Azul Tiffany e a questão da proteção de cores como ativos intangíveis
No “dia da mentira”, primeiro de abril, a famosa joalheria Tiffany & Co., conhecida pelo tom “azul Tiffany”, pregou uma peça em seus consumidores e chocou o mercado, apresentando sua nova cor, um tom amarelo vibrante.
Usado pela primeira vez em 1845, o “azul Tiffany” se tornou uma característica da empresa, o que fez com que no Brasil a cor tenha se tornado, popularmente, uma de suas “marcas registradas”, sendo atualmente empregada não somente na desejada caixinha, apelidada de “Tiffany’s blue box”, mas em produtos como joias, perfumes e óculos de sol. A cor também foi usada nos exclusivos cafés da joalheria, espalhados ao redor do mundo, como é o caso do The Tiffany blue box cafe, localizado no interior da renomada loja de departamentos Harrods, em Londres.
Nesse viés, o “azul Tiffany” está registrado como marca em diversas jurisdições e possui seu próprio código Pantone. Nos Estados Unidos, a Tiffany obteve ainda, registro da figura da caixinha de joias[1], bem como de sua sacola[2], com aplicação da cor “azul Tiffany”, facilitando a proteção do tom quando presente em tais itens.
No mundo da moda, diversas empresas elevaram o patamar das cores, fazendo com que elas sejam prontamente associadas aos seus produtos. A verdade é que algumas cores viraram objeto de desejo e símbolo de poder e luxo, em decorrência de seu uso recorrente, publicidade e investimentos, ao exemplo do solado vermelho dos sapatos Loboutin.
No Brasil, a Lei de Propriedade Industrial dispõe não serem passíveis de proteção como marca as cores e suas denominações[3]. Dessa forma, outros mecanismos jurídicos devem ser aplicados para viabilizar a proteção desse tipo de ativo.
Uma ferramenta bastante usada é a repressão da concorrência desleal por meio de violação de trade dress. Basicamente, a proteção é voltada à combinação dos diversos elementos que juntos caracterizam e permitem o reconhecimento de determinado produto, mesmo sem haver a presença de uma marca registrada.
Partindo dessa ótica, vale mencionar a chamada “avaliação 360”, explorada em decisão do Superior Tribunal de Justiça no AgRg no REsp 1346089 / RJ[4], que dispõe sobre a aferição de confusão entre signos distintivos, que deverá levar em consideração, dentre outros, a espécie dos produtos em cotejo e a especialização do público alvo.
Nesse sentido, não basta que a empresa infratora use a cor “azul Tiffany”, pois, também devem ser analisados os aspectos desse uso, por exemplo, se a cor está sendo usada para identificar caixas de joias e artigos de moda, se as empresas atuam no mesmo segmento, se há concorrência ou tentativa de aproveitamento parasitário.
Vale lembrar que, apesar de no Brasil a cor “azul Tiffany” não ser passível de registro como marca, a mesma adquiriu grande distintividade e valor econômico, em decorrência dos inúmeros investimentos da empresa e de seu conhecimento pelo consumidor, sendo prontamente associada à joalheria Tiffany, fenômeno que chamamos de secondary meaning[5].
Fato é que o “choque” causado pelo anúncio da mudança da cor, ainda que tenha sido apenas uma “pegadinha”, demonstra, claramente, que o “azul Tiffany” não é somente uma cor, mas sim símbolo da empresa, despertando um olhar atento para a importância de elementos que em um primeiro momento podem parecer banais.
Embora a Lei brasileira busque evitar o monopólio injusto das cores, que em tese, poderão ser utilizadas por qualquer empresa, o judiciário e a doutrina vem, felizmente, buscando formas de proteger os importantes ativos de propriedade intelectual, entendendo que muitas vezes são parte do patrimônio mais valioso da empresa, principalmente quando falamos de marcas de luxo.
Carolina Bandiera Caetano é advogada e atua na área de Marcas do escritório Kasznar Leonardos.
Larissa Nunes Pietoso é advogada pós-graduada em Propriedade Intelectual pela FGV e atua na área de Marcas do escritório Kasznar Leonardos.