Armando Strozenberg: “O papel da grande ideia não muda nunca”

Alê Oliveira

Armando Strozenberg no Palais des Festivals, em Cannes este ano

Armando Strozenberg, Chairman da Havas Brasil e vice-presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), acaba de voltar do Cannes Lions, possivelmente sua 31a experiência por lá, ele especula. Todos os anos, ele é um daqueles delegados que conseguem estabelecer a conexão perfeita com o que há de mais interessante, mesmo em um evento tão gigantesco, onde muitas escolhas precisam ser feitas diariamente. Aqui, ele comenta algumas das  impressões que trouxe na bagagem.

 

 O que se aprendeu em Cannes este ano?

Armando Strozenberg Que as perguntas sobre o futuro da indústria de comunicação são um crescente processo, muitas vezes tortuoso; e as respostas, cada vez mais apenas repetitivas, e até pretensiosas ou perigosamente simplistas. Por exemplo, quando se atribui “ad nauseam” à tecnologia um papel de panacėia universal, que ela não tem, não pode, nem deve ter. Ou quando algumas respostas propõe até a aposentar o papel da criatividade.

 

O que você, em especial, trouxe na bagagem?

Strozenberg – Uma afirmação do meu guru Kevin Kelly de que “estamos entrando apenas no nascimento do ano 1 do mundo digital e que, portanto, ninguém deve se sentir atrasado”. Além de apaziguadora, esta percepção parece conter imensa sabedoria.


Outros aprendizados:


Não somos nem amigos nem inimigos da tecnologia. Ela veio para emoldurar o nosso cotidiano.



70% dos Leões, de 2000 para cá, são levados para casa por países menos ricos, segundo estudo recente apresentado em Cannes. 



É fundamental “desestereotipar” cada vez mais os personagens da comunicação mercadológica.



A internet deixou de ser um canal. É cada vez mais pilar de cultura.



Como é poderoso o conceito criativo e simbólico da campanha “Happy Father’s Day” da P&G!

Thomas Edison foi um “adaptador”, Da Vinci é um inventor. Confuciana definição para qualificar a criatividade publicitária que ouvi por lá.

Como me orgulhou e emocionou ver o St. Marks nas mãos do Marcello Serpa. Que linda homenagem à moderna história da propaganda brasileira. É a cena mais forte que, com certeza, ocupará lugar de honra na minha memória deste CannesLions 2016.

 
 

Entre tantas experiências de Realidade Virtual e Inteligência Artificial, o que elas trazem para a propaganda?
Strozenberg – A curto prazo e em termos práticos, pouco traz. Sem escala, o seu uso ainda é para poucos. Mas olhando pra logo ali na frente o  papel e o tamanho que terão o seu potencial cognificador é imenso. (Cheguei a ouvir que em 10 anos o Google será uma empresa 100% de Inteligência Artificial!).

 

E o que de essencial se mantém?
Strozenberg – O papel da Grande Ideia, do Great Work.

E que o marketing não pode ser visto como instrumental melífluo de políticos. Mas, sim, como traço cultural da modernidade, com suas qualidades e defeitos.

 

Das palestras que você assistiu – o que de mais interessante viu?

Strozenberg –  Como a indústria da comunicação e marketing está olhando de perto questões como Diversidade, Inclusão, Relações Cliente & Agência, Peso da Sustentatibildade nos Negócios, Revalorização da Confiança, Papel  desencadeador dos melhores jobs pelos anunciantes e os desafios do storytelling para cumprir o papel de conteúdos originais. São temas que dominaram o andar de cima da programação e seduziram pela pertinência e atualidade.

 

A questão de gêneros – foi a grande questão do festival, como algumas pessoas afirmaram?

Strozenberg –  Com certeza foi uma das principais questões, como disse antes. Afinal, descobri que apenas 34% das mulheres são protagonistas no conteúdo publicitário e apenas 31% na cinematografia ficcional! Algo totalmente desalinhado com o percentual de mulheres que hoje decidem na nossa indústria. Under Armour, Coors Light, P&G e RAM são alguns anunciantes que entenderam e começam a abrir novas narrativas para este desafio.

 

Inovação – É papel das agências ser o elemento que leva a inovação para o cliente?

