Anunciantes buscam inovação e criatividade para navegar na crise
Juliana Azevedo: “Fiquei cinco anos fora do Brasil e, quando voltei, pedi que reensinassem como operar aqui”
O PIB brasileiro deve encerrar 2018 com crescimento inferior a 1,5%, frente a uma previsão de 3% no começo de um ano do qual já se esperavam oscilações. O cenário político e econômico do país não permitia muito otimismo, mas novidades no meio do caminho, como a greve dos caminhoneiros e o cenário que tomou as eleições presidenciais, ajudaram a retrair ainda mais a confiança das marcas em investir. Presidente da operação brasileira de um dos maiores anunciantes do mundo, a P&G, Juliana Azevedo assumiu o cargo em fevereiro deste ano e precisou lidar com desafios extras para atingir suas metas. Um cenário comum a todos os entrevistados, mas que encontra em sua história a perfeita sintonia do que foi o ano para o mercado anunciante. “Fiquei cinco anos fora do Brasil e, quando voltei, pedi por favor que me reensinassem como operar aqui. A crise mudou muitos hábitos dos consumidores, que passaram a frequentar a loja por sete vezes antes da compra, mais que as cinco vezes de antes. Mesmo coisas que o brasileiro valoriza, como a higiene bucal, tiveram variações. As pessoas passaram a ter um prazo mais longo para a compra de uma nova escova de dentes, não mais os três meses recomendados”, exemplifica ela.
Como estratégia, o mercado parece buscar aumentar o valor agregado dos produtos para atingir seus resultados. “Diante dessa mudança de comportamento trazida pela crise, tivemos de reforçar os investimentos em produtos mais inovadores. Para pagar mais, o consumidor precisa ter a percepção de valor daquele produto. A barra da inovação subiu muito”, reflete. Nesse sentido, ela afirma que o trabalho dos cientistas da empresa se tornou muito mais importante. Uma das prioridades da P&G é alimentar com profissionais seu centro de inovação em Louveira (SP), que recebeu investimentos de US$ 150 milhões para o lançamento em 2017. Segundo Juliana, os primeiros seis meses da operação da empresa em 2018 foram muito difíceis, muito por conta da greve dos caminhoneiros. Desde julho, no entanto, conseguiu retomar uma frequência de inovação em diversos produtos. “Essa retomada tem um papel importante para nos ajudar a ter um segundo semestre mais positivo, apesar das eleições e da volatilidade da moeda”, afirma.
André Mello: “Investimos continuamente”
Enfrentamento
Artur Grynbaum, presidente do Grupo Boticário, também teve um ano complexo e afirma que, desde o começo, não acreditava em projeções mais otimistas sobre o PIB, por conta de sinais que observava na rede com grande capilaridade que a empresa construiu. “Conseguimos crescer 7%, o que é muito positivo para um ano como esse. Também fizemos investimentos de R$ 300 milhões e não nos esquivamos de fazer movimentos importantes. Temos responsabilidade com nossos consumidores e parceiros de negócios e temos de continuar a acreditar em fazer novas marcas e experiências para atender melhor às pessoas”, diz o executivo. Segundo ele, o mercado do Grupo Boticário exige o que ele chama de “jogo de ataque, para fazer gol no adversário”.
“Investimos muito nos últimos tempos, inclusive R$ 1 bilhão em 2013. Temos por característica sermos otimistas e acreditar no país que temos e nas pessoas que estão conosco”, diz. Da mesma forma que a P&G, a empresa investiu em inovação e um dos destaques foi o projeto de inteligência artificial (AI) para criar novas fragrâncias, o Phylira, criado em parceria com IBM e Symrise. “Traduzimos a questão da inteligência artificial para criação de produto, após detectarmos oportunidades no mercado consumidor. Estamos aprendendo com isso e acreditamos que haverá mais inovações em AI adiante”, revela Grynbaum.
A tecnologia foi aliada também da Mastercard, que teve um ano de crescimento com share que chegou a 46% do mercado de meios de pagamento. Uma das novidades da empresa foi o uso de cartões por aproximação. “Temos uma agenda de falar mais sobre onde Mastercard está em termos de tecnologia. Não falamos apenas sobre cartões, mas soluções, segurança, blockchain, dados, reconhecimento facial e diversos outros”, diz Sarah Buchwitz, vice-presidente de marketing e comunicação da Mastercard para Brasil e Cone Sul. “Este foi um ano de alta, apesar do cenário brasileiro. Crescemos acima do mercado e vimos resultados de brand equity, preferência de marca e uso dos produtos. Foi um ano estável de investimentos em publicidade, mas que ajudou a apontar para um cenário de crescimento para 2019”, revela.
A estratégia de crescimento da marca passa por comunicação sobre os meios de pagamento por aproximação e com o público “afluent”, com maior poder aquisitivo. “Temos de desenvolver novas frentes, como pré-pago, penetração maior no débito, e diversificar receitas através de serviços, bem como usar dados para gerar insights ao mercado, prestar consultoria e serviços de tecnologia e segurança”, diz.
