Fundada em 1987, a chinesa Huawei vem crescendo no setor de celulares e assustando as gigantes Apple e Samsung. Na vanguarda do 5G, a empresa entregou em 2019 quase sete milhões de smartphones com a tecnologia. Arina Tian, CMO da empresa no Brasil e responsável por uma das três unidades de negócio, classifica o país como nação estratégica. Na entrevista a seguir, a profissional revela como a comunicação da gigante foca no produto. Além disso, a executiva comenta as rusgas da companhia com Donald Trump, entre outros temas.

Quão importante é o Brasil para a Huawei?

O Brasil é muito importante globalmente. Faz parte do que chamamos de mercados emergentes, os Brics. Não importa o negócio, o Brasil é um país muito importante no mundo. Sou responsável pelo Consumer Business Group (CBG), uma das três unidades de negócios da empresa. Para você entender nossa estrutura, nosso negócio principal são os serviços para operadoras.

Algo mais B2B?

Sim. Nós estamos em conversação sobre o 5G, pois estamos construindo a rede. Esse tipo de negócio já existe no Brasil há mais de 20 anos. Então, mundo afora, um terço da população está usando uma rede Huawei. Quando falamos em CBG, o dispositivo é muito importante porque é parte do estilo de vida do consumidor.

Quase parte do nosso corpo, como uma extensão de nossa mão?

Sim. É cultural, ele muda a cultura e muda o jeito que as pessoas entendem tecnologia. Esse tipo de tecnologia chega às mãos do consumidor pelos dispositivos. Isso é o que pensamos do grupo de negócios para o consumidor de Huawei. Nós temos uma missão de fazer todos entenderem o que exatamente a tecnologia pode melhorar sua vida. Essa é nossa missão. A tecnologia é também uma moda agora. Não é só qual smartphone você usa. O smartphone é parte da moda. A cor é parte da moda, o modo que você usa wearables é parte da moda. Louis Vuitton está fazendo fones de ouvido. Quando falamos de dispositivos, também é parte da moda. Isso volta à sua questão sobre Brasil. O país é o maior na América Latina e também está emergindo, aberto ao mundo. Mais de 50% dos negócios da Huawei são no exterior. Então, nós já temos um negócio muito bem-sucedido na Europa, Oriente Médio e África. A América Latina também é importante para nós. A Colômbia vai muito bem e no ano passado e em 2018 o México também cresceu. O Brasil é um mercado estratégico para nós. Percebemos uma grande digitalização dos negócios por aqui, há o Rappi, o iFood, tudo está crescendo neste sentido e o negócio de smartphones e wearables está ajudando estes aplicativos e empresas de tecnologia a se conectarem com os consumidores. Por isso achamos que o Brasil é tão importante e temos de estar aqui.

Qual a principal estratégia de mar- keting no Brasil?

Fizemos pesquisas para entender a audiência brasileira, além disso, analisamos concorrentes como Samsung e Apple. Estamos enfrentando um desafio aqui, pois somos uma marca bem conhecida internacionalmente, mas não no Brasil. Outra coisa é que temos um ótimo produto e poucas pessoas sabem o quão bom ele é. Da minha perspectiva, temos de procurar maneiras alternativas de promover a marca, porque temos um tempo curto para construir toda a imagem. O primeiro passo é gerar a consideração bem no começo. Assim que a pessoa considerar a marca e o produto é muito mais fácil converter para novos compradores. E daí mais pessoas usarão Huawei e experimentarão o produto. E isso vai aumentar o conhecimento de marca e a propaganda boca a boca. O jeito que estamos fazendo marketing é oposto de outras empresas que usam, por exemplo, a TV. Nosso foco é usar as atividades do marketing para permitir que o consumidor experimente nossos produtos.

Usar o produto para fazer a própria publicidade?

O produto em si é o melhor divulgador. A qualidade do seu produto é como se fosse a de uma pessoa. É como se fosse sua personalidade. Nosso produto é o melhor representante da nossa marca.

Mas como colocar o produto na mão do consumidor? Sei que vocês têm quiosques em shoppings, certo? O que mais?

Chamamos nosso marketing de produísmo. Tudo que fazemos é focado no produto. Temos quiosques, canais como Magazine Luiza, Fast Shop, Casas Bahia e Ponto Frio, entre outros. Demonstramos nosso produto e recentemente lançamos os wearables, os relógios. Em dezembro fizemos parceria com a Bio Ritmo e lançamos uma ativação de 10/15 dias e as pessoas puderam utilizar nossos relógios que davam feedback do treino em real time.

E influenciadores? Eles são enormes aqui no Brasil.

