Iniciativas práticas como a doação de valores expressivos para o combate ao covid-19 têm feito as empresas do setor bancário se sobressaírem nesse período de crise. Ao contrário de outros momentos em que os bancos eram parte do problema, como na crise financeira de 2008, analistas apontam que, agora, eles são agentes da solução. E os grandes bancos e finntechs tentam refletir esse sentimento pelo Brasil, em campanhas que ajudam a explicar de que forma eles podem ser úteis à sociedade – seja em seus serviços, ou por mensagens de apoio à população em um momento complicado.

Segundo o Monitor das Doações, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), foram levantados, até a semana passada, cerca de R$ 3,2 bilhões para o combate ao coronavírus através de doações de empresas, instituições, sindicatos e famílias. O setor financeiro respondia por nada menos que 50% desse  montante, seguido de longe pelo segmento de mineração, com 16%. 

O Itaú Unibanco, por exemplo, anunciou doação de R$ 1 bilhão para financiar o projeto “Todos pela Saúde”, com gestão de uma equipe de especialistas. Houve até uma união de forças entre o Bradesco, Itaú e Santander para destinar mais de R$ 80 milhões para iniciativas como compra de máscaras e testes rápidos. 


Essa disposição do setor tem se refletido na comunicação que, agora, parte para uma nova fase. “Aguente Firme. Vai Passar” é o nome de uma campanha do Bradesco que estreou neste sábado (25) e que reflete os questionamentos de empreendedores sobre os riscos de abrir um negócio, com imagens que remetem ao atual momento de isolamento social, que endurece ainda mais esse desafio. A ideia da ação é incentivá-los a não esmoecer e despertar a capacidade de resiliência e reinvenção.

Eduardo Lorenzi, CEO da Publicis, agência que criou a campanha, conta que o foco do Bradesco vinha sendo explicar as medidas de auxílio aos clientes. “Agora, o banco vai entrar em uma nova fase, de falar diretamente à população, dando mensagens de apoio e resiliência, para todos passarmos por essa crise da melhor forma possível”, explica. “Ao contrário de outras crises que tiveram os bancos como o centro do problema, hoje, são a parte da solução. Ninguém ainda sabe com 100% de certeza o que será o “novo normal”. A recuperação econômica será feita a partir de parcerias das pessoas e empresas com os bancos, onde a solidez volta a ser um atributo bastante relevante”, completa. 

Alguns dos valores a serem disseminados pelas campanhas de bancos serão resiliência e empatia. “O relevante, hoje, é entender este momento que as pessoas estão vivendo, respeitar suas angústias, inseguranças e incertezas. A palavra-chave é empatia. Não é hora de alienação, nem de projetar falsas realidades e muito menos de oportunismo. A marca tem que falar a partir das pessoas, para as pessoas, e com verdade”, afirma Márcio Parizotto, diretor de marketing do Bradesco. 

Parizotto: “Não é hora de alienação, nem de projetar falsas realidades” Crédito: Divulgação

Além da nova campanha, o planejamento de comunicação do Bradesco incluiu um primeiro esforço, a ação “Reinventando o Futuro”, que trazia as pessoas para o centro da conversa e reforçava a capacidade delas se reinventarem. “Quando o contexto muda assim de forma tão inesperada, é possível que mensagens que seriam adequadas em um período pré-crise passem a ser vistas como insensíveis. Nos voltamos à nossa agenda de impacto positivo, que nesses momentos deve anteceder a mensagem publicitária. Em poucos dias, introduzimos ações relevantes para a sociedade, como a doação de kits de testes rápidos da covid-19 e flexibilização do crédito”, explica Parizotto. “Precisamos ter, neste momento, uma ótica ainda mais colaborativa. Ambas campanhas trazem ainda um otimismo responsável, que é parte do jeito Bradesco de ser”, explica. 

Já o Santander também precisou redefinir sua comunicação e, inclusive, a assinatura de marca, que agora é “o que a gente pode fazer para cuidar melhor de você hoje”. “Nosso único objetivo desse momento é poder na alçada de medidas financeiras e bancárias cuidar dos nossos clientes.”, explica Igor Puga, diretor de marketing e marca do Santander.

Segundo ele, com o Coronavírus no radar, o Santander decidiu revogar seu plano de negócios para 2020. “É muito mais simples e prático num cenário complexo como esse ter um projeto de base zero, abstraindo e abandonando as expectativas e projetos pré existentes. Conseguimos realmente tomar decisões e montar produtos, ofertas e serviços pensadas nas necessidades imediatas, sem a sedução de tentar vender algo previsto anteriormente”, explica Puga. O Santander criou mais de 12 ofertas, desde descontos em farmárcias, horários especiais para idosos, ferramenta de e-commerce gratuita para comerciantes, isenção de tarifa para MEI’s ou linhas de financiamento para empresários maiores de 20 anos para salvar o fluxo de caixa.

