Uma ambiente sem janelas, vários dias seguidos, mínimo de 12 horas por dia avaliando cases do mundo inteiro, debates intensos e um desfile do melhor da criatividade passando rapidamente por olhos humanos.

Foi mais ou menos assim que o Cannes Lions 2019 concedeu 932 Leões este ano. O resultado abaixo dos anos anteriores (1186 em 2018 e 1471 em 2017) reflete a queda nas inscrições (30.953 em 2019, 32.372 em 2018 e  41.170 em 2017), mas também um maior rigor do júri. Um pouco desse processo foi apresentado na terça (23) no ABA Cannes Insights by GoAd.

Adriano Matos, CCO da Grey, jurado em Mobile; Bia Granja, co-founder e CCO da YouPix, jurada em Social & Influencer, e Paulo Ilha, VP de mídia da DPZ&T, que avaliou Media, participaram pela primeira vez de um júri no festival.

Durante o evento na ESPM Tech, em São Paulo, eles revelaram bastidores e suas impressões da experiência, além de apontar tendências. Acompanhe cada olhar:

Edu Lopes

ADRIANO MATOS
Ambiente: “Este foi meu 10º ano no Cannes Lions, mas o primeiro no júri. É uma quantidade colossal de trabalhos, e uma experiência enriquecedora e exaustiva, física, mental e emocionalmente. Ficamos em um ambiente sem janelas e imersivo. Não podemos ficar com o celular e eu, que não uso relógio, nem horas sabia. É uma situação desafiadora.”

Categoria: “A primeira coisa que a gente se perguntou é ‘o que diabos é mobile?’. Talvez depois de dormir, é onde a gente passa mais tempo. Mas se a gente ficasse restrito ao uso iríamos jurar AppLions  e não queríamos isso. Não foi um júri muito tec. O objetivo era premiar a ideia em primeiro lugar e o uso relevante do mobile. Escolhemos um GP que não poderia ser mais mobile, o Whooper Detour, que também foi GP de Titanium.”

Júri: “Outra coisa que ficou clara para mim é que são seres humanos julgando e às vezes a gente pensa que são entidades divinas. O resultado é fruto do que aquele grupo escolheu naquele ano. Incongruências acontecem, porque são pessoas com backgrounds diferentes olhando aquilo. Mas a discussão chegava num nível que em alguns pontos de gosto ou não gosto. Não é tão fácil nem tão objetivo assim. Talvez essa seja a grande beleza da nossa profissão.”

Futuro: “Uma tendência óbvia é o hackeamento, que o BK fez tão bem. Outra eu chamo da ‘era do virtureal’, na qual é muito difícil saber o que é real e o que é virtual. Um exemplo é o case Adress the Future, roupas digitais criadas para serem postadas. É game, serviço, entretenimento. É um trigger para os próximos anos. Acredito que vem aí uma revolução cognitiva, onde o real e o virtual serão indistinguíveis.”

Lição: “Valorize cada shortlist e bronze porque é muito difícil. Valorizar o festival de Cannes porque reúne o melhor da criatividade no mundo.”

Edu Lopes

BIA GRANJA
Estreia: “Foi minha primeira vez em Cannes. Só conheci a salinha, sem janela, full time focada. A categoria é nova e ainda sem contornos definidos. Foi um dos júris mais longos, durou seis dias. Processo tem uma metodologia bem definida. Julgamos 1507 cases, cerca de 12 horas por dia. Primeiro dois grupos em duas salas, você com você mesma. No quarto dia reuniu todo mundo. Quinto dia definiu shortlist.”

Tendências: “Eu fiz um Bingo com buzzwords de cases, que falavam muito sobre hackear e pautar a conversa. E separei alguns números: de 1507 inscritos, apenas 162 foram shortlist e desses 61% social e 39% influenciadores. A divisão no uso ficou em 71% celebridades (19% esporte, 30% TV, cinema, musica, e 26,5% figuras públicas), 17% creators e 11% consumidores que, para mim, é a grande tendência. Falei que não faz sentido premiar peças de música com celebridade. O que interessa é o que os creators e consumidores estão fazendo para essa categoria. A gente brigou muito por isso lá. Espero que tenhamos mais creators e consumidores e menos celebridades.”

GP da categoria: “Por que Wendy’s? A marca teve, por exemplo, um tom de voz super bem definido, agilidade para testar, curiosidade para o novo, pensamento de comunidade, construção da própria relevância e entrou no jogo fazendo parte dele. O case da Wendy’s faz uma provocação do que social pode ser. Escolhemos Wendy’s muito pela provocação e pelo statement. Em social, se você não tiver essa visão de marca muito definido, você fica no limbo. A maneira como a marca funciona em outros lugares fez ela funcionar muito rápido no jogo. Ouvi dizer que a ideia demorou três horas para ser aprovada. E para mim fica o direcionamento: não tente forçar a conversa, faça parte dela.”

Aprendizado: “Para mim foi fazer uma imersão no que a publicidade. O que mais me agregou foi repertório.”

Edu Lopes

PAULO ILHA
Volume: “Foi surpreendente. A categoria recebeu mais de três mil inscrições de 66 países diferentes. Foram 38 jurados a distância e oito presenciais, e a presidente de júri foi a presidente do grupo WPP no Reino Unido, uma das profissionais mais incríveis com quem pude conversar.”

Categoria: “Para mim um dos grandes pontos é que mídia é muito mais do que mídia. Foram mais de duas horas para definir o GP. A presidente de júri falou que um dos legados desse resultado foi mostrar para o mundo o quanto uma agência full service tem valor.”

Critérios: “Definimos oito pontos para avaliar: 1) se tem um insight cultural relevante, 2) ter e-commerce ou uma forma de contato direto com o consumidor que não seja tradicional, 3) usar data e real time, porque se não puder mudar durante o percurso, chances enormes são perdidas. 4) gerar relevância e empatia, 5) ter um impacto de muita relevância ou uma escala muito grande; 6) dar resultados, e derrubamos muitos trabalhos porque faltou isso, 7) ter criatividade, porque ser relevante não justificaria o prêmio, e 8) nem sempre precisa ser uma grande ideia, mas pode ser uma evolução.”

Aprendizado: “Vi muita paixão das pessoas dentro do júri. Ninguém me movia um centímetro sem estar satisfeito com a discussão.”

Edu Lopes