BETC abrirá escritório em São Paulo
Há tempos que a francesa BETC está de olho no Brasil. E, dessa vez, confirma chegar ao país por São Paulo. Rémi Babinet, chairman, cofundador e diretor de criação global da agência – que também tem um escritório em Londres –, diz que sua ideia é ter uma “pequena rede de gigantes locais”. A própria BETC tem 700 funcionários em Paris e atende marcas como Evian, Louis Vuitton, Air France e Bacardi, entre outras. Babinet diz que sua agência tem o foco em pessoas, o que enriquecem o “caldo” criativo da agência. A BETC surgiu em Paris em 1994 com a marca BTC, abreviação de Babinet e do sobrenome do sócio Eric Tuong Cuong, que se desligou da operação em 2002. Em 95, Mercedes Erra entrou na sociedade e incluiu a segunda letra na atual marca da agência. Nesta entrevista, Babinet fala sobre assuntos como a construção de marcas e a filosofia da BETC de cuidar de todas as áreas que interferem na comunicação do cliente.
Quais são os planos internacionais da BETC?
Primeiramente, sempre seremos franceses. Temos a impressão de que a alma das empresas se perde porque elas se globalizam. E foram os americanos que inventaram isso. Mas elas permanecem essencialmente o que são. Coca-Cola e Marlboro continuam sendo marcas americanas. Nós queremos criar uma rede, mas não muito grande, porque acredito em agências muito fortes localmente. Então teremos quatro agências nessa rede, no máximo. O projeto não é ter uma grande agência em Paris com vários pequenos escritórios ao redor do mundo. Queremos criar gigantes locais. Queremos ser atores fortes localmente, como em Londres, onde chegamos há dois anos. A agência nem é grande fisicamente, mas é importante no mercado local.
Como foi a abertura em Londres?
Criamos tudo do papel. É mais difícil fazer assim, mas é a maneira mais eficiente, na minha visão. Encontrar as melhores pessoas locais é a melhor maneira de conquistar as coisas. Fizemos uma longa busca na cidade para ter a certeza de que havíamos encontrado as melhores pessoas, e acho que conseguimos. Começamos com dois profissionais seniores – um de criação e um de atendimento. E hoje temos 35. Crescemos organicamente.
É preciso abrir com clientes locais alinhavados?
Ter clientes é essencial. É bom ter alguns locais, em primeiro lugar, e depois expandir e pensar globalmente. Essa é a conexão vital que uma agência precisa ter. Se você não tem clientes locais, você é como uma agência de correios, você é um estranho.
Qual a sua ideia a respeito do Brasil?
Gosto do Brasil e queremos abrir uma agência no país. Temos conversado com pessoas faz tempo. Espero estar totalmente instalado no país antes que o ano acabe.
Seu cliente Evian diz que espera que vocês sejam os caras que tenham “as ideias malucas”. Qual é a filosofia da agência, afinal de contas?
Eu acredito em pessoas. Sem elas não somos nada. Pessoas diferentes, idiossincráticas, especiais, com gostos e interesses muito diversos. Outra das nossas características é a longevidade de relacionamento com clientes. Muitos deles atendemos há 15, 16 anos. Nossa agência tem 18 anos, e, quando a criei, entramos numa primeira concorrência, contra tudo e contra todos. Éramos pequenos, lutando contra um mercado inteiro: essa conquista foi Evian. Ganhamos com uma campanha sobre a importância da água na vida das pessoas. Evian é uma marca muito importante na França – é uma espécie de “marca-mãe” das águas.
Então foi seu primeiro grande cliente?
Hoje Evian não é mais nosso maior cliente. Mas foi nossa primeira grande conquista.
Como construir relações fortes e duradouras com clientes no mundo de hoje?
É bem difícil, mas o fato é que conheço muitas das marcas que atendo melhor do que o próprio cliente. Sei o que tem que ser feito e passei por diversos times de marketing. E, a cada mudança de pessoas, temos que de alguma forma “educá-las” em relação à própria marca. É um paradoxo.
Em um seminário no Cannes Lions deste ano, um palestrante comentou que Michelangelo foi um cara de um único briefing durante toda sua vida. Todo mundo lhe pedia para fazer um “David”. Isso acontece com você e a Evian, com clientes que querem ser “iguais” à marca?
Sim, com certeza. Mas não é uma pressão, é algo bom. Porque o trabalho para Evian tornou-se uma vitrine e um dos atrativos da agência. Ouço sim esse tipo de coisa, mas sou obrigado a dizer: “Vocês não são a Evian, necessitam de algo criado especialmente para vocês”. Há duas semanas ouvi exatamente essa frase. Um cliente disse que queria uma campanha como a que criamos para a Evian. É difícil, mas é bom ao mesmo tempo, porque mostra que temos boa reputação criativa.
Tudo, no final das contas, depende da criatividade?
A criatividade é importante, mas não no sentido de ser estiloso e cool. Não se trata de a cada momento ir para uma nova direção, fazer algo estrondosamente novo. Somos sim muito criativos, mas somos muito estratégicos e focados em construir marcas com propostas.
Numa apresentação que você fez, disse que branded content, por exemplo, é publicidade. E que as pessoas estão se esquecendo disso. Tudo é publicidade, afinal?
