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Eu deveria ter mais ou menos uns cinco anos quando meu tio voltou do Japão, nessas viagens que os oficiais da Marinha fazem quando se formam. Viagem de instrução, era como chamavam. Não sei se ainda tem esse nome. 

Na mala, o tenente George Muniz trouxe uma infinidade de presentes para o seu afilhado, no caso eu. Entre eles, um tanque de guerra de controle remoto. Sem fio.
Você não faz ideia do que era um tanque de guerra de controle remoto sem fio em 1969. Esse seu celular de última geração não dá nem para a saída. O tanque precisava de umas oito baterias grandes. O controle mais duas. Meu pai mal tinha dinheiro para aquele luxo.
O tanque começou a andar pela sala. O controle tinha apenas um botão: CLANK! – apertei o danado. Pá! O tanque virou para a direita. CLANK! Esquerda. CLANK! Para a frente. CLANK! para trás.
Olhei para meu tio, maravilhado. Nada, jamais, nunca seria mais legal que o tanque de guerra de controle remoto sem fio.
-Mas como é isso, George? Como é que eu aperto aqui e ele vira ali? – perguntei.
-É que dentro dele tem um monte de japonezinhos – respondeu George, voltando para a mesa dos adultos.
Ah, pronto. Não durou um dia a porra do tanque, claro.
Que tipo de mente maligna diz para uma criança de cinco anos que dentro do brinquedo tem gente em miniatura? Confesso que tentei ver pela emenda do plástico. Nada. Silêncio.
Dormi com aquela angústia. Na manhã seguinte, peguei a chave de fenda do meu pai e despedacei o infeliz do tanque à procura dos japinhas. E nada.

Tudo que achei foi uma caixa cheia de fios sem nenhum romantismo. Lamentavelmente, nem um relojoeiro montaria aquele tanque de novo.

Estou convencido que esse foi o evento que deu origem à série.

Durante toda minha vida (escolar, profissional, social) sempre gostei de fuçar nas coisas. Montar, desmontar, ler, entender, me surpreender e, mais recentemente, hackear.

O que a gente faz, propaganda, publicidade, criação – chame como quiser – não é uma arte.
É uma técnica com objetivos bem claros. Uma técnica que se alimenta de informação. Quanto mais informação, mais respostas e mais perguntas. A curiosidade maldita que me fez passar 15 dias no Irã, um mês na China, algumas horas em Auchwitz, tirar brevê, aprender a programar, decorar o código morse, arrumar um programa de rádio (que estreia em junho, não perca!) e mais um monte de bobagens que, numa hora qualquer, sempre acabam fazendo sentido.

Assim, sem método, continuo metendo o nariz num monte de assuntos estranhos. Assino revistas que ninguém lê, tenho uma oficina para desmontar coisas que não consigo montar e montei um kit hacker de fazer inveja ao FBI.

Acostumei-me a escrever e a desenhar para guardar a resposta da curiosidade.

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Cinquenta e dois anos de vida, 35 de carreira. Chegam elas três: Catu, 14 anos; Oli, 16; e Manu, 17. A gente se contamina dessa curiosidade inocente e, quando menos percebe, o espírito do tanque de guerra está de volta.

Quem diria que a curiosidade delas me levaria a morar num motorhome, a ser perseguido por um elefante na África, a voar de balão na Capadócia, a nadar nas Maldivas e a passear em Singapura.
No final, o que chamam de inspiração é isso: a resposta à nossa curiosidade.

Mentor Muniz Neto é sócio e CCO da Bullet