Avanti popolo
Lula Vieira
Eu já contei para vocês que meu escritório fica na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, uma espécie de ágora onde acontecem as principais manifestações da cidade. É uma praça deslumbrante, onde se encontram alguns dos mais belos prédios do Rio, como o Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional, Câmara Municipal, Centro Cultural da Justiça Federal, o Odeon e outras construções de época que misturam estilos como neoclássico, eclético, art nouveau e art déco.
De uns tempos para cá eu assisto de minha janela duas ou três manifestações por dia, que vão se sucedendo de manhã até de noite. Além disso, quatro restaurantes garantem o chopp e a caipirinha, além de muitos conjuntos musicais.
Tudo isso garante um movimento intenso e plateia permanente para quem quiser ser ouvido ou visto, seja lá seu propósito. Mas o que impressiona a quem, como eu, é espectador das chamadas movimentações populares é a absoluta falta de bom senso na imensa maioria dos discursos que são ouvidos.
Para não ser taxado de elitista, vou me abster de comentar a violação sistemática da língua portuguesa, estuprada com a maior alegria pelos oradores das mais diversas origens. Não digo apenas dos erros de concordância, a ausência absoluta de plurais, os enganos de pronúncia. Mas também a desorganização do discurso e o cipoal de ideias que fazem com que a fala dos oradores pareça apenas alguns gritos de palavras de ordem totalmente genéricas, tornando ininteligível quais são as pretensões de cada manifestação.
Como os carros de som ou são alugados ou cedidos pelos sindicatos mais prósperos e as alegorias mais vistosas são balões de entidades como a CUT, fica difícil descobrir qual o objetivo dos movimentos, até porque as faixas e adereços de mão raramente conseguem ir além de platitudes que vão desde “Fora Dilma” e “Fora PT” indo até enigmas como “Diga não ao patrão” ou “O povo não é bobo”, rima rica para TV Globo, paixão alucinada da multidão nos Ibopes e nas ruas. Não exagero: das 20 ou 30 manifestações mensais que assisto, consigo, prestando muita atenção, entender o propósito de umas duas ou três.
Canso de perguntar aos garçons e porteiros a favor ou contra quem que as pessoas vociferam. Nunca encontro uma razão. Pelos discursos a compreensão é impossível. Não só pelo som e pela imperícia dos discursantes, mas também pela falta de objetividade. Seja o que for o tema do protesto, há sempre alguém dizendo que não devemos pagar a dívida ao FMI e aos banqueiros internacionais e que o capitalismo quer acabar com as conquistas do povo brasileiro. E que a terceirização é o fim do salário, da estabilidade e da dignidade do trabalhador.
Não estou minimizando (longe de mim) o valor das reivindicações populares. Só temo que sua falta de objetividade e relevância tire a seriedade do protesto, pela folclorização. Os grandes jornais já estão conseguindo dar aos movimentos de rua uma certa aparência de lazer com causa, como uma festa temática. Não é de todo errado, pois apesar de muito bonitinho, desfile de moda e exibição de pets decorados não se coaduna com os movimentos de massa capazes de comover a sociedade “como um todo”.
E da minha janela, na Cinelândia, entre conjuntos de flautas bolivianas, moradores de rua, turistas, artesãos, estátuas vivas, os protestos soam como uma certa perda de tempo. Vou dizer uma coisa para vocês aqui neste jornal, na esperança que ninguém leia esta coluna e eu não passe a ser apedrejado nas ruas como o Ébrio de Vicente Celestino. Falta publicitário profissional nestes movimentos.
Gente capaz de envelopar o carro de som, de criar faixas com frases curtas e diretas, de desenhar cartazes emocionantes, enfim, de organizar a suruba de forma que um transeunte, ao bater os olhos a um aglomerado de manifestantes, saiba imediatamente o que está sendo reivindicado.
Que são pessoas lutando por melhores condições de trabalho no hospital tal, mais atenção à segurança nas escolas, melhor salários aos motoristas de ônibus, não à redução da idade penal e assim por diante. Um exemplo perfeito foram os grandes movimentos populares na Rússia e na França. Até hoje, mesmo com o fim do comunismo e a liberté, egalité, fraternité ter virado tatuagem, o material produzido pelos artistas da época para as passeatas e quebra-quebras encantam pela beleza, objetividade e – por que não – eficácia.
Avante publicitários! A voz das ruas precisa de profissionais!
*lulavieira@grupomesa.com.br