Aquecimento do setor de ensino acirra concorrência na publicidade
Os processos de fusão e aquisição dos principais grupos educacionais do país vêm crescendo. Em outubro, a gigante Kroton – detentora de marcas como Anhanguera, Unopar e Pitágoras – anunciou uma reestruturação da companhia, que passa a se chamar Cogna e se divide agora em quatro grandes verticais: Kroton, Saber, Somos e Platos. Já o grupo Yduqs, anunciou a aquisição da tradicional bandeira Estácio e estaria negociando a compra de outras marcas ainda este mês.
Tais movimentações, somadas ao anúncio de congelamento de verba para as universidades públicas feitas pelo Ministério da Educação (MEC) neste ano, contribuem para o aquecimento do ensino superior particular, que já representa 88,2% do mercado e aposta em estratégias de comunicação para a conquista e retenção de alunos, embora adversidades econômicas também impactem em seus negócios.
De acordo com Marcio Stangalin, sócio e diretor de planejamento da CL/AG, que atende a Universidade São Judas e o financiamento estudantil Pravaler, a criação para o setor enfrenta problemas. “As faculdades têm dificuldade em construir marcas e se aproximar do público porque têm muito foco em conversão.”
Para ele, os vieses econômicos se traduzem em evasão escolar o que culmina em uma “guerra de preços”. “Para preencher vagas, as faculdades brigam por valores. Do ponto de vista de estratégia, essa é a grande chave do segmento: como construir marca em um mercado tão banalizado por preço?”
Marina Carmona, business strategist da Jüssi, que assina a estratégia digital das oito marcas Kroton, reforça a opinião de Stangalin. “A comunicação da educação foi pasteurizada. Todos falam a mesma coisa e é muito difícil se diferenciar porque está todo mundo brigando por preço. […] O que temos feito é uma estratégia de personalização de audiência com algumas ferramentas oferecidas pelo YouTube”, diz.
Na Ogilvy, responsável pela comunicação de todas as marcas Kroton, os esforços se concentram em colocar a educação no centro da mensagem. “É claro que dependendo das datas você trabalha um pouco mais de preço e de acessibilidade, para mostrar que cabe no seu bolso, mas um dos principais pontos nos nossos planejamentos é mostrar que a educação é nobre e transforma a sua vida”, aponta Denise Caruso, head de atendimento da agência.
Na Estácio, conta da WMcCann, a estratégia passa pelo uso de linguagem “moderna, digital e dinâmica para criar proximidade com o target”, conforme explica Marcio Borges, VP executivo e diretor-geral da agência no Rio de Janeiro. “O ponto fundamental é entender a necessidade do consumidor e a partir disso construir a experiência da marca.”
Varejo
De acordo com Cristina Omura, diretora de mídia da FCB, que atende a Cruzeiro do Sul, é possível separar o setor em “três pelotões”, sendo o primeiro das universidades públicas, o segundo de instituições de alto reconhecimento, como ESPM e FGV, e o terceiro formado pelas diversas bandeiras dos grupos Kroton, Estácio e da própria Cruzeiro, por exemplo.
Neste recorte, as contas do terceiro pelotão têm se aproximado às de varejo. “É muito comoditizado. São valores, localização e cursos semelhantes. Todos têm avaliação boa no MEC, mas se ficar preso só no trigger do preço é muito míope”, adverte.
Para Eduardo Doss, diretor de criação da Olgivy, é preciso buscar o equilíbrio. “Não podemos deixar a comunicação numa vala total do varejo. […] É uma questão de preço, mas estamos abrindo portas para toda uma geração estudar”, defende.
Para Cristina, a criação passa por inteligência. “A nossa estratégia está baseada em dados. Não existe material mais valioso do que a própria matéria-prima gerada pela categoria”, afirma. “Eu trabalho no que é mensagem comoditizada, mas tenho outro grande esforço porque mantemos uma equipe parruda, que se esforça para entender o mercado.”
A estratégia também é utilizada nas campanhas da FGV. Marilene Fernandes, head de mídia da 3AW, afirma que o trabalho da agência é baseado em indicadores de performance. “Hoje temos uma equipe robusta só de analistas de performance, equipe de BI, criativos e atendimentos exclusivos.”
Mídia
Segundo Doss, o setor se divide em dois grandes ciclos. O mais forte de outubro a março e o segundo nos meses subsequentes. “Uma das mudanças é que no passado tinham apenas duas datas para se fazer as provas e hoje você tem quase que o ano todo”, aponta.
A popularização do ensino a distância (EAD) também foi um fator determinante para que os grupos tivessem uma estratégia de mídia anual. “O pico de captação é o fim de janeiro. É o que chamamos de Black Friday da educação, porque o resultado do Enem sai nessa época. É uma estratégia não focada somente em presencial, mas em EAD também”, defende Cristina, da FCB.
Na WMcCann, além de always on, a estratégia é toda digital. “No primeiro ciclo de captação de 2019, tivemos 187 mil novos alunos, 12,6% a mais que no ano anterior. Alguns deles foram selecionados para participar de um programa especial de branded content com o Shark Tank, do Canal Sony”, diz Borges.
A Estácio decidiu, pela primeira vez, incluir o YouTube como protagonista em seus investimentos. A estratégia teve início em maio e o resultado foi o alcance de mais de 45 milhões de pessoas em três meses. Em julho, focaram em performance e as estratégias da plataforma trouxeram crescimento de 23% nas buscas pela marca.
Na FGV, o investimento em digital também é representativo, “Algo no patamar de 80%”, diz Marilene. “A partir da mídia a gente começa a traçar a estratégia para esse cliente.”
Já na Kroton a estratégia digital é ditada pela verba de cada marca. Mas os esforços em mídia acabam sendo um mix de meios, já que variam de acordo com a localização de cada uma das marcas.
Embaixadores
Com a popularização da educação, o target do segmento já não se restringe ao jovem recém-saído do Ensino Médio. Agora é preciso considerar alunos com diferentes jornadas, do presencial ao EAD, o que impacta no conteúdo das peças e em quem estrela as campanhas.
Cristina Omura faz uma crítica ao setor e acredita que ainda há muito para evoluir. “Isso não representa meu cliente ou a opinião da FCB, estou falando como profissional de mídia. A categoria ainda não evoluiu do ponto de vista de quem são seus embaixadores. Todo mundo continua na mesma comoditização”, vaticina.
Ainda que algumas campanhas busquem o protagonismo de ex-alunos para humanizar a comunicação, outras recorrem a celebridades que, de acordo com Cristina, não necessariamente dialogam com os alunos dessas instituições.
“A ESPM consegue trazer um ex-aluno porque é uma escola de propaganda e marketing, ou seja, é segmentada. Mas para uma grande universidade, que tem mais de 50 cursos, fica mais difícil”.
Para ela falta ainda “verdade por trás dos embaixadores”. “Eu acho que esses caras que conversam com a massa são pessoas que eu conheço, ou seja, estão emprestando, sim, idoneidade. Agora, o que eles podem endossar sobre comunicação?”, questiona.
“O garoto propaganda no EAD da Cruzeiro do Sul é Gustavo Borges. Justificamos a vinda dele, porque foi um cara que teve de estudar e treinar ao mesmo tempo. Ele tangibiliza o esforço do EAD. É alguém que sabe o que é determinação, disciplina e se esforçar”, conclui.