Bastidores da água consciente

MAKING OF / VISORAMA

 

Por Mateus Moretto

 

Não é todo dia, em publicidade, que se tem a oportunidade de produzir personagens do zero e direcioná-los para uma produção em stop motion. Muito menos para educar a população sobre um assunto como os recursos hídricos. E foi numa dessas ironias do destino que Esbanja & Manera chegaram até a porta da Visorama Diversões Eletrônicas.

 

Apresentados a nós pela Agência3, tiveram seus perfis esmiuçados e descritos pela equipe de criação. E a primeira impressão foi bastante estimulante. Teríamos dois irmãos. Esbanja, já adolescente, é aquele que se acha o malandro. Manera, ainda um pré-adolescente, é inteligente e bem mais esperto que o irmão. E além das personalidades, também têm comportamentos opostos quando o assunto é o uso da água. A partir desse contato verbal, imaginamos essa duplinha de várias formas e maneiras que geraram mais de 30 layouts diferentes. E a cada aparição, na evolução dos detalhes, novas maneiras de representar suas características foram surgindo. (…)

 

Alcançada a personificação ideal do Esbanja e do Manera, finalizamos o layout com desenhos e vistas de cada personagem em escala real. Uma preparação para a fase seguinte e também para a aprovação do cliente, a Nova Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), do Rio de Janeiro. Cliente, aliás, que desde o início manteve-se bastante entusiasmado com o projeto e seus personagens.

 

Com o layout aprovado, seguimos pra fase do mock-up e da produção da estrutura de base – o esqueleto – em ball-joint, do mesmo tipo usado pela Aardman, ou em produções como ‘Coraline’ e ‘A Noiva Cadáver’. Assim, Esbanja e Manera saíram do papel para serem modelados em massa. A partir desse estudo do volume e dos personagens materializados, desenvolvemos como gostaríamos que fosse o material físico de cada parte da nossa dupla. 

 

Nesta etapa de decupagem dos materiais, definimos que as cabeças seriam rígidas, em resina, com olhos e bocas de substituição – a cada frame ou mudança de expressão eles precisavam ser trocados. Acrescentamos apenas um detalhe ‘animável’ nessas peças, que foram os topetes em silicone, para dar mais charme e torná-los tão simpáticos quanto deveriam ser. Os corpos foram preenchidos com espuma, e as roupas confeccionadas em tecido (a calça era realmente de jeans, a camisa de algodão, etc.). Já os membros foram produzidos no mesmo silicone dos topetes, mais maleáveis, permitindo a manipulação necessária demandada pelos roteiros.

 

Roteiros. Três: “O Banho”, “A Pia” e “A Barba”. Construídos seguindo uma estrutura de episódios, de gags curtas e diretas que se passam, majoritariamente, em um mesmo cenário, o banheiro.

 

Nele, Esbanja, relaxado e inconsequente, fazia o que faz melhor – ou pior: desperdiçar água. Seu banho, com direito a performance musical, dura horas. Ao escovar os dentes ou fazer a barba, a torneira da pia está sempre aberta, jorrando água, pois, segundo ele, o ‘barulhinho’ o relaxa. Esse comportamento deixa seu irmão mais novo, o Manera, bastante irritado. Já que, mais consciente do uso responsável da água, ele não se permite esse tipo de desperdício. E sempre dava um jeito de solucionar esse problema, seja desligando o registro ou invadindo o banheiro.

 

Pela importância desse cenário, o banheiro; box, pia, vaso, espelho e acessórios foram detalhados em desenho e, após aprovados os layouts, também seguiram pra modelagem em massinha. Depois resina e, por fim, acabamento em pintura.

 

Banheiro pronto. Corpos modelados. Roteiros escritos. Faltava ainda um grande elemento dessa estrutura toda: as vozes. Na vinheta de abertura, onde personagens e episódios são apresentados, e na conclusão, já contávamos com a participação luxuosa do Martinho da Vila. Então, além de decidir como falariam nossos dois irmãos, as vozes precisavam combinar muito bem com nosso ‘mestre de cerimônia’. Como no desenvolvimento do layout físico, dezenas de vozes foram testadas e apresentadas. Curiosamente, entre as duas escolhidas pelo cliente, uma das vozes é de um dos criativos envolvidos no projeto – de corpo e alma.

 

Com todos os elementos definidos e prontos, partimos pra etapa mais divertida de todas: a animação. Que nesse caso, pelo cronograma do projeto, estava bem crítica e por isso nem tão divertida. Tínhamos, em média, três dias para animar cada um dos episódios – o que seria produzir cerca de dez segundos de animação stop motion por dia. Uma média muito alta para qualquer padrão, onde geralmente se anima stop motion com doze a quinze quadros por segundo (12fps/15fps). E nossa decisão era de animar a vinte e quatro quadros por segundo (24fps) pra termos o movimento mais fluído.

 

Além desse aspecto técnico, ainda tínhamos um terceiro personagem para animar. Talvez tão importante quanto os outros dois: a água. Utilizando gel de cabelo incolor (desses que se encontra em farmácia) e fios de nylon, permitimos ao Esbanja desperdiçar toda a água de que necessitasse, sem usar água pra isso.

 

Filmes prontos e apresentados, nossos personagens também participaram da campanha impressa e do site da Nova Cedae. Foram vistos durante o carnaval carioca, adesivados em barracas de ambulantes e foram parar no Anima Mundi 2015, panorama mundial da produção publicitária em animação.

 

Com esse resultado e a certeza de termos trazido para população um assunto tão importante de maneira divertida, clara e direta, podemos garantir que nenhuma gota d’água foi desperdiçada durante a produção, apenas de suor. E valeu a pena.

 

*Mateus Moretto é sócio e diretor da Visorama Diversões Eletrônicas