As ratazanas apoteóticas
O Brasil deve muito a Rosa Magalhães. Foi ela uma das responsáveis pelas festas olímpicas que encantaram o mundo. E todo ano deslumbra a plateia com os mais requintados desfiles de Carnaval. Com toda razão, ela é uma celebridade no universo do espetáculo.
Entre as suas inúmeras e gloriosas características está a de ser uma extraordinária contadora de histórias. Não inventadora de histórias, vejam bem, mas contadora de fatos que ela viveu ou esteve por perto quando aconteceram.
Outro dia, dando uma olhada em velhas fotos, encontrei um flagrante da Rosa, em minha casa, cercada por gente embevecida, revivendo um fato ocorrido nos bastidores das gravações da minisérie O Tempo e o Vento, para a Rede Globo.
Segundo seu (dela) relato, uma determinada passagem do roteiro exigia a participação de tinta ratos. Eu escrevi exatamente isso: tinta ratos. Trinta ratos, cacete! Profissional como toda grande produtora, Rosa venceu o nojo e o medo, chamou a equipe e comandou a busca e apreensão de três dezenas de roedores, como se fosse a mais pura rotina.
Foi um deus nos acuda, mas em algumas horas a produção, orgulhosa, já tinha engaiolado o número necessário de bichos e comunicado ao Paulo José, o diretor, que os roedores estavam prontos. Não é que o cara resolve não gostar da cor dos ratos? Quero ratos cinza, disse ele. Rato preto é muito chinfrin, não compõe bem a cena.
Numa hora dessas, não se discute com o diretor. Se ele acha que rato tem de ser cinza, rato bom é rato cinza e acabou a conversa. E aí, o que fazer? Rosa resolveu apelar para a criatividade: pintou, ou melhor, grafitou os ratos.
Mandou buscar (não me pergunte onde) alguns quilos de grafite em pó e maquiou os ratinhos um a um, dando a eles uma elegante coloração cinza-prata, com qualidade global.
O único problema é que, por uma razão qualquer, rato é alérgico a grafite. Em algumas horas, os ratinhos começaram a morrer, talvez a se suicidar de vergonha, sabe-se lá.
O fato é que o elenco foi se desfalcando pouco a pouco. Claro que ninguém tinha coragem de dizer para o Paulo José que, se ele demorasse a gravar a cena, iria faltar rato no Projac e adjacências. Não se aporrinha diretor com questões menores.
Sendo assim, depois de prolongada discussão, ficou estabelecido que iriam manter os ratos na cor natural até a hora de entrar em cena e só neste momento dariam o banho de pó de grafite.
Assim, caso o artista roedor morresse, seria após a atuação. O verdadeiro sacrifício pela arte, embora um pouco forçado pelas circunstâncias.
Um integrante da equipe, portanto, foi nomeado pastor de rato, encarregado de vigiar o rebanho, outro ficou a postos para acinzentá-los quando necessário.
Pois bem, após um dia inteiro de espera, Paulo José desistiu da cena dos ratos. Em outras palavras, a figuração roedora estava dispensada.
Problema: o que fazer com aquele bando de ratos engaiolados? Rosa, meio puta da vida, sentenciou: tendo sido os artistas dispensados, a regra mandava agradecer pela ajuda e providenciar condução para casa. O que, no caso da maioria dos ratos, era o esgoto mais próximo.
Agora vocês imaginem um rebanho de ratos solto em plena cidade cenográfica. Metade da Globo desmaiou de susto.
Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)