Sarah Buchwitz: “Este foi um ano de alta”
Investimentos
Na Samsung, Andréa Mello, diretora de marketing corporativo, viu 2018 como um ano bom, com crescimento nos investimentos das empresas principalmente por conta de eventos esportivos. “No caso da Samsung, investimos continuamente não só em comunicação de lançamento de produtos, mas também em construção de marca. Segundo o ranking da AdAge, a Samsung foi a marca que mais investiu em publicidade e promoção de vendas no mundo, entre junho de 2017 a junho de 2018. A empresa também se manteve como a 6ª marca mais valiosa do mundo na lista ‘Best Global Brands 2018’, da Interbrand”, conta.
Sobre desafios, Andréa destaca a relação com a nova geração de consumidores multitelas, cada vez mais exigentes no que diz respeito a conteúdos exclusivos e personalizados, e novos formatos fora da propaganda tradicional. “Ter um entendimento profundo desse target foi fundamental para continuarmos a estabelecer uma conexão com relevância para eles”, diz. Ela observou no ano o crescimento da mídia digital e inteligência de dados demandando reestruturações de agências, novos profissionais com skills específicos e maneiras inovadoras de pensar a propaganda tradicional.
Na Gol, o desafio do ano foi ampliar a conexão direta com o público através da valorização da criatividade. “Em ano de Copa do Mundo, toda a estratégia de comunicação e marketing foi desenhada com base em dois pilares: a companhia como transportadora da seleção e dos brasileiros, e as mensagens da campanha #Novagol”, diz Maurício Parise, diretor de marketing da Gol. A ação mencionada destacava produtos e serviços que melhoram a experiência a bordo e otimizam o tempo dos clientes.
No caso da empresa, a criatividade foi fundamental para se obter não apenas reconhecimento em festivais, mas resultados de marca e negócios. Parise se diz feliz com os resultados de esforços como The Neymarless Sponsorship, criado pela AlmapBBDO, que recebeu quatro prêmios em Cannes. “Além disso, várias ações de marca foram criadas e realizadas de forma inovadora no primeiro semestre, período que antecedeu aos jogos mundiais, como o lançamento do Portão Hexa no Aeroporto de Congonhas, o evento GOLFest para animar a torcida, ou mesmo a realização de um voo histórico com campeões mundiais.
Neste período, a Gol teve um aumento significativo na exibição e percepção positiva da marca, principalmente relacionado ao tema seleção brasileira, e esteve presente nos rankings das mais citadas nas mídias sociais, ficando entre as 20 marcas mais mencionadas no Twitter durante a Copa”, afirma Parise. “Todo esse trabalho e reconhecimento de marca não apenas aproxima a empresa dos clientes, mas, principalmente, impulsiona a seguir neste caminho para o próximo ano”, afirmou.
Mercado firme
Um ano marcante para o mundo, e desafiador para o Brasil. Essa é a avaliação da ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) sobre o ano de 2018, segundo sua presidente-executiva Sandra Martinelli. “Em meio a tantos conflitos e repercussões negativas, nosso mercado se manteve firme e a ABA pôde contribuir mobilizando o marketing para transformar os negócios e a sociedade”, afirma. Um dos ensinamentos do ano, diz a executiva, é que, definitivamente, os negócios têm sido cada vez mais impactados pelo ambiente digital, que é um elemento crucial na estratégia de qualquer anunciante. “Entre as oportunidades que ele proporciona está a ampliação significativa dos pontos de contatos com os consumidores e, consequentemente, crescem exponencialmente os momentos de interação e experiências das pessoas com as marcas. Esse é o ponto mais positivo do avanço digital e os gestores de marketing devem estar cada vez mais focados nessas experiências”, analisa.
Além disso, Sandra fala que o ano trouxe discussões como a visão dos profissionais cada vez mais sistêmica, a questão da diversidade, a importância do propósito nas narrativas e nas próprias estratégias de mar- keting. “E, sem dúvida, abrimos mais nossos olhos para enxergar o que o consumidor deseja, como ele age, o que tem impactado na decisão da compra etc. Os negócios do mercado publicitário estão trilhando um caminho de franco amadurecimento, o que, consequentemente, levou esse mercado à busca por inovação e soluções cada vez mais criativas. Tais questões ajudaram os negócios a rever formatos, processos, modelos de trabalho e de negócio”, avalia. “Não só em 2018, mas um dos desafios do marketing da atualidade é sua contribuição na construção de uma sociedade mais consciente e responsável no consumo, o que inclui educação, conscientização, prevenção, antecipação dos desafios e problemas futuros. Além disso, outro ponto que nos inspira, que também é desafiante, é o desejo de fazer crescer os negócios por meio da eficiência e da criatividade. E, claro, não poderia deixar de citar, a tecnologia”.