Strozenberg – Único, não. Mas fundamental sempre. Foi, é e será. Hoje mais no nível da Linguagem, do Data, e nas propostas que envolvam  mais Risco. A destacar também algumas incursões, ainda tímidas, no segmento de produtos e serviços, e mais consistentes na área social – “apps”, em especial. (Aliás, assistir às sessões de “Innovation” se tornou hoje uma das mais instigantes experiências oferecidas aos que frequentam o hoje gigantesco CannesLions).

 

Em alguns aspectos estamos, no Brasil, um pouco distantes de muitas das tendências que surgem num evento tão plural. O que nos serve, de fato, como ensinamento?

Strozenberg – Para citar apenas dois de muitos outros: primeiro, em termos competitivos o Brasil é acima da média mundial apenas na área de criatividade em Print. (Aliás, nem do grupo dos países mais criativos com menos poder econômico, o Brasil faz parte: Nova Zelândia e Argentina lideram a relação Inscrições x Leões distribuidos nos últimos 15 anos)

Em segundo lugar, infelizmente, percebe-se que ainda fazemos parte do time insignificante de países que inventa relevante tecnologia e linguagem para o desenvolvimento da mercadologia mundial.
Precisamos refletir mais-e-mais sobre isto se, de fato, queremos nos aproximar das principais tendências do mercado mundial. Tarefa que cabe a toda a indústria, academia inclusa.

 

Como lidar, ainda, com peças fantasmas, criadas muitas vezes irresponsavelmente, sem nenhuma conexão com consumidor ou zeitgeist?
Strozenberg – Tratar deste assunto a esta altura chega a me fazer mal à saúde 🙁

 

Algum trabalho em especial chamou sua atenção, no festival?
Strozenberg – Muita coisa boa, como sempre. Mas vencedores como os improváveis Rembrandt. Harvey Nichols, NYTimes, Burger King x McDonalds, o “Coro” da Philips (confirmando a bem-vinda melhoria do nível das peças de Health). Me impressionaram também a evolução consistente do digital craft e o sucesso de um número cada vez maior de cases curiosos de promo activation, o papel  crescente do enterteinement como conteúdo, a tentativa de reinvenção do RP e – finalmente – a descoberta do papel da Música, categoria que parece ter vindo pra ficar.

 

 Como, no cenário atual brasileiro, arregaçar as mangas, sacudir a poeira e trabalhar direito, e bem?

Strozenberg –  Primeiro, empenho total numa espécie de cruzada pela “salvação do Brasil” como nação, coneçando pela refundação dos seus valores. Em paralelo, esforço máximo de todos contra a debacle sócio-econômica que nos ameaça; aliás, deste projeto cabe aos publicitários um papel significativo, e não apenas de meros coadjuvantes executores.

 

Qual a sua visão do comprometimento dos 6 principais grupos de comunicação do mundo com os 17 objetivos de sustentabilidade da ONU, em pleno festival de Cannes?

Strozenberg – Eis aí um golaço do CannesLions 2016. Que deve servir de exemplo para este mundo tão implodido. Enfim, uma grande notícia que eleva a imagem institucional da indústria a um patamar nunca antes atingido na História. (O grupo Havas, do qual faço parte, já está debruçado sobre o tema”Clima”).

A força da aceitação da proposta feita pelo Secretário-Geral da ONU não se limita apenas a enriquecer os cv’s dos acionistas controladores destes seis maiores grupos mas é também, e sobretudo, oportunidade única para os seus clientes-anunciantes, profissionais e parceiros, mostrarem o seu valor.

 

Conheça alguns dos trabalhos citados por Strozenberg na entrevista:

 

https://www.youtube.com/embed/zmvTcY_HEtk

 

https://www.youtube.com/embed/hjgqWrDo0fc

 

https://www.youtube.com/embed/V3lh4iI1cZY

 

https://www.youtube.com/embed/RVqFnkDqEsA

 

https://www.youtube.com/embed/OjJLPwAdyzE

 

https://youtube.com/watch?v=gGeRjcxHuBc

 

https://youtube.com/watch?v=j2ALm1VCkOw

 

Algumas das palestras citadas:

 

https://youtube.com/watch?v=hXzObJFuQgU%26nbsp%3B