Puga: comunicação praticamente diária Crédito: Divulgação


Nesse período, diz o executivo de marketing, o banco adotou comunicação praticamente diária, com “uso excessivo de televisão aberta e muito digital”, como forma de apurar a receptividade diária das iniciativas. “Absorvemos na comunicação o “vamos errar, vamos acertar mas de braços cruzados não vamos ficar”. Era importante imprimir que há fragilidade desse lado e ainda sabendo que, por hora, erraríamos no tom e nas ofertas, mas era melhor tentar algo do que ficar omisso”, opina. A linha criativa envolveu mensagens de funcionários do banco, que protagonizam a série de comerciais criados pela Suno e dirigidos (remotamente) por Fernando Meirelles (O2 Filmes).

O Itaú Unibanco teve ações como o compartilhamento de livros infantis do programa Leia para uma Criança em formato digital e gratuito, via WhatsApp. A ação é fruto de uma parceria entre Itaú Unibanco e Fundação Itaú Social, a Take, de chatbots, além de DPZ&T e o Facebook.

Outra iniciativa foi para incentivar o uso de máscaras pela população. A ação inicial aconteceu em 19 de abril, durante a live do cantor Roberto Carlos transmitida pelo canal oficial do artista no YouTube, com trechos exibidos durante o Domingão do Faustão, na TV Globo. A hashtag #mascarasalva ilustrou a mensagem, assim como a referência ao site todospelasaude.org. A campanha foi criada pela agência Africa, e o filme abriu a live mostrando pessoas Brasil afora cantando “Como é grande o meu amor por você”, com máscaras. A agência também criou os filmes feitos em videoconferência com as duas atrizes “Vovóglers”, que se tornaram peça importante na comunicação com o público idoso, que está dentro do grupo de risco do coronavírus.

Em meio à crise, houve até uma campanha assinada pelos três principais bancos privados, em que anunciam o financiamento de folhas de pagamento de pequenas e médias empresas.

Lorenzi: Ao contrário de outras crises, agora bancos são parte da solução

Fintechs

As fintechs e bancos digitais também têm trabalhado para desenvolver ações que possam ajudar os consumidores. O Nubank, por exemplo, desenvolveu uma série de planos financeiros para os clientes mais afetados. A empresa reduziu em 80% as taxas de juros da fatura parcelada do cartão de crédito, ampliou o prazo de pagamento da próxima parcela para até 60 dias e também criou um fundo de apoio de R$ 20 milhões, chamado ‘Pessoas Primeiro’, para ajudar os mais afetados pela pandemia com entrega de alimentos, produtos de primeira necessidade e apoio médico e psicológico. 

“Temos a certeza de que estamos fazendo nosso melhor. Os valores de uma empresa são colocados à prova em momentos de crise. O modo como nos comportamos agora não será esquecido tão rapidamente. Tanto funcionários como clientes, e também a sociedade em geral, vão se lembrar do que as marcas fizeram nesses tempos difíceis. E acredito que não haverá investimento em marketing capaz de alterar essas percepções”, ressalta Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank. 

Cristina Junqueira: “Funcionários, clientes e sociedade vão se lembrar do que as marcas fizeram nesses tempos difíceis” Crédito: Divulgação

Ainda segundo a executiva, a estratégia de comunicação e marketing não foi muito afetada neste período, pois a companhia continua seguindo a sua cultura e valores. “Somos conhecidos pelo atendimento humano e pela transparência. O que mudou com o cenário de crise é que estamos colocando ainda maiores esforços em entender o que os clientes estão passando e em doar nossa energia para ajudar o próximo. Os valores de uma empresa são colocados à prova em momentos de crise. O modo como as empresas se comportam agora não será esquecido tão rapidamente. Tanto funcionários como clientes, e também a sociedade em geral, todos vão se lembrar do que as marcas fizeram nesses tempos difíceis”, completa Cristina.

Para Priscila Salles, CMO do Inter, o banco sempre se posicionou como parceiro dos correntistas. “Isso é traduzido em nosso modelo de negócio, que oferece uma conta 100% digital, gratuita e com cashback em diversos produtos. Costumamos dizer que o Inter é um banco feito por pessoas e para as pessoas. Neste momento, isso fica ainda mais visível. Um exemplo recente de uma ação de comunicação foi a iluminação da nossa sede em Belo Horizonte, inspirada em uma ação da Localiza, que trouxe um coração projetado na nossa fachada. Isso passa uma mensagem de esperança e otimismo para as pessoas e reforça que dias melhores virão”, diz.