Sim, acredito muito nisso. Tudo é publicidade. Boa publicidade é, de certa forma, branded content. Não é um mundo à parte. As fronteiras não estão claras. O fato é que o digital transformou a maneira como as pessoas interagem com a publicidade. As pessoas podem “opt-out”. Se você se mantiver no “hard selling”, está morto. Por isso o que se deve criar é branded content de qualidade. É preciso ter o que dizer. Continuamente, ano após ano. Evian é um bom exemplo de uma mesma ideia aproveitada de diferentes maneiras.
Como você trabalha com as diferentes possibilidades da publicidade hoje?
Somos totalmente integrados. Trabalhamos para vários grandes clientes e precisamos de serviços e competências especializadas. Temos tudo dentro de casa. Para Louis Vuitton, por exemplo, que desde o ano passado atendemos globalmente, criamos inclusive os guias de cidades para diferentes locais do mundo, com jornalistas nossos produzindo o material. Não podemos imaginar não fazer o design, o digital, a publicidade. Sou muito agressivo com os clientes nesse aspecto, porque se eu não fizer tudo, não será a mesma marca no final. Quando atendo um cliente, convido-o a vir comigo, pois quero tanto quanto ele construir uma marca forte, quero cuidar da marca como um todo. Para a Air France, que atendemos há 15 anos, criamos inclusive o design dos assentos dos aviões e cuidamos até da música que toca.
Agora entendo porque vocês têm 700 pessoas trabalhando em Paris.
Sim, sem dúvida. Porque uma marca demanda tudo isso. Não é só publicidade.
Vocês atendem mais marcas francesas?
No início atendíamos mais marcas francesas, e dentro da França. Mas, com o tempo, passamos a internacionalizá-las.
E agora é a vez de internacionalizar a BETC…
Sim, como temos feito para nossos clientes, o que nos dá um know-how.
Depois do Brasil, para onde vocês pretendem expandir?
Estados Unidos e depois Ásia.
Como manter o tema de uma campanha “atual”? No caso de Evian, por exemplo, como conseguem renovar o conceito dos bebês.
A palavra é confiança. Confiamos na equipe que trabalha conosco. Confiamos na equipe de produção. E ela confia na gente. No final, sempre encontramos algo novo e atual. Há liberdade de pensamento. E há confiança por parte do cliente. É como em um casamento. É preciso reinventá-lo constantemente. Mas são as mesmas pessoas.
Campanhas longevas são comuns na sua agência?
Sim, conceitos duradouros reinventados constantemente. Um bom exemplo é o Canal +. O mesmo conceito, ter o melhor do cinema, se mantém no ar com diferente approach a cada ano. Hamlet Cigars também tem o mesmo conceito emblemático há 10 anos. É muito estimulante para a equipe criativa ter de reinventar um conceito ao longo do tempo, é como criar o novo capítulo de uma série. A essência da marca se mantém. E o céu é o limite.
Conte um pouco da história dos bebês da Evian.
A Evian usou pela primeira vez um bebê na propaganda em 1935. Mas, em 2009, criamos os “roller babies”, que foram um sucesso. Os bebês nasceram da metáfora daquilo que se conquista na vida: seu bebê interior. Você bebe Evian e seu “bebê interior” vem à tona. Evian sempre quis comunicar a pureza e se associar aos alpes, mas não precisamos fazer isso nos filmes, podemos comunicar isso na embalagem, que lembra os alpes.
Onde foram parar as famosas camisetas dos bebês Evian?
Criamos na campanha anterior dos roller babies uma série de camisetas da campanha e vendemos 50 mil unidades. Até hoje há camisetas sendo vendidas no eBay. E a marca nem aparece, apenas os bebês. Se a campanha é competente, a marca nem precisa estar nela, as pessoas sabem de quem é. O aplicativo que criamos recentemente já foi baixado por seis milhões de pessoas.
Essa nova versão dos bebês fez mais sucesso do que a primeira?
No seu retorno, este ano, em que eles encontram com os adultos, o sucesso foi maior: o hit se espalhou, viralizou 10 vezes mais rápido. E o que é o filme? É um videoclipe? É publicidade? É branded content? Como definir? Mas o curioso nessa versão é que não tínhamos certeza se iria pegar rápido, por isso compramos uma parte dos views. Em nenhum dos casos, nos dois filmes, chegamos a pré-testar os filmes. Foram mesmo apostas.
Qual o segredo da campanha?
Acredito que seja a confiança entre cliente e agência. E o fato de que tomamos para nós a responsabilidade de fazer o melhor, em todas as etapas criativas. A melhor ideia, a melhor execução, cuidando de tudo nos mínimos detalhes, da música, da direção. Ao mesmo tempo, acreditamos profundamente nas pessoas que contratamos para cada projeto, deixamos elas trabalharem. Se tivermos que corrigir o rumo no caminho, fazemos. Nesse último filme, a trilha originalmente era outra, mudamos porque não gostamos. Tivemos tempo, o que também é importante. E fazemos entretenimento com propósito. As marcas precisam ter uma dimensão positiva na vida das pessoas, para fazer algum sentido.
O que você acha de festivais como o Cannes Lions?
Prefiro me concentrar no trabalho. Acho interessante, porque muitas áreas da indústria se reúnem em Cannes. O festival antigamente era sobre criatividade. Hoje tornou-se a ocasião do ano para um grande encontro entre diferentes áreas, inclusive clientes. Isso também é interessante.