O mundo dos negócios sempre atraiu o executivo Fernando Taralli, presidente e CEO da agência VML no mercado brasileiro, posição que assumiu em 2011. Ele comanda um grupo de 140 profissionais e gestão de comunicação de marcas como Nespresso, Estrella Galícia, Kimberly-Clark, Oi e Raízen, entre outros. Com DNA digital, a VML se incorporou globalmente à Y&R, mas no Brasil as operações são estanques. Taralli é responsável pela integração da rede VML&Y&R na América Latina.

“O Brasil que não está dando errado é o das fintechs. Porém, muitos setores econômicos estão sentindo os problemas por uma dicotomia estrutural. Na publicidade, o questionamento do modelo das agências é que domina a pauta”, resumiu Taralli durante visita ao PROPMARK.

Fernando Taralli começou sua carreira em empresas anunciantes, mas a paixão o direcionou para agências (Créditos: Alê Oliveira)

O publisher Armando Ferrentini abriu a conversa da redação com o publicitário, questionando o executivo sobre início de sua carreira. “Comecei na área de humanas, mas logo me apaixonei pelo marketing. Trabalhei no Banco Nacional à época das campanhas com o Ayrton Senna. Era um banco agressivo, um modelo pré-Ambev. Participei da fusão do Nacional com o Unibanco. Chegou uma hora que mudei de lado da mesa: fui trabalhar na DM9 por cinco anos com o Nizan Guanaes, atuando na conta do Cartão Nacional. Ousei entrar na área de criação, mas o pessoal me expulsou. Depois passei pela Rapp Collins, ainda na época da mala direta. Passei para a Wunderman, onde construí o entendimento pelo CRM, digital e também o offline. Também atuei como cliente no escritório da Sony em Miami. Passei pela New Energy, Energy e desde 2011 estou na VML.”

O processo disruptivo das agências foi o ponto levantado por Paulo Macedo. E Taralli argumentou que há necessidade de reinvenção, mas pede que as agências observem o papel dos CMOs (chief marketing officers). Nas palavras de Taralli, o valor das agências passa pelos gestores de marketing, agora migrando para CGO ou chief growth officers.

“Reverter o papel do marketing é uma necessidade. Marketing significa crescimento de negócios com a inovação e tecnologia. Uma pesquisa realizada pelo WPP mostra que há necessidade de encontrar um novo posicionamento para os CMOs. Esse estudo aponta que o turnover nessa cadeira quente é de dois anos. As consultorias avançaram porque ficam mais próximas dos CEOs, COOs e CTOs e, consequentemente, questionam o modelo das agências. O marketing tem de reagir aos agressores. O Henry Ford foi o agressor quando lançou a produção de carros em série. Hoje o agressor é o Uber. É hora de gerar diferenciais de marca com design thinking, por exemplo. Mudar o escopo é mais do que uma necessidade. O foco é o problema do cliente e não mais na campanha”.

Aumentou o nível de exigência? Questionou Leonardo Araújo. Taralli respondeu: “Proporcionar experiência é vital para o marketing. Há uma combinação entre comunicação e marketing. Para tudo há escolha. O cliente pode entrar na rede social de uma marca e dar opinião. A proximidade faz parte do jogo. Não há mais pirâmide. As lideranças têm de empoderar as novas gerações. Jovem é apaixonado por propósito. E gosta de coisas com adequação de pauta. A indústria tem novos personagens e muito mais jovens. O equilíbrio faz parte, mesmo porque em alguns momentos o volume de carga horária é grande. Mas o profissional precisa ter sangue no olho para observar os insights diante da mudança de consumo de meios. O mundo hoje é 80% digital”, ponderou Taralli.

Os jornalistas Leonardo Araújo, Danúbia Paraizo, Armando Ferrentini, Kelly Dores, Paulo Macedo e Neusa Spaulucci entrevistaram o presidente e CEO da VML na sede do PROPMARK

Além de comprometimento e empoderamento, o executivo chama a atenção para a absorção da dor do cliente. “Se não comprar o desafio do cliente, ele simplesmente não vai aprovar o que for proposto. Temos de fazer parte do contexto. Vivemos um momento líquido com energia de startup”, Taralli respondeu a Danúbia Paraizo, que citou o trabalho do executivo no lançamento de startups como a Dafiti e Groupon no Brasil. “A evolução é conjunta. Muitos processos se inverteram. A metodologia de startup tem de estar dentro da agência. Antes a mídia ficava cinco minutos em uma reunião. Hoje, muitos processos nem começam se a mídia não estiver presente. Com a entrada dos robôs no jogo, criatividade e dados passaram a caminhar juntos. Mas a criatividade é a alma do negócio e gera as informações para os robôs. É o data driven marketing. A tecnologia ajuda a nichar mensagens. É oferta ou RTB?”, acrescentou Taralli.

Como transformar ciclos em jornadas? Taralli respondeu à pergunta de Paulo Macedo que a mídia programática é aliada nesse cenário. O consumidor quer comprar, está querendo comprar e checa preço. Dados desenham a jornada.”

Taralli ilustra o pensamento com o fenômeno do Nubank. Para ele, o cliente atual não discute mais o uso de tatuagem ou piercing. “São escolhas naturais das pessoas. E isso se reflete na agência, que não tem mais só publicitários”, ele observou.

Mas como enfrentar a suposta crise? Taralli respondeu a Neusa Spaulucci. “Tivemos recentemente quadros que interferiram e ainda interferem na gestão econômica: Bolsonaro, Trump e o Brexit. Há setores que estão bem encolhidos. Por isso enfatizo sempre que sofrer a dor do cliente inclui também o modelo de remuneração. Para casar com o share do anunciante. Há também a discussão de salário e margem. Se interferimos no crescimento, contribuímos para o não esvaziamento do marketing.”
Os silverheads foram outro questionamento de Neusa Spaulucci. “É uma oportunidade que muitas marcas estão dando atenção. E um mercado em expansão e no foco de negócios de muitas empresas”, disse Taralli.

A editora-chefe do PROPMARK, a jornalista Kelly Dores, quis saber sobre a fusão entre a VML e a Y&R. “A fusão na América Latina só existiu de fato no México e na Colômbia. Parece até que o Brasil é diferente, não é mesmo? A explicação é que as duas agências têm operações muito robustas e de bom sucesso. Nos demais mercados aconteceu uma oportunidade de a VML injetar o digital. No caso da Y&R, devido ao trabalho do David Laloum, a agência tem uma fortaleza no approach offline para baixo. E a VML no digital para cima. Uma fusão dura traria prejuízos. Mantivemos os approachs de cada marca e unimos tudo que é back. Também havia conflitos. A fusão foi bem assimilada nos países em que ocorreu. E o WPP tem muita marca. A fusão foi benéfica”, finalizou executivo.

A série Encontros tem o formato de mesa redonda com o objetivo de ouvir experiências e análises de profissionais como Fernando Taralli