No time de marketing do Grupo Heineken desde 2011, Vanessa Brandão ocupa a posição de diretora da disciplina para as marcas de cerveja premium. Sua primeira atribuição foi cuidar de Kaiser, após a empresa holandesa adquirir a marca da Femsa. Antes, teve passagem de oito anos na Unilever. Segundo ela, a elevação do consumo, que saltou de 400 mil hectolitros há oito anos para cinco milhões em 2019, comprova o acerto da estratégia. A marca vai inaugurar no Brasil a única fábrica no mundo dedicada à produção exclusiva de Heineken. Confira a sua entrevista.

Vanessa Brandão: “Inovações estavam atreladas a formatos”

Heineken é também uma cerveja?
Sim. Mas ela vai além do líquido em si, que é inquestionável porque a fórmula usada até hoje data de 1873. Para a época foi algo disruptivo. Quem visitar o Heineken Experience em Amsterdã, na Holanda, vai ver que há uma medalha que a reconhece como marca inovadora e concorrendo com projetos como a Torre Eiffel. Ao longo do tempo, ela se consolidou como sinônimo de inovação e internacionalidade. Quando Fred Heineken, da família fundadora da cerveja, levou a marca para os Estados Unidos, em plena Lei Seca, nos anos 1930, já era uma coisa meio transgressora para aquela época, que não tinha internet e nem a globalização como conhecemos hoje. Claro, há empresas que têm mais histórico global, mas, mesmo tendo uma história mais recente, Heineken tem a mesma receita, embalagem, percepção de preço e posicionamento de comunicação nos 192 países em que está presente.

Essa velocidade e agressividade mercadológica é atribuída a qual estratégia?
A ousadia é uma característica da Heineken. Eu trabalhei na Unilever, que é uma empresa estabelecida em seus processos, antes de vir para o mercado cervejeiro. Em 2011, quando iniciei minha carreira na empresa atuando no time de Kaiser, as metodologias estavam sendo construídas. Local e globalmente, os profissionais que estavam chegando tinham background de construção de marca. Em conjunto construímos os frame works de inovação e branding. Para uma simples abertura de tabela de preço, tivemos de criar um racional estratégico e analítico para decidir como abrir para uma região ou não. O valor agregado da troca feita por profissionais com perfis diferentes podendo propor coisas. Apesar de a Heineken ser uma empresa internacional, temos sempre a possibilidade de cocriar. Não é centralizadora onde o global diz o que deve ser feito e cada país executa. Tenho muita autonomia, mas ela é alinhada ao sobrenome Heineken. A família é a principal acionista e hoje é comandada por uma mulher, a Charlene de Carvalho-Heineken. Ela é casada com o Michel, descendente de brasileiros, e cada um incorporou os sobrenomes. É a primeira mulher à frente do grupo.

Como é o posicionamento no Brasil?
Quando chegamos, em 2011, o mercado brasileiro tinha um perfil organoléptico muito similar. Com pouca diferenciação de sabores. As inovações estavam atreladas a formatos como litrão e latinhas, por exemplo. O Brasil era o 14º do mundo em volume para a Heineken, equivalente a 400 mil hectolitros. Hoje está em 1º lugar. O Brasil é o maior consumidor de Heineken no mundo. São mais de cinco milhões de hectolitros por ano. Heineken é líder do share local de mercado no segmento premium, com 29,1% de participação. E já disputa com o universo mainstream. E é a preferida do consumidor em todos núcleos de consumo.

Com tanto volume, por que Heineken se posiciona como uma marca premium? Ela invadiu territórios?
Isso envolve entrega, funcionalidade e aspectos emocionais. Além do preço, porque Heineken custa 50% a mais do que a média do mercado. Não estamos falando de um carro premium. Mas o preço não é impeditivo para quem gosta de Heineken.

É uma recompensa à autoestima?
Sim. Há uma ascensão social no país. Na frase “O paladar não retrocede”, usada pelo embaixador Ferreirinha e que é título do seu livro, mostra que ninguém deixa algo bom. Heineken é a cerveja preferida dos brasileiros. Portanto, significa que, se ele tiver atrativos, vai continuar fiel. Heineken é uma marca premium, mas os seus consumidores estão dispostos a consumi-la. Tem a questão da indulgência em alguns segmentos, mas a cesta premium, que tem 14% de representavidade no mercado cervejeiro, só cresce. Em 2011, eram 4%. O consumidor brasileiro entende onde ele pode se recompensar. Pelo recorte social, 33% dos novos consumidores de marcas premium de cervejas vêm da classe C. Portanto, ao se concentrar nas classes A/B, a marca está perdendo oportunidade. E Heineken tem SKUs que podem atender todos os perfis.

