “núcleo duro” dentro das agências para dar conta de criar soluções em digital. Esse entendimento também altera onde as agências irão recrutar profissionais. Na SapientNitro São Paulo, por exemplo, um quinto das 100 pessoas da agência é formado por engenheiros. “Nós já olhamos para cursos de engenharia. Eles são ótimos para pensar na concepção do produto”, diz Tripoli.
Para o mercado, o problema está nas universidades, que não formam profissionais conectados às demandas do mercado. Para a academia, a indústria quer pessoas operacionais demais. “A necessidade que temos é de profissionais capazes de pensar, de analisar de forma sistêmica. O aprendizado sobre o uso das ferramentas vem do mercado”, opina Beth Saad, coordenadora do curso de Comunicação Digital da USP.
Para Gustavo Burnier, sócio e diretor de operações digitais da AlmapBBDO, falta uma política de gestão de novos talentos dentro das agências. “Onde estão as que fazem treinamento? Estamos perpetuando o problema. Não se discute projetos de gestão para os talentos”, afirma.
A formação de profissionais dentro de casa é uma das soluções encontradas pela R/GA para lidar com o apagão de talentos da indústria, afirma Melchiori. Outra iniciativa da agência foi criar, junto com a Miami Ad/School, uma disciplina de experience design no curso de Direção de Arte. “Para nós, é importante ajudar a formar pessoas para que conheçam nossa visão e que depois queiram trabalhar com a gente.”