Neste último mês, o Inter também estendeu prazos para o pagamento de suas faturas de cartões de crédito, ofereceu o dobro de cashback nas compras pelo aplicativo Super App e para os pequenos empresários e MEIs, aumentou o limite no número de transferências e emissão de boletos. Sem contar a doação de milhares de cestas básicas e a quantia R$ 10 milhões para a compra de respiradores para o estado de Minas Gerais, em parceria com a MRV, Log e família Menin. 

“Essa é uma grande chance para que instituições financeiras tradicionais e outras empresas do setor demonstrem que é possível serem altruístas e solidárias num momento de dificuldade. Sobre o futuro, esta crise global de saúde pública, com certeza deixará mudanças profundas na forma como vivemos em sociedade, na forma como consumimos e usamos o nosso tempo. E isso vai, sem dúvidas, potencializar ainda mais as soluções digitais para nossas atividades do dia a dia, como compras, negócios e entretenimento online”, reforça Priscila.

Priscila Salles: “Chance para que instituições financeiras tradicionais e outras empresas do setor demonstrem que é possível serem altruístas e solidárias num momento de dificuldade” Crédito: Divulgação

Como forma de contribuir com a sociedade nesse momento de crise, o PicPay criou uma central de doações para conectar pessoas a causas que arrecadam fundos para conscientização, amparo a pessoas em risco e prevenção à pandemia da Covid-19. Além disso, a empresa vem patrocinado lives de artistas para ajudar a levar o entretenimento para a casa das pessoas e arrecadar fundos – até o momento a empresa já ultrapassou R$ 4,5 milhões – para diversas iniciativas.

“Sabemos que este é um momento muito sensível e, mais do que nunca, devemos pensar no coletivo e sermos mais empáticos. Somos uma empresa de tecnologia e nossas estratégias são centradas nas necessidades dos usuários. Trabalhamos para revolucionar a relação das pessoas com o dinheiro e, neste momento de crise, queremos conectar pessoas com causas e tirar os atritos da distância”, comenta Cristianne Alves, head of branding do PicPay.

Para ajudar as empresas e microempreendedores individuais, a empresa revela que os usuários do PicPay Empresas contam com a isenção da taxa para o recebimento de pagamentos até o final de abril e apresenta o Link de Pagamento, uma ferramenta para que os empresários possam receber seus pagamentos à distância. 

Mas quando o assunto é comunicação, Cristianne acredita que a empresa que não mudar a forma de conexão com o consumidor neste momento de crise estará fadada ao fracasso e, possivelmente, trará consequências negativas para o negócio. “É hora de conscientizar as pessoas e ajudar a sociedade como for possível. A comunicação passa a ter a função principal de informar, mais que vender. A empresa precisa ter certeza de que as iniciativas e mensagens divulgadas tenham esse alinhamento e reflitam o propósito e os valores da marca. No PicPay, adiamos algumas campanhas e concentramos nossos esforços em cuidar dos nossos colaboradores, informar nossa comunidade sobre os cuidados preventivos e levar entretenimento para as pessoas em quarentena”, diz.

É um fato que todos nós vamos sair dessa crise transformados e muitas empresas terão uma nova perspectiva sobre seus negócios, com um propósito social mais forte. Para Marcelo Boschi, coordenador do MBA de marketing estratégico da ESPM Rio, é importante que as empresas do setor financeiro não sejam insensíveis ao momento e tenham qualquer prática abusiva como, por exemplo, o aumento de preços injustificados ou o distanciamento com o cliente. 

“Acho muito pior a empresa ter a imagem associada ao descaso com as pessoas nesse momento de crise, portanto, mais do que nunca, deve haver um entendimento das preocupações gerais. Ainda em cima desse ponto, vale destacar, que os bancos costumam ser bem reconhecidos por suas campanhas publicitárias, mas são criticados por não criarem relacionamentos empáticos com seus consumidores nos pontos de contato, ou seja, no cotidiano de seus clientes dentro das agências. Acho que é o momento dos bancos entenderem essas questões. 

Ainda segundo o especialista, as redes sociais afetam gravemente a percepção de qualquer análise de marketing que se faça sobre qualquer fenômeno. “Estamos cada vez mais extremados. É só olhar a polarização do país e do mundo. Não há nada que uma empresa faça em termos de patrocínio ou doação, que não vá provocar alguma reação, de determinada corrente ideológica, direita ou esquerda, contra ou a favor daquilo. Destaco que a propaganda, que é uma construção narrativa de um discurso oficial que vai para a mídia paga, precisa ter um cuidado de como falar, de como doar. Mas não tenho dúvida de que é extremamente positivo e a própria imprensa está dando um espaço de divulgação chamando de Pandemia S/A, ou seja, trazendo as questões positivas que as empresas estão fazendo, até para criar um confronto com a incapacidade do governo em tomar decisões”, finaliza.