Beyond the line: Tendência X realidade

Um dos maiores desafios de gestores de negócios e, mais especificamente de marketing, é fazer uma leitura correta das tendências e embarcar na onda certa, no tempo certo. As tendências ganham bom destaque na mídia, criando a impressão de que estamos sempre atrasados, adotando práticas ultrapassadas.

O ritmo feérico das inovações tecnológicas e digitais contribui fortemente para essa percepção. Não há dia que não se comenta sobre um novo App ou uma nova traquitana tecnológica que pode revolucionar nossas vidas. No campo dos meios de comunicação, já vaticinaram o fim dos veículos impressos, da TV aberta, do radio e aí estão eles, resistindo bravamente, consumindo a maior parte da verba de comunicação das empresas.

Na verdade, segundo dados do Ibope, a “velha” TV aberta continua firme e forte, consumindo mais da metade dos investimentos publicitários no país (53% em 2013). A TV fechada atrai apenas 8% dos investimentos. Menos do que o “caquético” jornal impresso (17%). E a incensada internet ainda consome apenas 6% do total de recursos de marketing.

Você dirá: mas isso é o retrato de hoje, a tendência é de que os investimentos no campo da internet e no universo digital devem crescer muito mais. Sim, é verdade, mas – atenção! – em 2013 foi a TV aberta a que mais cresceu no bolo publicitário e, pasme,o investimento publicitário na internet até caiu um pouco. São processos de acomodação. Dolorosa acomodação.

Uma das grandes dificuldades das agências, hoje, é encontrar profissionais de mídia com a visão holística que os tempos exigem. Você encontra aqueles que só falam a linguagem online ou os “dinossauros”, que continuam presos às mídias convencionais. Se formos analisar friamente a distribuição de verbas nos dias de hoje, deveríamos apostar mais nos tradicionais, mas a pressão pelo mergulho digital exige uma atenção maior aos meios online.

Há mais de 20 anos, quando eu trabalhava numa grande agência de publicidade, lembro de um artigo que circulou entre nós, cujo título era: A Propaganda Morreu. O autor era o controvertido publicitário francês Jacques Séguéla ,co-fundador da RSCG. Ele se apoiava nos processos de comunicação não convencionais, principalmente o merchandising (entendido como a aparição de produto no contexto de conteúdos não publicitários).

Mais recentemente, foi a vez do celebrado designer Fred Gelli, da Tátil, em participação de seminário que contou com a presença de Philip Kotler no Brasil, prever o fim da propaganda, como conhecemos. Segundo ele, a comunicação formal, paga por um anunciante, estaria com os dias contados. “É muito melhor que os seus consumidores ou o público em geral falem da sua marca do que você próprio”.

Não dá para contestar sua afirmação, mas fazer isso acontecer é que é o grande desafio. Na semana passada, o tema das apresentações de Max Tozzini (Sonne Branding) e da sua cliente Onodera (Lucy Onodera) no comitê de Marketing Trends, que lidero no WTC Business Club, foi o “fim do marketing”.

A dupla apresentou um belo e consistente arrazoado, suportado pela atitude da P&G, que no meio deste ano modificou a nomenclatura dos seus profissionais de marketing, passando a chama-los de Gestores de Marca. Um recurso mais de semântica, do que de mudança real, já que as funções dos executivos não se modificaram drasticamente. O mérito é mesmo da abrangência, do foco.

Nesse mesmo encontro falou-se do inbound marketing (em contraponto ao outbound, que seria a comunicação externada pela empresa anunciante). Na verdade, trata-se de mais um termo para pregar a comunicação advinda (ou baseada) do consumidor. Uma discussão mais profunda nos leva a valorizar o content marketing. Ou seja, uma criteriosa apropriação de assuntos relevantes para as marcas/ empresas, cuja “propaganda” aparece de forma sutil, na autoria do texto veiculado.

Tudo isso merece, de fato, a atenção de marqueteiros e gestores de negócios, mas com uma devida ponderação. Eu sei que é muito mais fácil de falar do que praticar, mas estou convencido de que o melhor é manter um pé no barco do conhecido e outro – cauteloso – no exuberante e atraente barco das tendências.

*Diretor de marketing do WTC