Sim, eles são parte de nossa estratégia também, pois acreditamos que eles são bons para explicar com as próprias experiências. Temos critérios para escolhê-los, por exemplo, eles precisam encaixar com o espírito da marca e também precisam ser abertos a tentar coisas novas, além de serem amantes de algo em específico, por exemplo, os influenciadores da P Series são amantes da fotografia e também os que divulgaram o relógio wearable e nossos fones Free Buds, em sua maioria, eram esportistas e envolvidos com lifestyle. Eles precisam realmente amar a Huawei e seus produtos. Isso é o mais importante. A maioria deles, após usar a marca, permanece com ela. Isso é um feedback positivo.

Quais as expectativas da marca em relação ao 5G no Brasil?

O 5G vai mudar todo o nosso estilo de vida. Por exemplo, eu costumo testar o 5G e você pode baixar um filme em 40 segundos. Isso significa que a maioria do conteúdo com a chegada do 5G será em vídeo. A capacidade do chipset também é outra questão. Você precisa ter a capacidade de calcular os dados, assim como o suporte da nuvem para estocar o conteúdo. O 5G também mudará modelos de negócios, haverá mais startups. Com 3G ou 4G você pode pedir algo no seu smartphone, mas com o 5G, será possível, por exemplo, abrir o mapa do 99 e ver o vídeo do motorista a caminho de você. Vai mudar a nossa sociedade. Isso nos traz a uma questão: como podemos fazer a tecnologia melhorar nossas vidas? Esse é o propósito da nossa tecnologia.

Você acha que o nome “Huawei” pode ser uma barreira para a marca aqui no Brasil?

Quando falamos do nome de uma companhia, especialmente numa perspectiva de marketing, é algo muito interessante. McDonald’s tem um ótimo nome, um nome americano. Apple também é relevante para os nova-iorquinos. O nome de uma empresa é muito importante e respeitamos o nome “Huawei” como o nosso, pois em chinês ele significa “A China fez algo”. Somos educados a fazer algo. Isso é parte do propósito de nossas vidas. Fazer algo bom, fazer algo grande e fazer algo certo. Então, Huawei em chinês é isso. A pronúncia tem diferentes sotaques. No Brasil, por exemplo, o “H” não é pronunciado. Quando é pronunciado é como se fosse no meio da boca. Sempre que vou ajudar algum colega a pronunciar corretamente, recomendo que pronuncie na parte da frente da boca. Assim é fácil falar Huawei. Não somos apenas nós que enfrentamos esse desafio, há empresas como a Hyundai, por exemplo, que nos Estados Unidos é conhecida como “Rãndei”. Mas isso não influencia ou impacta a marca.

Quais as expectativas para o mercado brasileiro em 2020?

Há mais demanda para bons smartphones e por uma rede bem feita. É uma oportunidade para a Huawei. Vamos construir nosso ecossistema, mais dividido. Por isso estamos lançando os weareables. Em outros países, temos mais dispositivos. Temos dispositivos caseiros, mas no Brasil nós apenas começamos a construir esse ecossistema, com os relógios e os fones, além dos smartphones. Também temos um ecossistema próprio de software. Tivemos no ano passado o Huawei Developer Day em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. O evento reúne criadores de aplicativos e promove a oportunidade e vantagens de estarem presentes na App Gallery, nossa loja oficial de apps. Também pretendemos repetir parcerias como a que fizemos com a Bio Ritmo.

Trump não é o maior fã da marca. Bolsonaro é um grande fã de Trump. De uma perspectiva do marketing, isso é uma preocupação?

Não podemos ignorar alguns dos impactos dos políticos em nossa marca. Entretanto, estamos focados nos produtos, que não têm nacionalidade e não serão impactados por algum discurso ou conversas políticas. Conseguimos trabalhar com o que conseguimos controlar. Eu tenho orgulho de nossos produtos porque já fui na fábrica e vi como os engenheiros trabalham. Então, estas coisas não pertencem à Huawei, pertencem ao mundo. Como uma profissional de marketing precisamos mostrar ao consumidor o que é melhor para ele. Trabalho numa empresa de tecnologia, preciso que as pessoas entendam tecnologia. Quero que as pessoas saibam como conseguimos fazer um celular tão fino ou como a bateria do relógio pode durar duas semanas. Além disso, sou chinesa e quero que as pessoas entendam o que é este novo chinês, o chinês internacional no Brasil. Sou uma representante de parte da cultura chinesa. Além disso, também acredito que é importante mostrar às novas gerações de mulheres que você pode trabalhar no exterior. Toda essa tecnologia e inovação é resultado de um grande investimento em R&D (Research & Development ou Pesquisa e Desenvolvimento). Não vamos investir tanto em marketing, mas investimos bastante em R&D. Em 2018, nossos últimos números, investimos mais de US$ 15 bilhões em R&D. Mais 40% de nossa força global de trabalho está concentrada em pesquisa e desenvolvimento, um número que ultrapassa os 80 mil da força de trabalho.