O que foi preciso para desmitificar a marca?
Um dos bloqueios é que Heineken é muito amarga. Porque o brasileiro bebe cerveja na praia, no calor etc. E seu paladar é mais associado a uma cerveja leve e, principalmente, a mais gelada. Consequentemente, o garçom falava a marca que ele queria para o cliente. O consumidor não tinha uma preferência exata de marca. Nesse momento, Heineken resolveu apostar no Brasil porque havia oportunidade. O consumo per capita no Brasil era de 62 litros por ano, enquanto na República Tcheca era de 160 litros por cabeça. O brasileiro se considera cervejeiro, mas se comparar ao redor do mundo, não só em volume, mas em conhecimento da categoria, não é uma verdade. Então a Heineken chegou se posicionando de forma ousada no país ao se apresentar com uma composição de água, malte e lúpulo e nada mais. Foi fiel à sua receita, à internacionalidade, à essência e provocando discussões relevantes para o consumidor.

Por exemplo?
A categoria trabalhava a mulher de forma objetificada: mulher bonita de biquíni com bandeja na mão e oferecendo cerveja para um homem.

Heineken já se utilizou dessa métrica?
Desde o seu lançamento, no século 19, Heineken nunca se valeu desse expediente. A campanha The Chiché propôs a ideia de que uma mulher poderia gostar tanto de futebol quanto o homem. E de forma leve e divertida. Quem foi esperta foi a menina que assistiu à final da Champions League em 2016, em Madri. Heineken materializou a Bond Girl, que salvou o James Bond de um apuro.

É uma questão de levantar bandeira?
Não. E nem de provocar uma discussão pesada. Mas trazer um tom leve e bem-humorado, que é uma característica da marca, que sempre trouxe um outro ponto de vista. Quando todo mundo ia para a praia no verão, Heineken investiu nos rooftops. Ou seja, ficar na cidade e explorá-la com uma forma diferente de viver.

A receita original teve que peso na estratégia?
Se no início era uma barreira, agora ela está à frente em todas as esferas. A condição pela qualidade é preponderante. Quando Heineken começou a crescer, não tiramos a cerveja dos tanques de maturação antes do tempo de 28 dias. Perdemos venda, mas não vamos atender volume. Temos de aumentar fábricas. Em outubro, começamos a construir uma fábrica em Araraquara, São Paulo, que será exclusiva de Heineken. E será a única no mundo com esse perfil. Heineken é diferente e o consumidor a enxergou como superior. Ela chegou ao Brasil na contramão de um mercado acostumado a lançar produtos que não tinham valor agregado. Não existia ativação de marca em bar. Agora, nos bares mais sofisticados, boates e clubes se vê os tailor mades, que são as ativações personalizadas com parceiros. Não impomos nada aos nossos clientes. Sempre perguntamos o que o dono do bar precisa e como podemos ajudá-lo. Pode ser a montagem de um palco para que esse cliente possa oferecer música ao vivo no seu negócio. Aí negociamos como inserir a marca Heineken nesse novo ambiente. Sempre no contexto das necessidades específicas. Heineken é diálogo. Assim vamos ser disruptivos na visibilidade e na presença nos PDVs.

Como é o marketing no PDV?
Temos dados que mostram que uma coisa leva à outra. Apesar de serem separados, o PDV de consumo e o que o consumidor leva para casa são interligados. Uma boa experiência no bar influencia 50% da decisão de compra quando vai ao supermercado. Temos de levar em consideração os pontos quentes da loja e os pontos de contato que têm as oportunidades de cross merchandising. Quando colocamos o barrilzinho de cinco litros na zona de carnes, a probabilidade de compra é maior. Esse KEG na área de orgânicos ou frutas e legumes não faz sentido. Cerveja combina com churrasco. No ano passado, para ter inovação e visibilidade na Fórmula 1, instamos caixas rápidos para fazer associação com velocidade.

Trade marketing cresceu?
É o marketing dentro dos PDVs. O consumidor é um só, mas quando ele está na loja tem um mindset que aciona a chave do shopper e de consumidor. Nesse momento, ele tem microssegundos para tomar a decisão. Por isso, é importante ter velocidade com ineditismo, visibilidade e benefício. Na loja, o consumidor é mais racional. Fora ele está com o coração mais aberto. Nesse caso, dá para trabalhar experiência e propostas mais lúdicas. Quando vai para a loja, 50% da decisão já está feita e seu hall de marcas definido. Mas tem a história da barganha: quem está valendo mais a pena frente ao valor que a marca tem de forma holística versus o que ela custa.

Como foi a participação no Rock in Rio?
O evento cresceu. E representa uma fatia muito grande do investimento. Já imaginou colocar um produto para 700 mil pessoas e ao redor disso fazer ativações? É uma aposta ousada. O consumidor não olha só o líquido, mas o que a marca faz, propõe e entrega. No bar, tem a questão do consumidor que gosta de uma marca, mas ela é rejeitada. Então ele opta pela que tem aderência no grupo.